segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A LEI ... DIVORCIADA DA SOCIEDADE


A Lei n.º 61/08, de 31/10, que altera os regimes do divórcio e do poder paternal, não teve em conta a realidade social, económica e cultural do país que somos e dos cidadãos que temos. É em muitos aspectos uma lei divorciada da sociedade, que vai gerar situações injustas».
É importante pois perceber-se que a realização da justiça não depende apenas dos tribunais e dos juízes. Começa desde logo pela elaboração de boas leis, destinadas a regular os conflitos sociais, com ponderação dos diversos interesses em conflito e não pela elaboração de leis com o fim de "criar um homem novo" ou de o "modernizar".A realidade social é a de que os casais estão cada vez menos disponíveis para manter o casamento quando a relação afectiva se quebrou. Compreende-se pois a diminuição para um ano, da separação de facto, da ausência e da alteração das faculdades mentais. É alteração facilitadora da resolução dos conflitos sociais.Estando demonstrado que em estratos sociais menos favorecidos e mais idosos e no interior do país a relação entre homem e mulher não é de efectiva igualdade, estabelecer um regime do divórcio partindo do pressuposto dessa igualdade é legislar sobre uma ficção. Que vai ter resultados muito injustos para o cônjuge vítima de violência doméstica (regra geral as mulheres).Os mesmos resultados vai sofrer o cônjuge (na maioria dos casos a mulher) que, tendo consagrado às vezes quase uma vida à relação matrimonial, se pode ver de um momento para o outro no limite da sobrevivência. É também uma realidade que os adultos, após uma separação ou divórcio, utilizam frequentemente os filhos para continuarem a atingir-se. Não se compreende assim que o legislador tenha prescindido do modelo actual para estabelecer que as responsabilidades parentais "relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores". Não se percebe que isto é ficção? Que isto é dar "armamento" ao progenitor defraudado com o fim da relação conjugal para utilizar ainda mais os menores na sua luta de adulto? Impõe-se pois fazer uma avaliação da execução prática desta lei, para perceber as consequências da sua aplicação.Os juízes, no seu VIII Congresso, realizado no fim-de--semana passado, entre outras conclusões, extraíram a seguinte:"A produção legislativa manifestada em leis frequentemente alteradas, incompletas ou defeituosas é um factor de crise que impõe a sua melhoria e reclama uma acrescida valorização da realização do direito pelos tribunais e a monitorização da sua aplicação".Em consonância com esta conclusão, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, através do seu Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais, irá proceder à monitorização desta lei. Era bom que outras associações e juristas fizessem o mesmo e que, daqui a um ano, os dados assim obtidos fossem entregues aos senhores deputados que aprovaram esta lei... para eles se conciliarem com a sociedade.

António Martins, Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Jornal PÚBLICO (01-12-2008)

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