quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2009


A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (aprova o Orçamento de Estado para o ano de 2009) foi divulgada há poucos minutos em suplemento ao Diário da República.

http://dre.pt/pdfdia1s/25201.pdf

Entre outras alterações significativas, chamamos a particular atenção para o artigo 156.º desta Lei que estabelece o adiamento da entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais para o dia 20 de Abril de 2009.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

DESMATERIALIZAÇÃO DE PROCESSOS JUDICIAIS


Foi publicada a Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro (estabelecendo novas regras a propósito da desmaterialização de processos judiciais) (altera a Portaria n.º 114/2008)

http://dre.pt/pdf1sdip/2008/12/25100/0919409203.PDF

O LONGO 2008 (EXCERTO)

Esta semana resolvemos fazer um intervalo nos habituais comentários de arte.
Em vez destes, partilhamos convosco uma reflexão muito interessante do Professor Boaventura Sousa Santos sobre a crise económica (e não só).
Esperamos sempre que o ano de 2009 seja melhor que o ano anterior ou que, pelo menos, estejamos mais atentos e vigilantes ao que aconteceu de errado neste ano que agora termina.
BOM ANO A TODOS

Tudo leva a crer que o ano de 2008 não termine em 31 de Dezembro. O tempo inerte do calendário cederá o passo ao tempo incerto das transformações sociais. Muito do que se desencadeou em 2008 vai continuar, sem qualquer solução de continuidade, em 2009 e mais além. Analisemos algumas das principais continuidades.

Crise financeira ou o «baile de gala» da finança? Os últimos quatro meses foram muito reveladores dos dois mundos em que o mundo está dividido, o mundo dos ricos e o mundo dos pobres, separados mas unidos para que o mundo dos pobres continue a financiar o mundo dos ricos. Dois exemplos. Fala-se de crise hoje porque atingiu o centro do sistema capitalista. Há 30 anos que os países do chamado Terceiro Mundo têm estado em crise financeira, solicitando, em vão, para a resolver, medidas muito semelhantes às que agora são generosamente adoptadas nos EUA e na UE.
Por outro lado, os 700 biliões de dólares de bail-out estão a ser entregues aos bancos sem qualquer restrição e não chegam às famílias que não podem pagar a hipoteca da casa ou o cartão de crédito, que perdem o emprego e estão a congestionar os bancos alimentares e a «sopa dos pobres». No país mais rico do mundo, um dos grandes bancos resgatado, o Glodman Sachs, acaba de declarar no seu relatório que neste ano fiscal pagou apenas 1% de impostos. Entretanto, foi apoiado com dinheiro dos cidadãos que pagam entre 30 e 40% de impostos. À luz disto, os cidadãos de todo o mundo devem saber que a crise financeira não está a ser resolvida para seu benefício e que isso se tornará patente em 2009. Na Europa, os jovens gregos foram os primeiros a dar-se conta. É de prever que não sejam um caso isolado.


Opinião (Visão de 30/12/2008)
Boaventura Sousa Santos

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

CARLOS V A CAVALO EM MULBERGA (TICIANO)


“Prefiro um borrão de Ticiano
a um quadro de outros”
Fidalgo Espanhol



Carlos de Habsburgo nasceu em 24 de Fevereiro de 1500 e faleceu em Cáceres em 21 de Setembro de 1558.
Filho de Joana “A Louca” e de Filipe “O Belo”, era também neto paterno de Maximiliano I de Habsburgo e de Maria da Borgonha e neto materno dos Reis Católicos Fernando II de Aragão e Isabel de Castela.
Conseguiu assim unificar na sua pessoa o conjunto dos territórios de Castela, Aragão, os Países Baixos, o Franco Condado, a Áustria e o Tirol.

Teve como irmãs Catarina de Áustria (da Casa Habsburgo), casada com o rei D. João III de Portugal, e Leonor de Áustria, a qual foi mulher do rei D. Manuel I.

Casou com a infanta Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I, de quem teve descendência ligada ao nosso país.
O seu primogénito, Filipe II de Espanha (Filipe I de Portugal), que reclamou o trono português em consequência da crise de regência provocada pela morte de D. Sebastião, e Joana de Habsburgo, que veio a casar com o infante João de Portugal (quarto filho do rei D. João III e Catarina de Áustria) e que foram os progenitores do rei D. Sebastião.

Com a morte dos avós paternos e maternos, assumiu o governo de um vasto território e de um império em que se dizia que o sol jamais se punha mas tinha respeitar os povos de cada um deles ou, como afirmava um historiador espanhol, “en el sentido de que estaba hecha de un mosaico de diferentes territórios cada uno com su historia, su lengua, sus leyes y sus tradiciones”.
Carlos era rei de todos esses súbditos e, para manter esse vasto território, sabia que tinha que respeitar os direitos e os privilégios de cada território.

Para isso, centralizou a administração e criou um corpo de leis que incentivavam a vida social e industrial, com vista a evitar as tendências nacionalistas, promoveu a agricultura, estabeleceu um sistema policial e uma legislação comercial.
Esta política teve mais sucesso nos Países Baixos do que na Espanha, onde o progresso industrial era mais lento e não existiam tantas reacções de uma nobreza que não apoiava a política externa de Carlos V.

Foi eleito Imperador do Sacro Império Romano Germânico, como Carlos V, em 1519, com a missão de guardar a paz e a justiça na cristandade e defendê-la das pressões do Império Otomano.
Viajou constantemente durante o seu reinado, sem passar muito tempo em Espanha, ficando a decisão dos assuntos deste reino a cargo da esposa Isabel de Portugal. Era qualificado como um homem inteligente e enérgico, com grande vontade de governar, percebendo que existam grandes obstáculos ao controlo do enorme território do império que agora também se expandia para a América Central e do Sul, através das expedições de Hernando Cortez e de Francisco Pizarro.

Carlos V encomendou este retrato a Ticiano, pintor veneziano, para comemorar uma das suas vitórias mais importantes contra a Liga Protestante, na Batalha de Mulberga, em 1547.
O imperador usa ao pescoço o símbolo da Ordem do Tosão de Ouro, uma das maiores ordens da cristandade composta por 24 cavaleiros que juraram aliar-se ao soberano para defender a fé católica, servindo também estes cavaleiros como assembleia consultiva do imperador.

O retrato equestre era novidade na pintura da época, demonstrando o espírito inventivo de Ticiano.
Carlos V cavalga sozinho de encontro ao inimigo, olhando em frente, retratado com armadura cerimonial e montando o cavalo que utilizou na batalha.
Embora seja certo que Carlos V liderou o seu exército nesta batalha, é difícil que tenha adoptado uma postura tão altiva já que, na altura, contava 47 anos de idade e sofria de gota e de asma.

Apesar de tudo, Carlos V foi um estratega militar e um rei-imperador soldado, tal como haviam sido os seus avós maternos na conquista de Granada, sendo um dos últimos em Espanha, já que o seu filho Filipe II fez uma fugaz aparição na batalha de São Quintono e apenas Filipe V e Carlos III, reis da Casa de Bourbon, voltariam a comandar tropas no campo de batalha.

Sob o comando de Carlos V, o exército imperial aperfeiçoou o uso das armas de fogo portáteis e a estruturação dos famosos “Tercios” ou “Terzos”, unidades móveis que actuavam com disciplina colectiva mas davam campo livre a iniciativas individuais e que viriam a ser os percursores das actuais unidades especiais.

Esta pintura equestre da autoria de Ticiano, exibida no Museu do Prado, na cidade de Madrid (
www.museodelprado.es), é considerada uma obra prima da arte de pintar e o próprio Carlos V nomeou o pintor Conde Palatino e Cavaleiro do Galão Dourado, concedendo aos filhos destes o estatuto de nobres do império, circunstância considerada uma honra para os pintores daquela época.

Como chefe da dinastia dos Habsburgos, que governou parte da Europa durante muitos séculos, Carlos V dominou mais território europeu e americano do que qualquer outro governante desde o tempo dos imperadores romanos até Napoleão.
A relação entre o imperador e o pintor Ticiano era particularmente íntima já que a etiqueta social teria imposto algum distanciamento entre o monarca e o pintor mas o respeito mútuo e a admiração que existe entre os dois homens transparece nos retratos.
Diz-se que, em certa ocasião, o imperador apanhou do chão um pincel que Ticiano deixara cair, acto de intimidade sem precedentes num monarca.

Abdicou em 1558, deixando ao seu filho Filipe II o reino de Espanha, as suas colónias, terras na Península Itálica e os Países Baixos, ficando a cargo do irmão Fernando os reinos da Alemanha e da Áustria.
Retirou-se para um mosteiro em Espanha, próximo da cidade de Cáceres, levando consigo os seus quadros de Ticiano, afirmando que atribuía tanto valor a estes como à aquisição de uma nova província.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

POEMA DO MENINO JESUS (ALBERTO CAEIRO)


O Tribunal de Família e Menores do Barreiro deseja a todos os visitantes deste espaço um Feliz Natal e um Ano Novo cheio de paz, alegria e saúde.

Como o Natal é uma época de partilha, partilhamos convosco este poema de Alberto Caeiro que uma amiga também partilhou connosco.
Como é óbvio, a imagem também foi partilhada com outro amigo.

Esperamos que gostem.



Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!


Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -"Se é que ele as criou, do que duvido."
-"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.
"E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

sábado, 20 de dezembro de 2008

A CLÁSSICA ENCRUZILHADA ENTRE OS CAMINHOS DO BEM E DO MAL


Pelos bancos dos réus desfilam aos olhos dos julgadores inúmeros criminosos, das mais diversas idades, estatuto social ou especialização criminosa. Contudo, será um “criminoso-tipo” aquele que nos ocupará neste breve texto: o jovem que, quase sempre movido por uma dinâmica de grupo, pratica crimes de furto e/ou roubo.

Ensina-nos a experiência que muitos dos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 20 anos, e que acabam condenados por este tipo de crimes, estão no ponto de viragem entre a adolescência e a idade adulta, no culminar do processo de consolidação da personalidade. Este é o momento por excelência para tomar decisões de conduta que determinarão o trajecto de vida do indivíduo, a clássica encruzilhada entre os caminhos do bem e do mal.

Quantas vezes o condenado é um menor que aos 16, 17 anos, impulsionado pelas “más-companhias” ou um desvario de rebeldia, empunhou uma navalha e levou de outros como ele o telemóvel, o dinheiro, o i-Pod. Quantas vezes o fez incitado pelos “amigos” cuja afinidade é reduzida e de quem se afastou ao ser apanhado pela polícia, ao provocar a intervenção mais musculada da família. Nessa altura, fazer o menor trilhar os caminhos da legalidade está ao alcance da decisão condenatória, especialmente se a sua execução for seguida pela intervenção criteriosa do serviço de reinserção social e durar o tempo suficiente para o “assustar” e fazer pensar no futuro.

E porque razão se suscita agora esta questão em concreto?

Porque uma das alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei 59/2007, de 04.09 veio colocar grandes entraves a este trabalho e, infelizmente, pouco ou nada se fala/escreve sobre o assunto.

Reporto-me à nova redacção do art.º 50.º/5: “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”; artigo que na versão anterior rezava assim: “O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

A alteração afigura-se incompreensível na prática do dia-a-dia.
Retirou-se ao julgador um poder, o de decidir, dentro de uma moldura, o período de suspensão adaptando-o às exigências concretas do condenado. A limitação do poder do Juiz não tem qualquer virtude. Não “poupa trabalho” nem contribui para a certeza jurídica, porque escolher o período de suspensão nunca foi demorado ou factor de incerteza, mas sim uma óptima ferramenta de garantia da eficácia da pena, de alcance das finalidades da punição.

Um miúdo de 17 anos, mal acompanhado e ainda pouco amadurecido, condenado a um ano e seis meses de prisão justificava, muitas vezes, uma suspensão de três anos, com o devido acompanhamento pela DGRS. Porque assim, até aos 20 anos, com a ameaça de prisão, aquele jovem sentia-se motivado para se afastar dos “amigos” e fazia-se à vida, crescendo, tornando-se adulto. Responsável.

Um ano e meio, em regra, não é suficiente, não é uma ameaça que perdure pelo tempo necessário a motivar o jovem para seguir o caminho da lei até amadurecer para a idade adulta.

A suspensão é, agora, um mecanismo menos eficaz.
As soluções estreitaram-se sem grande discussão, amputando-se o poder do Juiz para escolher a melhor forma de alcançar as finalidades da punição. Deveria, pois, o legislador explicar esta sua opção. E, já agora, explicar, como consegue ampliar o prazo da suspensão (art.º 55.º al. d) do Código Penal) sem exceder o limite (que é um prazo automático) do referido art.º 50.º/5, naquilo que se apresenta como um verdadeiro paradoxo legal.

Rui Coelho
(Juiz de Direito nas Varas Criminais de Lisboa)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL (JURISPRUDÊNCIA)


Numa última mensagem, fizemos referência ao síndrome de alienação parental e aos problemas que tem suscitado nos filhos de pais separados.

Neste momento, são conhecidas duas decisões de tribunais superiores (ambas do Tribunal da Relação de Évora) que abordam particularmente esta questão e que, pelo seu interesse, julgamos dever divulgar.




Convidamos os nossos leitores a dar o seu contributo para esta discussão.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL


Estive ontem presente num debate organizado pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados e pela Acolher - Associação de Apoio à Família e aos Filhos de Pais Separados sobre o Síndrome de Alienação Parental e que decorreu entre as 18 e as 21 horas no Auditório Dr. Ângelo Almeida Ribeiro.

Como oradores, teve a presença da Dra. Maria Gomes Perquilhas, Juíza de Direito no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, e do Professor José Manuel Aguilar Cuenca, psicólogo forense e autor de diversos trabalhos sobre o tema entre os quais o livro já publicado pela Editora Caleidoscópio em Portugal com o título "Síndrome de Alienação Parental - Filhos manipulados por um cônjuge para odiar o outro".

Pode ser difícil de aceitar que um progenitor manipule os filhos com a intenção de os fazer odiar o outro mas, na verdade, trata-se de um fenómeno cada vez mais recorrente nas separações parentais e nos litígios envolvendo a regulação do poder paternal.

Conhecem-se poucas decisões de tribunais portugueses onde a questão tenha sido expressamente abordada (a título de exemplo, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 27/09/2007 relatado pelo Des. Bernardo Domingos) mas aqueles que exercem a sua actividade profissional nos tribunais de família e menores sabem que é uma realidade que vai surgindo cada vez com maior frequência.

Foi extremamente positivo ouvir a experiência espanhola sobre o assunto e as questões que se tem colocado aos juízes, advogados e psicólogos no diagnóstico diferencial que é preciso fazer para apurar se estamos perante este problema que tem causado, um pouco por todo o mundo, sequelas irreversíveis nas crianças e nos jovens que são os destinatários desta alienação parental.

Estão de parabéns as entidades que organizaram esta iniciativa e, particularmente, estão de parabéns todos aqueles que tiveram a oportunidade de ouvir o Professor José Manuel Aguilar Cuenca falar sobre este problema.

Pela pertinência da questão, iremos procurar trazer a este espaço algumas informações relevantes sobre o síndrome de alienação parental, esperando que a sua divulgação contribua para erradicar esta prática nas relações parentais que é susceptível de gerar situações de verdadeiro mau trato sobre o equilíbrio emocional de uma criança ou jovem.

As crianças e jovens necessitam de igual forma do pai e da mãe pois nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe, devendo os progenitores interiorizar estes princípios e valores da harmonia conjugal.

Entendimento diverso configura uma situação perniciosa para o desenvolvimento físico, psiquico e afectivo da criança ou do jovem e é susceptível de criar uma situação de desequilíbrio emocional que se traduza em insegurança, falta de afectividade, rebeldia, consumos aditivos ou mesmo o suicídio.

Esta é uma realidade que não podemos ignorar nem esconder ...

António José Fialho
Juiz de Direito

OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE CAMÕES (COLUMBANO BORDALO PINHEIRO)


No mar, tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno,
Contra um bicho da terra tão pequeno ?
Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas)




Luís Vaz de Camões é considerado o maior e o mais admirado poeta português.

Contudo, por incompreensão dos seus contemporâneos, morreu na miséria, sendo o seu funeral realizado a expensas de um nobre, D. Gonçalves Coutinho, o qual mandou colocar na sepultura o seguinte epitáfio: - “Aqui jaz Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente e assim morreu”.

Os últimos momentos da vida de Camões são também descritos com indignação por um frade carmelita, Frei José Índio, descrevendo-os da seguinte forma: - “que cousa mais lastimosa que ver um tão grande engenho mal logrado. Eu vi-o morrer num hospital de Lisboa sem ter um lençol com que cobrir-se”.

Apesar de alguns historiadores o referirem como oriundo da nobreza e dotado de estudos superiores, morreu pobre, sabendo-se que, em termos de rendimentos, não auferia mais do que a diminuta tença anual que lhe havia sido atribuída pelo rei D. Sebastião em 1572.

Talvez por isso, Columbano Bordalo Pinheiro tenha ficado impressionado pela extrema miséria em que o poeta vive os últimos momentos, reproduzindo esse episódio num quadro datado de 1876 e que pode ser visto Museu Nacional de Arte Contemporânea (
www.museudochiado-ipmuseus.pt/).

Os derradeiros momentos do poeta integram-se na temática camoniana de Columbano, que cativou este pintor e que está presente em diversas outras obras.
Esta obra é talvez uma das primeiras desse imaginário, num trabalho escolar que demonstra a influência de outros mestres.

É uma obra académica, ainda incipiente, hesitante nos parâmetros escolares a que Columbano se sentia obrigado, sendo curioso notar que foi realizada quando o pintor tinha apenas dezasseis anos de idade.

Representa um casebre rústico e desarrumado onde todos os objectos marcam uma disposição cenográfica. A manta que cobre o poeta liga as linhas estruturais do quadro entre o leito de morte, a figura que assiste Camões, em pose vincadamente maneirista, e os livros abandonados.

Apesar dos seus dezasseis anos, Columbano demonstra já a preocupação pelo rigor do desenho, um tratamento em mancha e gradações tonais da parede, com uma pincelada solta nos reflexos brancos da camisa, na sobreposição de pequenos toques.

É uma imagem diferente do “Trinca-Fortes que viveu aventuras e desventuras pelo Norte de África, Moçambique, Goa e Macau e, mais tarde, regressa a Lisboa para publicar a obra que o iria imortalizar para sempre: - “Os Lusíadas”.

Como o próprio Camões profetizou antes de morrer “ … e assim acabarei a vida e verão todos que fui abençoado à minha pátria que não somente contentei de morrer nela mas de morrer com ela”.

Em 1580, por via de uma atitude insensata de um jovem rei, Filipe II de Espanha reclamou o país que conquistou e que pagou.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

PROGRAMA DE ACÇÃO PARA O REFORÇO DA SEGURANÇA DOS TRIBUNAIS


Foi publicada hoje no Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 194/2008 que aprovou o Programa de Acção para o Reforço da Segurança dos Tribunais.

domingo, 14 de dezembro de 2008

PROBLEMAS DOS DIREITOS DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS


Prof. Dr. José de Melo Alexandrino * *

(Comunicação apresentada na sessão comemorativa do 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e realizada no Barreiro no dia 10 de Dezembro de 2008)

SUMÁRIO: 1. Ponto de partida e objectivo. 2. Notas extraídas da noção de direitos fundamentais e de direitos do homem. 3. Uma tese sobre a família como objecto de regulação constitucional. 4. Cinco teses sobre a construção jurídica dos direitos das crianças. 5. Regresso ao ponto de partida.

1. Ponto de partida e objectivo

Comecemos por apresentar três casos, cuja análise telegráfica deixaremos naturalmente para o final.

caso 1. – O caso do rapto da recém-nascida
O primeiro caso que pretendo trazer à nossa reflexão foi divulgado inicialmente em Fevereiro de 2006 e é talvez, de todos, o que mais se aproxima da essência do problema dos direitos do homem: uma criança recém-nascida desapareceu, em Fevereiro de 2006, do Hospital Padre Américo, em Penafiel; a família mora numa aldeia do concelho de Lousada; os pais (então com 44 e 41 anos) são caseiros numa propriedade rural há mais de 15 anos e têm sete filhos; desses sete apenas 3 estão com eles: duas filhas (à época, de 3 e 4 anos) foram-lhes retiradas em 2001 por decisão do Tribunal da Lousada (e vivem a umas centenas de metros da casa dos pais), a mais velha vive com os avós e a mais nova acabara de ser raptada
[1].

caso 2. – O caso da seita poligâmica
No final de Março de 2008, na sequência de uma denúncia telefónica e das buscas realizadas pelas autoridades policiais do estado norte-americano do Texas, uma juíza emite uma ordem judicial de retirada de 416 crianças (ordenando ainda a realização de testes de ADN a todas elas, por forma a determinar os respectivos pais biológicos) de um Rancho (YFZ – Yearning For Zion) ligado a uma seita mórmon (Fundamentalist Church of Jesus Christ of Latter-day Saints); em 4 de Junho de 2008, depois da decisão da última instância, todas as crianças tinham sido devolvidas ao Rancho YFZ
[2].

caso 3. – O caso da recusa de transplante
Um terceiro caso foi trazido a público em Novembro de 2008
[3]: uma jovem britânica de 13 anos, Hannah Jones, sofrendo de uma rara forma de leucemia, parece ter conseguido impor ao tribunal e à Comissão de Protecção de Menores competente a decisão de recusar um transplante cardíaco que lhe prolongaria a vida, preferindo “morrer com dignidade” em casa, rodeada pela família[4].

Constitui objectivo desta nossa reflexão tentar encontrar linhas de resposta às seguintes interrogações: 1.ª) terá a família algo a lucrar com o facto de ser directamente protegida pelas normas constitucionais? 2.ª) Ainda que as crianças se mostrem particularmente carecidas de protecção, deverá essa protecção ser feita preferencialmente sob a forma da atribuição de direitos (sejam eles direitos humanos, direitos fundamentais ou outros)? 3.ª) A garantia dos direitos das crianças não dependerá sobretudo da análise cuidada dos problemas
[5] e de modo muito especial do bom funcionamento dos mecanismos do Estado de Direito democrático[6]?

2. Notas extraídas da noção de direitos fundamentais e de direitos do homem

Antes de avançar com uma noção elementar de direitos fundamentais, três ideias a reter são estas: (1.ª) os direitos fundamentais visam proteger bens e interesses básicos das pessoas (relativos às esferas da existência, da autonomia e do poder, em função da experiência de situações históricas de perigo); (2.ª) os direitos fundamentais protegem as pessoas, antes de mais, na sua relação com o Estado (ou os poderes públicos em geral)
[7]; (3.ª) normalmente, essa protecção traduz-se no impedimento de ingerências do Estado, mas não está excluído que essa protecção se possa também traduzir em outros vínculos, designadamente em deveres de protecção e em acções positivas do Estado[8].

2.1. Um direito fundamental pode pois definir-se como uma situação jurídica das pessoas perante os poderes públicos consagrada na Constituição
[9]. E essas situações jurídicas são revestidas de certas características, na medida em que os direitos fundamentais são necessariamente situações jurídicas fundamentais, universais, permanentes, pessoais, não-patrimoniais e indisponíveis[10].
Ora, diversas são as consequências imediatamente derivadas do facto de os direitos fundamentais serem situações jurídicas positivadas na Constituição (da positividade dos direitos fundamentais): (i) em primeiro lugar, os direitos deixam de ser meras proclamações morais ou políticas, para se converterem em realidades jurídicas; (ii) em segundo lugar, colocados nesse patamar superior, os direitos fundamentais apresentam-se agora como garantias jurídicas contra o legislador (são trunfos contra ele)
[11]; (iii) os direitos fundamentais vinculam directamente todos os poderes públicos, constituindo parâmetro material das decisões dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais; (iv) por tudo isso, os direitos fundamentais passam, automaticamente, a dispor de um conjunto de mecanismos de tutela[12].
Numa primeira aproximação, as crianças têm plena titularidade, e em princípio também capacidade
[13], de direitos fundamentais; já quanto às famílias, não se pode dizer normal a titularidade de direitos fundamentais pela família (seja do ponto de vista lógico, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista axiológico) e é duvidoso que seja conveniente (v. infra, n.º 3).

2.2. Por seu lado, direitos do homem são as situações jurídicas que, valendo para todos os povos e sendo comuns a todos os homens, resultam da natureza ou da condição do homem e que o Direito internacional reconhece
[14] (sobretudo a partir do marco constituído pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948).
Os direitos do homem não se diferenciam dos direitos fundamentais (1.º) nem pelo exclusivo da referência a valores éticos superiores (uma vez que, por regra, também os direitos fundamentais estão, e em termos variáveis como aqueles, referidos a esses valores), (2.º) nem pela fundamentalidade (que também neles pode apresentar distintos graus), (3.º) nem pela finalidade (ambos visam defender e promover a dignidade, a autonomia e o poder das pessoas concretas)
[15].
Como tenho defendido
[16], o que distingue uns e outros são antes os traços seguintes: (i) os direitos do homem podem ser direitos puramente morais, ao passo que os direitos fundamentais são sempre direitos jurídicos; (ii) os direitos do homem não estão necessariamente positivados, ao passo que os direitos fundamentais são direitos previstos na Constituição (podendo estes conceber-se ainda como resultado do processo jurídico de institucionalização daqueles); (iii) os direitos do homem apresentam uma pretensão de vinculatividade universal (eles podem obrigar todos os sujeitos, públicos e privados, todos os ordenamentos e em todos os tempos), ao passo que os direitos fundamentais vinculam sobretudo o Estado (os poderes públicos), no âmbito de uma ordem jurídica concreta, situada no espaço e no tempo; (iv) os direitos do homem são, em regra, direitos abstractos, ao passo que os direitos fundamentais incorporam tradicionalmente garantias jurídicas concretas e delimitadas (fenómeno particularmente visível no constitucionalismo português), imediatamente accionáveis pelos interessados; (v) nada impede, por último, que os direitos do homem possam, em certos casos e para certos efeitos, ser concebidos como fins ou como programas morais de reforma ou de acção política (daí precisamente a emergência do processo da sua internacionalização, na segunda metade do século XX), ao passo que os direitos fundamentais postulam sempre de determinados mecanismos de garantia jurisdicional[17].

2.3. Ora, se nada obsta a que os direitos do homem sejam concebidos como valores – foi nessa veste que aliás permaneceram até à emergência da Declaração Universal dos Direitos do Homem e é apenas nessas vestes que em boa medida valem em muitos países –, o mesmo não pode ser afirmado dos direitos fundamentais, pois estes não são nem podem, em geral, ser tomados como valores, por quatro razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque não foi esse o sentido da evolução histórica que conduziu à positivação dos direitos fundamentais – o processo foi o inverso: da validade moral, para a validade jurídica; em segundo lugar, porque a isso também se opõe o princípio da separação de poderes (dimensão nuclear do Estado de Direito); em terceiro lugar, na referência a valores, o que é positivado é o vínculo
[18], havendo então a esclarecer qual a função que pertence ao valor; por fim, os direitos fundamentais, na Constituição, são o oposto do valor: são barreiras (ou seja, garantias jurídicas concretas e especificadas) contra um discurso centrado em valores[19].
Daqui resulta uma tripla constatação: em Estado constitucional, salvo desvios grosseiros (como talvez parece suceder no caso 1), não é aos direitos humanos das crianças que os aplicadores jurídicos se devem normalmente referir, mas sim aos direitos fundamentais das crianças (e à concretização que a essa tutela tenha sido dada pelo ordenamento infra-constitucional); a segunda constatação é a de que a nossa atenção nunca pode deixar de ser dirigida ao funcionamento dos mecanismos do Estado de Direito
[20]; a terceira é a de que as normas de direitos humanos da criança têm sobretudo uma função de orientação (uma aplicação e um óbvio paralelo do artigo 16.º, n.º 2, da Constituição[21]).

3. Uma tese sobre a família como objecto de regulação constitucional

Afirmei recentemente a minha adesão às seguintes três ideias centrais: «[a] de que são funções da família (entendida esta com “um sistema nuclear relativamente autónomo baseado na íntima afeição pessoal”) a consolidação na criança de uma personalidade capaz de socializar e a serenidade dos componentes da família, obtida inteiramente no círculo familiar; (2.ª) consequentemente, a de que os bens e interesses que concernem à família (intimidade, segurança, autonomia, afectos, etc.) devem, prima facie, ser protegidos da intromissão de terceiros, a começar pelo Estado; (3.ª) finalmente a de que valem por isso inteiramente aqui as ideias básicas de liberdade, mas também de subsidiariedade (ou seja, de que deve estar vedado à esfera dos poderes públicos aquilo que é mais adequadamente prosseguido pelos indivíduos, pela família e pelos grupos sociais)»
[22].
Para poupar no nosso tempo, pretendo dizer com isto: (i) que a família
[23] é uma esfera própria, um reduto fundamental (de realização de interesses existenciais básicos do ser humano e da afirmação e construção dos valores) a preservar na medida do possível da intromissão do Estado – mesmo quando essa intromissão se faça através da concessão de direitos, que podem ser políticos (como na Constituição de 1933), sociais (como na Constituição de 1976) ou puramente prestacionais[24]; (ii) que toda a intervenção pública na família, a menos que seja postulada pelas exigências inafastáveis do Direito (em especial para a defesa dos bens e interesses primários de algum dos respectivos membros), é em princípio de natureza autoritária; (iii) que a família, por ser o grupo natural mais próximo da pessoa individualmente considerada, constitui um núcleo social mais do que protegida pela liberdade de associação – está protegido pelo feixe de direitos e pretensões de cada um dos membros que o constituem e pelos efeitos de protecção que decorrem do toda a estrutura do Estado de Direito, necessariamente ao serviço dessa esfera do mundo da vida.
Nesse sentido, normas ou dimensões normativas como as que decorrem do preceituado nos artigos 1676.º, n.º 2, ou 1906.º, n.º 1, do Código Civil ou do artigo 250.º, n.º 1, do Código Penal, a menos que aplicadas e interpretadas em conformidade com a Constituição, representam exemplos de intromissões autoritárias, e aliás disfuncionais
[25], no seio da estrutura familiar[26].
Na verdade, a questão constitucional da família reside sim na necessidade de ela ser protegida face à politização, devendo obstar-se a que a mesma se transforme, como transformou entre nós e um pouco por toda a Europa continental, num ponto do programa político dos partidos (Niklas Luhmann)
[27].

4. Cinco teses sobre a construção jurídica dos direitos das crianças

Num dia como o de hoje, penso que se justifica retomar aqui, deixando agora de lado dimensões dogmáticas mais austeras da construção dos direitos das crianças
[28], algumas das principais linhas de pensamento expendidas numa reflexão recentemente feita sobre os direitos das crianças, onde comecei por lembrar a juventude da ideia de as crianças serem titulares de direitos.

4.1. Partindo da observação de múltiplos domínios do Direito objectivo (ou seja, do facto de, em centenas de disposições e em mais de três dezenas de mecanismos de protecção referidos às crianças, a protecção através da atribuição de direitos acontecer em menos de 20% dos casos), uma primeira tese aí defendida foi a de que a protecção das crianças através de direitos tem um carácter excepcional, constituindo regra geral a protecção feita através dos pais ou através da imposição de deveres, da criação de serviços e da instituição de mecanismos vários de organização e procedimento
[29].

4.2. Uma segunda tese partiu da observação (executada em diversos planos) do quadro de direitos da criança previsto na Lei Tutelar Educativa
[30], modelo que, uma vez articulado com as demais esferas dos direitos das crianças, permitiu traçar as seguintes seis linhas orientadoras:

a) A regra geral básica de partida é a de que o menor é titular de todos os direitos (salvo aqueles cuja fruição ou exercício seja comprovadamente incompatível com a sua situação);
(b) Constituem, em segundo lugar, bens e interesses prioritários da criança a vida, a sobrevivência, a integridade (física e psíquica) e a liberdade (tanto no sentido do desenvolvimento da personalidade, como no da liberdade física e da liberdade ideológica);
(c) Em terceiro lugar, embora a criança goze, em princípio, de todos os direitos de todas as esferas
[31], pela natureza das coisas, os seus direitos estão directamente limitados[32] pelo complexo de direitos, deveres, poderes e interesses inerentes à responsabilidade parental ou, em alternativa, pelos poderes funcionais atribuídos pelo ordenamento às pessoas, serviços ou instituições a que a criança tenha de ser confiada (significando esses limites directos uma correspondente redução dos efeitos de protecção das normas de direitos da criança);
(d) Em quarto lugar, deve entender-se que, na esfera da família
[33], cabe primariamente aos pais a protecção dos direitos da criança, ao passo que, fora da família, cabe primariamente ao Estado o mandato de promover a protecção especial da criança;
(e) Em quinto lugar, não deve caber dúvida de que as crianças são titulares de direitos fundamentais (contra o Estado e as demais entidades públicas), do mesmo modo que são titulares dos direitos de personalidade (contra outros sujeitos privados) e de direitos humanos (contra a generalidade dos sujeitos públicos e privados, no plano interno e no plano internacional);
(f) Por último, fora dos casos excepcionais de privação da liberdade ou dos direitos cujo exercício requeira a maioridade, a medida do exercício de direitos fundamentais por menores apenas pode ser afectada (1) quando, em abstracto, essa afectação possa ser compreendida e justificada à luz de estritas exigências derivadas da respectiva capacidade natural ou dos poderes de conformação das leis gerais ou ainda (2) quando, em abstracto ou em concreto, essa afectação possa ser compreendida e justificada no âmbito do exercício legítimo do poder paternal (ou da autoridade institucional substitutiva)
[34].

4.3. Numa terceira tese, foi assinalada a marcada heterogeneidade dos direitos das crianças, quer sob o prisma da origem dos enunciados (que podem estar previstos em ‘fontes’ internacionais ou internas e, neste segundo caso, na Constituição, na lei ordinária ou em enunciados infra-legais)
[35], quer sob o prisma da natureza dos direitos (que, em múltiplos casos, não ultrapassam a esfera da protecção de interesses, noutros constituem mandatos de protecção de natureza híbrida e raramente constituem direitos subjectivos)[36], quer sob o prisma do carácter dos direitos (havendo proclamações morais de direitos, direitos do homem, direitos fundamentais, direitos legais, direitos infra-legais), quer quanto à estrutura desses direitos, quer quanto ao respectivo regime (sendo mais forte o regime aplicável aos direitos subjectivos previstos na Constituição, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na lei e mais débil o aplicável à generalidade dos direitos do homem e aos direitos fundamentais sociais)[37].

4.4. Uma quarta ideia assinala a presença de pelo menos três grandes entidades em cada uma das distintas esferas do Direito dos direitos das crianças: a dignidade da pessoa humana, a autonomia e o desenvolvimento da personalidade. Na impossibilidade de aqui desenvolver a ideia, permitam-me apenas dizer – o que aliás faço pela primeira vez – que, tal como a entendo, a dignidade da pessoa humana está para a comunidade nacional como a Declaração Universal dos Direitos do Homem
[38] está para a Humanidade: cada uma na sua esfera, ambas constituem a referência última da representação do eminente valor do ser humano[39].

4.5. Finalmente, uma tese sobre o aparentemente tormentoso princípio do “interesse superior da criança”. Nessa matéria, depois de ter reconhecido que o ordenamento português o configura adequadamente (essencialmente nas vestes de critério orientador na resolução de casos concretos)
[40] e de ter procurado esclarecer o que o “interesse superior da criança” não é (não é um direito fundamental, não é um direito do homem, não é um bem fundamental, não é um interesse público, não é uma condição do exercício do poder paternal ou tão-pouco uma realidade equivalente a “interesses da criança”), concluí da seguinte maneira: «[o interesse superior da criança é,] em primeiro lugar, uma norma de competência (ou seja, uma norma que estabelece uma habilitação para criar normas ou decisões), ora a favor do legislador (na configuração a dar ao ordenamento), ora a favor do juiz e da administração tutelar (na construção das normas de decisão dos casos concretos); em segundo lugar, uma norma impositiva, que ordena ao juiz e à administração (e até aos pais) que, na tomada de uma decisão que respeite ao menor, não deixem nunca de recorrer (mas sempre dentro dos limites do Direito aplicável e das circunstâncias do caso) à ponderação do(s) interesse(s) superior(es) do menor – ou seja, do(s) interesse(s) conexo(s) com os bens prioritários da criança (a vida, a integridade, a liberdade), no contexto dos bens e interesses relevantes no caso. Ainda assim, apenas como um critério suplementar a atender na construção da norma de decisão»[41].

5. Regresso ao ponto de partida

Em jeito de conclusão final, voltemos aos nossos casos iniciais.

Caso 1
No caso da família da Lousada, quase tudo nos interpela: a pobreza insuportável da família numerosa, onde apesar de tudo ambos os progenitores trabalham; as crianças retiradas aos três e quatro anos de idade, contra a vontade dos pais, dos irmãos e certamente das próprias crianças; a falta de condições de saúde e de habitabilidade em que todos viviam; não ter sido garantido a esta família, justamente a ela, que mais um filho não lhe fosse retirado violentamente; ter sido imposta a esta família uma espécie de regime de apresentação periódica (no caso, das técnicas da câmara municipal que compareciam semanalmente no espaço do lar); de nunca, que se saiba, ter sido gizada pelas instituições do Estado uma solução que permitisse uma protecção global e mais efectiva dos interesses verdadeiramente fundamentais de todas aquelas 9 pessoas – poderia aí justamente perguntar-se pelo cumprimento dado a múltiplas disposições da Convenção dos Direitos das Crianças
[42].

Caso 2
No caso da seita poligâmica, como exemplo e como lição quanto a todos os aspectos que pretendi salientar (até pelo fácil confronto com outros casos, não menos conhecidos), basta-me referir a sequência do caso, desde o momento em que surgiu a denúncia anónima (29 de Março de 2008), até ao seu encerramento:

– Levada a denúncia ao conhecimento do tribunal (no dia seguinte, 30 de Março de 2008), as autoridades de polícia promovem uma série de buscas no Rancho YFZ;
– Em 6 de Abril, 60 membros da comunidade mórmon imploram, de joelhos, às autoridades que não entrem no interior do templo;
– Em 7 de Abril de 2008, é preso o líder da Seita;
– Em 9 de Abril de 2008, os advogados da Seita, mas também diversas organizações de direitos e liberdades, invocam a violação da liberdade religiosa e do direito à privacidade;
– Em 18 de Abril de 2008, depois de dois dias de audições, a juíza Barbara Walther ordena que as 416 crianças já retiradas do Rancho YFZ fiquem sob a custódia do estado do Texas e sejam submetidas a testes de ADN;
– Em 22 de Maio de 2008, o Texas Appeals Court revoga a decisão da 1.ª instância, decidindo que o estado não deveria ter retirado as crianças, dado não se ter provado que estivessem sob “perigo iminente”, dando 10 dias ao tribunal recorrido para reformar a decisão de colocar as crianças sob custódia do estado;
– Em 25 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal do Texas (por seis votos contra três) confirmou a decisão da 2.ª instância, tentando ainda indicar alguns critérios sobre a forma como as crianças deveriam ser devolvidas às respectivas famílias;
– Em 2 de Junho de 2006, a juíza Barbara Walther ordena ao Departamento da Família e Serviços de Protecção que permita aos pais virem buscar as crianças, processo que fica concluído no dia 4 de Junho de 2008;
– Apenas se acrescenta que, na data em que as crianças foram efectivamente retiradas, 133 mulheres deixaram voluntariamente as instalações do Rancho YFZ, juntando-se às crianças numa casa de acolhimento em San Angelo; as crianças foram também distribuídas por uma série de quintas e outros espaços, seguindo requisitos especiais de estadia e acompanhamento (na sequência dos pareceres e indicações prestados nomeadamente por psiquiatras e por estudiosos da organização religiosa em causa).

Caso 3
O caso da recusa do transplante pela jovem Hannah Jones é particularmente exemplar para aferir o sentido do critério do interesse superior da criança, nomeadamente pelo facto de estarem aí envolvidos bens e interesses tão essenciais como a liberdade individual, a vida, a dignidade, a saúde ou o de não se ser submetido a tratamentos médicos ou o de morrer com dignidade.
Sem com isso pretender naturalmente encerrar o horizonte do problema, três ideias me parecem claras: 1.º) a imposição do transplante, contra a vontade e a forma como a criança entende a sua dignidade, traduziria, ela sim, uma ofensa insustentável à sua liberdade e autonomia (já para não referir à própria integridade física); 2.º) no plano dos direitos básicos da pessoa (que é, como defendemos, o plano do interesse superior da criança), o caso parece apontar para o carácter absolutamente primário da liberdade; 3.º) é relativamente evidente o lugar periférico da protecção da saúde, de onde parece resultar que nunca os interesses da saúde, nem neste caso nem à partida, poderiam ser tidos como parâmetro decisivo
[43].
* Paper provisório da palestra proferida, em 10 de Dezembro de 2008, na Conferência (organizada pelo Tribunal de Família e Menores do Barreiro e pela Delegação da Ordem dos Advogados do Barreiro) comemorativa do 60.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.


** Professor da Faculdade de Direito de Lisboa.

[1] Jornal Público, «Destaque» [reportagem de Nuno Amaral], de 21 de Fevereiro de 2006, p. 3.
A criança veio a ser encontrada em Março de 2007, tendo sido posteriormente devolvida aos pais (Semanário Sol, de 19 de Maio de 2007, p. 26)
[2] Com indicações, http://wwwwakeupamericans-spree.blogspot.com/2008/04/judge-orders-flds-children-to-stay-in.html (08.12.2008).
[3] Caso trazido a público (http://www.news.com.au/dailytelegraph/story/0,22049,24639223-5006003,00.html), entre outros, pelo The Daily Telegraph.
[4] Sofia Cerqueira, in Público, de 12 de Novembro de 2008, p. 17.
[5] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I – Parte geral, tomo III – Pessoas, exercício jurídico, 2.ª pré-edição, Coimbra, 2002, p. 27.
[6] Sobre o sentido e âmbito do princípio, Jorge Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, p. 32 ss., 43 ss.; Maria Lúcia Amaral, A Forma da República – Uma introdução ao estudo do direito constitucional, Coimbra, 2005, p. 139 ss.; José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição portuguesa, vol. II – A construção dogmática, Coimbra, 2006, p. 282 ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 4.ª ed., Coimbra, 2008, p. 226 ss.
[7] Com renovado acento, J. Miranda, Manual..., IV, p. 302.
[8] José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais – Introdução geral, Estoril, 2007, p. 21.
[9] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 22.
[10] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 22 s.
[11] Por todos, Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais – Trunfos contra a maioria, Coimbra, 2006.
[12] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 20, nota.
[13] Por último, com interesse, Rosa Martins, Menoridade, (In)capacidade e Cuidado Parental, Coimbra, 2008, p. 45 ss., 56 ss., 109 ss.
[14] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 33
[15] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 34.
[16] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 34 s.
[17] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 36.
[18] Por último, José de Melo Alexandrino, «Perfil constitucional da dignidade da pessoa humana: um esboço traçado a partir da variedade de concepções», in AAVV, Estudos em honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. I, Coimbra, 2008, p. 507 [481-511].
[19] Sobre algumas dessas implicações, Walter Leisner, Der Abwägunsstaat – Verhältnismäβigkeit als Gerechtigkeit?, Berlin, 1997, p. 170 ss., 225 ss., 232 ss.
[20] Sobre a necessidade desta articulação entre o Estado de direitos fundamentais e o Estado de direitos humanos, Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, vol. I, Coimbra, 2007, p. 541.
[21] Sobre a função desta cláusula, nos planos doutrinário e jurisprudencial, por último, M. Alexandrino, A estruturação do sistema..., II, p. 328 ss., 572 s.; id., Direitos Fundamentais..., p. 56 ss.
[22] José de Melo Alexandrino, «Os direitos das crianças: linhas para uma construção unitária», in ROA, ano 68 (2008), I, p. 280 [275-309].
[23] Naturalmente, a família é hoje um conceito juridicamente aberto, logo a partir do quadro constitucional (ainda hesitante, Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Lisboa, 2008, p. 100 s.; mais decididos, J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, p. 561, 856 s.).
[24] Como pode ser dado o exemplo da interferência associada à entrega generalizada de computadores às crianças de apenas 6 ou 7 anos de idade, na escola pública.
[25] Temos nessa medida por justificados dois dos principais argumentos expressos pelo Presidente da República no veto ao decreto n.º 232/X da Assembleia da República e na mensagem que acompanhou a promulgação da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro [para consulta do teor dessas duas mensagens, http://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=19017 e http://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=21401 (08.12.2008)].
Em concreto, sobre a inviabilidade da solução da guarda conjunta agora consagrada no artigo 1906.º, n.º 1, do Código Civil, cfr. Carlos Pamplona Corte-Real / José Silva Pereira, Direito da Família – Tópicos para uma reflexão crítica, Lisboa, 2008, p. 103 s.
[26] Tome-se na devida conta o número de vezes que, por dia, por semana ou por mês, os principais líderes políticos portugueses, a começar naturalmente pelos do partido governamental, invocam a defesa da família para justificar as mais variadas decisões ou estratégias de acção – trata-se de simples e ilegítima instrumentalização da família (cfr. Niklas Luhmann, Grundrechte als Institution – Ein Beitrag zur politischen Soziologie, 4.ª ed., Berlin, 1999, p. 105).
[27] N. Luhmann, Grundrechte als Institution..., p. 106.
[28] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 300-306.
[29] Exemplo máximo é constituído pela Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), que, em 261 preceitos, apenas em cinco deles enuncia direitos.
[30] Aprovada pela Lei n.º 169/99, de 14 de Setembro.
[31] Um catálogo de direitos especialmente relevantes seria constituído, entre outros, pelo direito ao mínimo de bem-estar, o direito a ser amado, o direito ao desenvolvimento da personalidade, o direito a ser ouvido (apontando, moralmente, neste sentido, David William Archard, Children, Family and The State, Aldershot, 2003, p. 29 s., 30, 31 ss., 38).
[32] Sobre o conceito de limite directo, M. Alexandrino, A estruturação do sistema..., II, p. 468 ss.; id., Direitos Fundamentais..., p. 113.
[33] Entendida como a família-que-existe (e não a família-que-não-existe), no pressuposto de que se trate de família viável (ou seja, que pode cumprir a sua função essencial).
[34] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 288-290 (notas omitidas).
[35] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 293.
[36] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 293 s.
[37] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 294.
[38] M. Alexandrino, Direitos Fundamentais..., p. 9 ss., 34 ss.
[39] Por último, com amplas indicações, M. Alexandrino, «Perfil constitucional da dignidade...», p. 506 ss.
[40] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 307.
[41] M. Alexandrino, «Os direitos das crianças...», p. 309.
[42] Designadamente, os seus artigos 6.º, n.º 2, 8.º, n.º 1, 9.º, n.º 1, 10.º, 16.º, 19.º, n.º 2, 24.º, n.º 1, ou 27.º, n.º 1.
[43] Censurando justamente a indevida sobreposição de planos entre a integridade física e a saúde, vejam-se as declarações de voto das Conselheiras Maria Lúcia Amaral e Maria João Antunes, no recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 423/2008 (in Diário da República, 1.ª série, de 17 de Setembro de 2008, p. 6745-6760).

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

JURISPRUDÊNCIA UNIFORMIZADA (SECÇÃO CRIMINAL)


Foi hoje publicado no Diário da República o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008 com o seguinte sumário:

Nos termos do artigo 328.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a trinta dias implica a perda da eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma.

O link para esta decisão é a seguinte: -

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

LAVOISIER E A SUA ESPOSA (JACQUES LOUIS DAVID)


“Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”
Antoine-Laurent de Lavoisier




Antoine-Laurent de Lavoisier nasceu em Paris em 26 de Agosto de 1743 e foi executado nesta mesma cidade em 8 de Maio de 1794.

É considerado o criador da Química moderna, tendo sido o primeiro cientista a enunciar o princípio da conservação da matéria, a dar nome ao oxigénio e participou ainda na reforma da nomenclatura química.

Era oriundo de uma família nobre francesa e formou-se em Direito mas nunca chegou a exercer a advocacia uma vez que o seu interesse era pelas ciências, sendo o primeiro a descobrir que a água é uma substância composta, formada por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio.

Em 16 de Dezembro de 1771, casa com uma jovem aristocrata, de nome Marie-Anne Pierrette Paulze, a qual viria a tornar-se sua colaboradora não apenas pelo seu domínio de diversas línguas (em particular o inglês e o latim) mas também pela sua capacidade de ilustradora.

Foi também a responsável pela tradução, para francês, de várias obras científicas escritas em inglês ou em latim e ilustrou algumas das experiências mais significativas feitas pelo marido.

Assim, é inteiramente justo que seja também uma das personagens do quadro pintado em 1788 por Jacques-Louis David e que se encontra agora exposto no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque (
www.metmuseum.org).

O motivo para que o quadro de David esteja em Nova Iorque resulta da aquisição pelo milionário norte-americano John D. Rockefeller em 1927 e, posteriormente, pela venda realizada pela Fundação Rockefeller ao Metropolitan Museum of Art.

Lavoisier viveu em plena Revolução Francesa e viria a ser executado com base na sua participação na Fermé Général, o sistema de impostos a que havia aderido em 1768 mas que não era muito popular entre o povo após o período de 1789-1793.
Não obstante Lavoisier se ter retirado deste sistema, a sua ligação foi utilizada como fundamento para a condenação à morte.

Após a sua morte, na guilhotina, Joseph-Louis de Lagrange, matemático contemporâneo de Lavoisier afirmou que “não bastará um século para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo”.

Lavoisier foi membro da Academia das Ciências tendo participado conjuntamente com outros membros na investigação de novas teorias e fenómenos científicos, tais como Jean D’Arcet, Joseph-Inace Gillotin (por curiosidade o inventor da guilhotina que viria a ser o instrumento da execução de Lavoisier), Jean Borie, Benjamin Franklin, entre outros, em particular no estudo da teoria de Franz Mesmer a propósito do fluxo magnético animal.

Embora tenha dado o nome ao oxigénio, este já havia sido descoberto anteriormente em 1772 e 1774, embora o contributo de Lavoisier tenha sido a compreensão das características daquele, em particular na combustação e na calcificação, atribuindo-lhe o nome grego que significa “produtor de ácidos” ao considerar (erradamente) que todas as substâncias originadas de uma calcificação originavam ácidos em que o oxigénio se encontrava presente.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

MATRIARCADO SEM FAMÍLIA


Vivemos, felizmente, numa sociedade de direitos.
Daqui se resvala, no entanto, para o direito à felicidade. Para homens e mulheres que tudo podem ser, fazer, ter. Sem limites. Border ... line.

Mais um resvalo e estamos na ditadura da felicidade. Aqui, os homens e as mulheres tudo devem ser: havendo alguma falha nos múltiplos papéis desempenhados, nalguma das casas do horóscopo de cada um, é como se fossem nada. Nesta sociedade, o sofrimento já não tem lugar, utilidade ou sentido.

Em consequência, os poderes públicos assumem um papel cada vez mais maternal.
É esperado que consolem, mostrem compaixão. Que todos os riscos previnam (normalmente através de asfixiante legislação). Que tudo providenciem. E ouçam as queixas, senão o queixume.
E o Tribunal, o juiz, não escapa.
Especialmente, o juiz de família. Espera-se deste que devolva ao indivíduo a sua fatia de felicidade doméstica, recolhendo de volta a dor sentida.
E a imagem da juíza de família incorpora estas expectativas ainda melhor.

Resta saber qual a lonjura do passo que vai da maternidade à tutela. É que a providência paga-se com a infantilização.
E aí, já não haverá Tribunais de Família, só Tribunais de Menores.

Raquel Prata

(Juíza)

sábado, 6 de dezembro de 2008

INTERVENÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE NO DOMÍNIO DOS MAUS TRATOS EM CRIANÇAS E JOVENS


Foi publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 236 de 5 de Dezembro de 2008 (pgs. 49207-49231) o Despacho n.º 31292/2008 do Ministério da Saúde sobre a intervenção dos profissionais de saúde no domínio dos maus tratos em crianças e jovens.

O documento "Maus tratos em crianças e jovens - intervenção da saúde", publicado em anexo a esse despacho e também disponível no site da Direcção-Geral de Saúde (http://www.dgs.pt/) contém um conjunto significativo de orientações e conceitos relacionados com os maus tratos a crianças ou jovens, o risco e o perigo, os factores de risco e de protecção e o nível de intervenção das diversas entidadedes nesta área.


É um documento que reveste interesse para todos aqueles que exercem a sua actividade profissional no domínio da promoção e protecção dos direitos das crianças e jovens ou que apenas se preocupam com o tema e que julgamos dever ser divulgado também neste espaço.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

WASHINGTON ATRAVESSANDO O RIO DELAWARE (EMANUEL LEUTZE)


George Washington foi o primeiro na guerra, o primeiro na paz
e o primeiro no coração dos seus concidadãos”



George Washington nasceu em Pope’s Creek, no condado de Westmoreland, Estado da Virgínia, em 22 de Fevereiro de 1732, oriundo de uma família tradicional de agricultores abastados.

Militar e político, foi o 1.º Presidente dos Estados Unidos da América e considerado o seu Fundador.
Começou a sua carreira militar ao serviço dos ingleses, os quais dominavam as colónias americanas, tendo deixado o exército em 1758 com o posto de coronel, casando com Martha Dandridge Custis.

Iniciou a sua actividade política na assembleia do Estado de Virgínia, apoiando os protestos e resistências contra o agravamento das tributações impostas e a falta de liberdade.
Em 1774, foi um dos representantes da Virgínia no Primeiro Congresso Continental de Filadélfia, o qual se reuniu para discutir as medidas a tomar contra a potência colonizadora.

Com o início da Guerra da Independência (1775-1783), foi nomeado por John Adams comandante-em-chefe de todos os exércitos continentais.
Uma das mais notáveis realizações militares de George Washington foi a corajosa travessia do Rio Delaware para combater as tropas inglesas em Trenton, no dia de Natal de 1776, sendo esse o tema do quadro pintado por Emanuel Leutze em 1851.

O quadro representa a imagem destacada pela luz de fundo de George Washington, de pé, com o olhar fixo na margem que pretende atingir, sendo acompanhado pelo então Coronel James Monroe (que viria a ser o 5.º Presidente do Estados Unidos da América), envergando a bandeira que serve de referência para os militares que os deverão seguir.

Numa outra perspectiva, surge a imagem dos tripulantes do barco, preocupados em afastar o gelo que cobria o Rio Delaware e procurando evitar que este possa prejudicar o trajecto que seguem.

O quadro “Washington atravessando o Delaware” pode ser visto no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque (
www.metmuseum.org).

Em 4 de Fevereiro de 1789, Washington foi eleito por unanimidade para a presidência da União, derrotando John Adams mas, mais tarde, recusou a reeleição para um terceiro mandato “para não dar mau exemplo”, introduzindo uma regra que viria a ser utilizada até aos nossos dias e que impede um terceiro mandato presidencial.

Após o discurso de despedida em 19 de Setembro de 1796, retirou-se definitivamente da vida pública em 3 de Março de 1797, para a propriedade de Mount Vernon, onde viria a falecer em 14 de Dezembro de 1799.