Vivemos, felizmente, numa sociedade de direitos.
Daqui se resvala, no entanto, para o direito à felicidade. Para homens e mulheres que tudo podem ser, fazer, ter. Sem limites. Border ... line.
Mais um resvalo e estamos na ditadura da felicidade. Aqui, os homens e as mulheres tudo devem ser: havendo alguma falha nos múltiplos papéis desempenhados, nalguma das casas do horóscopo de cada um, é como se fossem nada. Nesta sociedade, o sofrimento já não tem lugar, utilidade ou sentido.
Em consequência, os poderes públicos assumem um papel cada vez mais maternal.
É esperado que consolem, mostrem compaixão. Que todos os riscos previnam (normalmente através de asfixiante legislação). Que tudo providenciem. E ouçam as queixas, senão o queixume.
E o Tribunal, o juiz, não escapa.
Especialmente, o juiz de família. Espera-se deste que devolva ao indivíduo a sua fatia de felicidade doméstica, recolhendo de volta a dor sentida.
E a imagem da juíza de família incorpora estas expectativas ainda melhor.
Resta saber qual a lonjura do passo que vai da maternidade à tutela. É que a providência paga-se com a infantilização.
E aí, já não haverá Tribunais de Família, só Tribunais de Menores.
Raquel Prata
Daqui se resvala, no entanto, para o direito à felicidade. Para homens e mulheres que tudo podem ser, fazer, ter. Sem limites. Border ... line.
Mais um resvalo e estamos na ditadura da felicidade. Aqui, os homens e as mulheres tudo devem ser: havendo alguma falha nos múltiplos papéis desempenhados, nalguma das casas do horóscopo de cada um, é como se fossem nada. Nesta sociedade, o sofrimento já não tem lugar, utilidade ou sentido.
Em consequência, os poderes públicos assumem um papel cada vez mais maternal.
É esperado que consolem, mostrem compaixão. Que todos os riscos previnam (normalmente através de asfixiante legislação). Que tudo providenciem. E ouçam as queixas, senão o queixume.
E o Tribunal, o juiz, não escapa.
Especialmente, o juiz de família. Espera-se deste que devolva ao indivíduo a sua fatia de felicidade doméstica, recolhendo de volta a dor sentida.
E a imagem da juíza de família incorpora estas expectativas ainda melhor.
Resta saber qual a lonjura do passo que vai da maternidade à tutela. É que a providência paga-se com a infantilização.
E aí, já não haverá Tribunais de Família, só Tribunais de Menores.
Raquel Prata
(Juíza)
2 comentários:
Como eu esperava se começasse pelo fim do texto, o mesmo é tocante e excelente.
Em poucas linhas diz muito.
Mas os Tribunais de familia... acabam sempre por ser Tribunais de menores. Afinal é tudo no interesse do menor. O interesse máximo....."Espera-se deste que devolva ao indivíduo a sua fatia de felicidade doméstica, recolhendo de volta a dor sentida."
Porque............"Nesta sociedade, o sofrimento já não tem lugar, utilidade ou sentido."
A renuncia, o sacrificio, a frustração não são palavras do nosso dicionário... ou pouco a pouco deixarão de ser do nosso quotidiano.
Será isso no e do interesse do menor?!
Não sei.
Este texto fez-me colocar a questão a mim própria.
Já agora parabéns pelo som de fundo.
O seu comentário sobre a renúncia e sacrifício fazem-me lembrar uma história lendária sobre o verdadeiro sentido do amor e da relação que este tem com a renúncia e o sacrifício. Como se recorda, a mãe que foi levada perante Salomão para disputar a guarda do filho com outra mulher que também reclamava ser a mãe e que renunciava à criança para que esta não fosse cortada ao meio é que demonstrou ser a verdadeira mãe, ou seja, aquela que renunciaria à própria maternidade para que o seu filho vivesse.
Isso foi uma demonstração antiga e simples da acção no interesse do menor.
Coloco essa questão muitas vezes a muitas mães e muitos pais e, do mal o menos, consigo fazê-los pensar.
Obrigado pelo comentário
O ADMINISTRADOR
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