Pelos bancos dos réus desfilam aos olhos dos julgadores inúmeros criminosos, das mais diversas idades, estatuto social ou especialização criminosa. Contudo, será um “criminoso-tipo” aquele que nos ocupará neste breve texto: o jovem que, quase sempre movido por uma dinâmica de grupo, pratica crimes de furto e/ou roubo.
Ensina-nos a experiência que muitos dos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 20 anos, e que acabam condenados por este tipo de crimes, estão no ponto de viragem entre a adolescência e a idade adulta, no culminar do processo de consolidação da personalidade. Este é o momento por excelência para tomar decisões de conduta que determinarão o trajecto de vida do indivíduo, a clássica encruzilhada entre os caminhos do bem e do mal.
Quantas vezes o condenado é um menor que aos 16, 17 anos, impulsionado pelas “más-companhias” ou um desvario de rebeldia, empunhou uma navalha e levou de outros como ele o telemóvel, o dinheiro, o i-Pod. Quantas vezes o fez incitado pelos “amigos” cuja afinidade é reduzida e de quem se afastou ao ser apanhado pela polícia, ao provocar a intervenção mais musculada da família. Nessa altura, fazer o menor trilhar os caminhos da legalidade está ao alcance da decisão condenatória, especialmente se a sua execução for seguida pela intervenção criteriosa do serviço de reinserção social e durar o tempo suficiente para o “assustar” e fazer pensar no futuro.
E porque razão se suscita agora esta questão em concreto?
Porque uma das alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 59/2007, de 04.09 veio colocar grandes entraves a este trabalho e, infelizmente, pouco ou nada se fala/escreve sobre o assunto.
Reporto-me à nova redacção do art.º 50.º/5: “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”; artigo que na versão anterior rezava assim: “O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
A alteração afigura-se incompreensível na prática do dia-a-dia.
Retirou-se ao julgador um poder, o de decidir, dentro de uma moldura, o período de suspensão adaptando-o às exigências concretas do condenado. A limitação do poder do Juiz não tem qualquer virtude. Não “poupa trabalho” nem contribui para a certeza jurídica, porque escolher o período de suspensão nunca foi demorado ou factor de incerteza, mas sim uma óptima ferramenta de garantia da eficácia da pena, de alcance das finalidades da punição.
Um miúdo de 17 anos, mal acompanhado e ainda pouco amadurecido, condenado a um ano e seis meses de prisão justificava, muitas vezes, uma suspensão de três anos, com o devido acompanhamento pela DGRS. Porque assim, até aos 20 anos, com a ameaça de prisão, aquele jovem sentia-se motivado para se afastar dos “amigos” e fazia-se à vida, crescendo, tornando-se adulto. Responsável.
Um ano e meio, em regra, não é suficiente, não é uma ameaça que perdure pelo tempo necessário a motivar o jovem para seguir o caminho da lei até amadurecer para a idade adulta.
A suspensão é, agora, um mecanismo menos eficaz.
As soluções estreitaram-se sem grande discussão, amputando-se o poder do Juiz para escolher a melhor forma de alcançar as finalidades da punição. Deveria, pois, o legislador explicar esta sua opção. E, já agora, explicar, como consegue ampliar o prazo da suspensão (art.º 55.º al. d) do Código Penal) sem exceder o limite (que é um prazo automático) do referido art.º 50.º/5, naquilo que se apresenta como um verdadeiro paradoxo legal.
Rui Coelho
(Juiz de Direito nas Varas Criminais de Lisboa)
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