quinta-feira, 30 de abril de 2009

O controlo judicial do processo e a posição do juiz face ao agente de execução e às partes (Dr. Jorge Esteves)

O Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Barreiro e a Delegação do Barreiro da Ordem dos Advogados decidiram organizar uma conferência sobre as alterações à Reforma da Acção Executiva. Em boa hora o fizeram, pois, por um lado, a excessiva morosidade da acção executiva é, actualmente, o problema mais grave da justiça cível a nível nacional e, por outro lado, temos um novo regime que veio alterar aspectos essenciais da Reforma de 2003, sendo por isso apropriado chamar-lhe a “Reforma” da Reforma da Acção Executiva.

O Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, veio alterar o regime da Acção Executiva, tendo entrado em vigor no passado dia 31 de Março de 2009. No preâmbulo do diploma anuncia-se que “O papel do agente de execução é reforçado, sem prejuízo de um efectivo controlo judicial, passando este a poder aceder ao registo de execuções, designadamente para introduzir e actualizar directamente dados sobre estas. Igualmente, o agente de execução passa a realizar todas as diligências relativas à extinção da execução, sendo esta arquivada através de um envio electrónico de informação ao tribunal, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.”

No entanto, o preâmbulo do diploma anuncia bastante menos do que aquilo que efectivamente foi consagrado. Olhando para o novo regime da Acção Executiva, existe de facto um reforço acentuado do papel do agente de execução, mas, ao contrário do que se diz, tal foi efectuado em prejuízo de um efectivo controlo judicial, pelo menos de um controlo judicial que podia ser levado a efeito a título oficioso, que era aquele que existia até à entrada em vigor do referido Decreto-Lei.

Com este diploma temos uma grande alteração que consagra uma mudança de paradigma da acção executiva e que resulta, desde logo, da nova redacção dos artºs 808º e 809º do CPC. Onde antes se dizia, no artº 808º/1, que “cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz, nos termos do nº 1 do artigo seguinte” e no, artº 809º/1, “sem prejuízo do poder geral de controlo do processo e de outras intervenções especificamente estabelecidas, compete ao juiz de execução:”, agora diz-se no artº 808º/1 “Cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine o contrário, efectuar todas as diligências de execução, incluindo, nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, as citações, notificações e publicações”. E no artº 809º/1 “Sem prejuízo de outras intervenções estabelecidas na lei, compete ao juiz de execução:” .

Ou seja, o novo regime acabou com o poder geral de controlo do processo que antes cabia ao juiz. Quem agora dirige efectivamente o processo é o agente de execução, fazendo-o neste novo regime sem o controlo do juiz. O artº 809º/1 contém agora uma enumeração taxativa das intervenções do juiz, sem prejuízo de outras especialmente previstas, e que se resumem a proferir despacho liminar, quando tenha lugar, o que ocorre por iniciativa do agente de execução, julgar a oposição à execução e à penhora, verificar e graduar os créditos, julgar, sem possibilidade de recurso (outra inovação) as reclamações dos actos do agente de execução e decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes. A única possibilidade de conhecimento oficioso que assiste ao juiz está prevista no artº 820º/1. Segundo esse preceito, o juiz pode conhecer, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, das questões a que aludem os nºs 1 e 3 do artº 812º-E e a al. g) do artº 812º-D, ou seja, das questões que podem conduzir ao indeferimentos liminar do requerimento executivo. Nos termos deste preceito, se for suscitada uma qualquer questão perante o juiz, nomeadamente uma impugnação ou uma reclamação, ou a penhora de saldos bancários, o juiz pode conhecer daquelas questões, ainda que tal não lhe tenha sido solicitado. No entanto, essas são as únicas questões que o juiz pode apreciar oficiosamente, estando-lhe vedado o conhecimento de quaisquer outras questões, o que decorre necessariamente do fim do controlo geral do processo e da consagração do princípio da taxatividade das intervenções judiciais.

No anterior regime, o juiz, por sua própria iniciativa e ao abrigo do poder geral de controlo, podia inteirar-se da forma como o agente de execução exercia as suas funções no âmbito do processo, controlando, nomeadamente, a prática de determinados actos, como, por exemplo, as citações, notificações, penhoras, bem como o cumprimento dos prazos, podendo determinar o que entendesse por conveniente para assegurar a regularidade da tramitação processual. Com o novo regime isso está-lhe vedado. Os juiz só pode intervir nos casos expressamente previstos na lei e quando as partes ou o agente de execução lhe solicitam que decida qualquer questão. Esta é que foi a grande alteração do novo regime e é curioso que tal não venha expressamente afirmado no preâmbulo do diploma, tendo o legislador optado por usar uma expressão que peca manifestamente por defeito (“o papel do agente de execução é reforçado, sem prejuízo de um efectivo controlo judicial”) e não afirma o essencial da profunda alteração que se consagrou.

O controlo processual a efectuar pelo juiz depende agora sempre da iniciativa das partes, através da reclamação dos actos do agente de execução e através da decisão de questões que sejam suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes. Existe um outro controlo processual que se atribuiu ao exequente, permitindo-se que ele destitua livremente o agente de execução (artº 808º/6). Com esta solução pretende-se, conforme consta do preâmbulo, “promover a eficácia das execuções e do processo executivo”. Tal medida baseia-se “no pressuposto de que este [o exequente] é o principal interessado no controlo da eficácia da execução”. Penso que esta norma vai ser extremamente perturbadora, colocando o agente de execução completamente à mercê do exequente. A norma permite que o exequente destitua o agente de execução sem qualquer motivo ou até por um motivo injustificado, bastando, por exemplo, que o agente de execução, actuando perfeitamente dentro da legalidade, entenda que deve existir citação prévia, defira um requerimento do executado para redução da penhora do salário, ou não proceda à penhora da forma como o exequente pretende. Com esta possibilidade de destituição, o exequente ganha o total controlo do processo. O exequente passa a ter os seguintes poderes: destituir livremente o agente de execução e reclamar dos seus actos, ao passo que o executado só pode reclamar dos actos, nem sequer podendo pedir ao juiz que destitua o agente de execução, mesmo em face de actuações ilegais. Nesta situação, a única possibilidade que lhe assiste é a de fazer uma participação disciplinar e, por essa via, obter a destituição.

O outro controlo que está consagrado e que se pode designar de extra-processual é exactamente o controlo de natureza disciplinar, que é efectuado por uma nova entidade criada por este diploma, a Comissão para a Eficácia das Execuções, à qual compete, nomeadamente, instruir os processos disciplinares dos agentes de execução que são solicitadores de execução, e aplicar as respectivas penas disciplinares, e proceder a inspecções e fiscalizações aos agentes de execução (artº 69º-C aditado ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores). O controle efectuado por esta Comissão não se resume só à aplicação de sanções disciplinares, podendo também a mesma determinar a destituição do solicitador de execução do(s) processo(s) em que intervenha. É o que se consagra no artº 808º/6 do CPC, onde se diz “O agente de execução pode ser livremente substituído pelo exequente ou, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, destituído pelo órgão com competência disciplinar sobre os agentes de execução”. Levanta-se aqui a questão de saber se a actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que se verifique num determinado processo em concreto pode levar a que a Comissão destitua o solicitador de execução relativamente a todos os processos em que, naquele momento, está a intervir. Parece-me que este preceito refere-se especificamente ao processo ou aos processos em que ocorreu a violação dos deveres e por isso a destituição só pode ser determinada relativamente a esse(s) processo(s). Quanto aos restantes, tal só pode ocorrer por via de uma eventual sanção que lhe venha a ser aplicada.

Mas não só se ditou o fim do controlo geral do processo por parte do juiz, como o legislador ainda veio dizer que o agente de execução nem sequer deve, preferencialmente, suscitar a intervenção do juiz. No artº 809º/3 consagra-se a única possibilidade de o juiz aplicar uma pena de multa ao agente de execução, prevendo-se que “Quando os pedidos de intervenção do juiz efectuados por agente de execução ao abrigo das alíneas a) e d) do n.º 1 sejam manifestamente injustificados, o juiz aplica multa de montante fixado entre 0,5 e 5 UC e notifica, por meios electrónicos, o órgão com competência disciplinar sobre os agentes de execução”. No novo regime o juiz não pode aplicar qualquer multa por actuações ilegais do agente de execução, nomeadamente por violação das regras das citações e notificações e das regras relativas à penhora de bens ou, em geral, por uma actuação negligente, mas pode aplicá-la quando entender que o agente de execução veio solicitar a sua intervenção quando tal, no entendimento do juiz, não se justificava. Considero esta norma extremamente danosa e completamente injustificada. Conduzirá certamente a que o agente de execução, mesmo tendo fundadas dúvidas acerca da necessidade de apresentar o processo ao juiz para despacho liminar ou acerca de uma qualquer questão importante para a execução, preferirá não solicitar a intervenção com receio de ser condenado em multa. Ora, a intervenção oportuna do juiz pode levar a que um qualquer problema ou vício seja sanado atempadamente, evitando-se desse modo, quer eventuais danos, quer anulações posteriores do que tiver sido praticado. Desincentivar os agentes de execução de recorrerem ao juiz, que é o que esta norma consagra, é profundamente errado, será fonte de conflitos e provocará um maior fosso entre o juiz e o agente de execução, com prejuízo para as partes. Independentemente do juiz achar que não se justificava o pedido de intervenção suscitado pelo agente de execução, tinha de respeitar o seu entendimento e esclarecer a dúvida suscitada, não podendo multá-lo por ter provocado a intervenção judicial. Compreende-se, de certa maneira, a opção do legislador. No novo sistema instituído não se pretende que o agente de execução suscite amiúde a intervenção do juiz, só devendo fazê-lo quando tal seja realmente necessário. No entanto, a apreciação da pertinência da intervenção devia ser apreciada pelo órgão com competência disciplinar. Este decidiria se a intervenção era ou não necessária e aplicaria a sanção que entendesse conveniente.

Vejamos agora as outras alterações que foram efectuadas no regime e que tiveram também como leit motiv terminar com o controlo do processo por parte do juiz e do tribunal.

Nos termos do artº 810º/7, a secretaria judicial recebe o requerimento executivo e envia-o ao agente de execução por via electrónica, não havendo lugar à autuação da execução. O processo deixa de existir na secretaria, passando a existir unicamente no escritório do agente de execução. Tal situação poderá vir a levantar problemas, nomeadamente no que respeita à consulta do processo pelas partes. Quando antes o processo estava sempre à disposição das partes para consulta na secretaria do tribunal, podendo até ser facultado aos mandatários para consulta no escritório, não vemos que esta questão tenha sido devidamente acautelada no novo regime. Está previsto na Portaria nº 331-B/2009, de 30 de Março, o registo electrónico da prática dos actos no sistema informático que serve de suporte à actividade dos agentes de execução e que esse sistema e o sistema informático CITIUS asseguram que qualquer acto registado pode ser consultado no histórico electrónico do processo judicial através do sistema informático CITIUS (artº 33º de referida Portaria). O registo da prática do acto efectuado nos termos desse artigo dispensa a junção aos autos dos documentos comprovativos da efectivação dos mesmos, sem prejuízo do dever de exibição dos originais dos documentos comprovativos de qualquer acto sempre que o juiz o determine (artº 34º da mesma Portaria). No entanto, temos sempre a questão da consulta do processo pelas próprias partes que não têm acesso aos programas informáticos. Quanto aos mandatários, parece que só podem consultar o processo por via electrónica. Caso tenham alguma dúvida quanto a determinado documento, poderão solicitar ao juiz que determine a apresentação do original. Quanto às partes, nada é dito mas parece-nos ser óbvio que o agente de execução tem a obrigação de facultar o processo para consulta. Esta questão é bastante pertinente, uma vez que, como se sabe, na maior parte dos casos o executado não constitui mandatário judicial.

Apreciação formal do requerimento executivo passa a caber ao agente de execução (antes cabia à secretaria judicial), que pode recusar receber o requerimento, cabendo reclamação da decisão para o juiz (artº 811º). Recebido o requerimento executivo, cabe ao agente de execução decidir se inicia as diligências e as consultas prévias à penhora (artº 812º-C), se apresenta o processo a despacho liminar (artº 812º-D) ou se procede à citação prévia (artº 812º-E). O controlo do juiz nesta fase existe apenas caso alguma das partes reclame da decisão do agente de execução. Pode, por exemplo, o exequente não concordar com a citação prévia ou o executado considerar que a penhora não podia ser realizada antes da citação. Nestes casos deverá ser apresentada reclamação ao juiz.

Quanto à fase da penhora, foram agora também atribuídos mais poderes ao agente de execução. Na penhora de rendimentos, nomeadamente no que respeita à redução e isenção da penhora sobre salários e outros rendimentos periódicos, estabeleceu-se no artº 824º/4 e 5, a regra de que os pedidos de isenção e redução da penhora dos rendimentos do executado são apreciados pelo agente de execução, quando antes o eram pelo juiz. Ora, estando o agente de execução na completa dependência do exequente, parece-me ser óbvio que será muito difícil que algum agente de execução vá deferir um pedido desses, com receio de ser destituído pelo exequente (que, como se viu, o pode fazer livremente). Considero esta norma inconstitucional. Por um lado, por violação do princípio de reserva do juiz, uma vez que a situação em causa envolve um litígio – estão em conflito o interesse do executado em ver reduzida a penhora e o interesse do exequente em que essa penhora se mantenha – cabendo constitucionalmente aos juízes a sua resolução, não podendo essa competência ser atribuída a outras entidades, e, por outro lado, por se ter dado a competência para a apreciação da questão a alguém que não está, de forma alguma, em situação de poder agir com total isenção, independência e imparcialidade, atenta a dependência do agente de execução em relação ao exequente.

No artº 840º/2 consagrou-se a possibilidade de o agente de execução poder solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais quando seja oposta alguma resistência à realização da penhora. Anteriormente, mesmo no caso em que fosse oposta resistência, o auxílio da força pública tinha que ser requerido pelo agente de execução ao juiz. É uma alteração que faz todo o sentido e reforça a autoridade do agente de execução. A necessidade de despacho do juiz está reservada para as situações em que as portas estejam fechadas ou em que haja receio justificado de oposição. Note-se porém que, caso seja oposta in loco resistência à realização da penhora e seja solicitada a intervenção da polícia, se o executado ou quem tiver a disponibilidade do local fechar as portas, impedindo assim o acesso do agente de execução ao interior, não pode ser efectuado o arrombamento das portas sem autorização do juiz. Tal resulta do disposto no nº 3, onde se estabelece que esse arrombamento só pode ser efectuado com prévia autorização judicial. A resistência prevista no nº 2 será, por exemplo, aquela que resulta de agressão, tentativa de agressão, ameaça ou de coacção, visando fazer cessar a situação ilícita que impede o agente de execução de realizar a sua tarefa.

Nos termos do artº 847º, passa a caber ao agente de execução o levantamento da penhora que lhe seja requerido pelo executado nos casos em que, por acto ou omissão que não seja da sua responsabilidade, não forem efectuadas quaisquer diligências para a realização do pagamento efectivo do crédito nos seis meses anteriores ao requerimento, o que no regime anterior também cabia ao juiz. Atendendo ao que acima se disse quanto à ausência de um estatuto que garanta a isenção do agente de execução, é muito duvidoso que este requerimento do executado seja devidamente apreciado.

Está agora previsto no artº 886º-C que a venda antecipada dos bens penhorados é decidida pelo agente de execução, salvo nas situações de urgência, caso em que a decisão cabe ao juiz, quando no anteriormente essa venda tinha de ser sempre autorizada pelo juiz.

Também a sustação da execução nos termos do artº 871º (no caso de pluralidade de execuções sobre os mesmos bens) é agora efectuada pelo agente de execução, deixando de ser necessário despacho judicial.

A aprovação das contas na execução para prestação de facto, quando a prestação é realizada pelo exequente, passa a caber ao agente de execução (artº 937º), quando tal cabia ao juiz.

Finalmente, cabe ao agente de execução dar por finda a execução, o que é comunicado electronicamente ao tribunal, “sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e electrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria” (artº 919º/3). Ou seja, o processo que está no tribunal é extinto sem qualquer intervenção humana, tendo o legislador feito questão de deixar bem frisado que tal é efectuado sem intervenção do juiz ou da secretaria.

Creio que a norma constante do artº 937º, na medida em que atribui ao agente de execução a competência para tomar a decisão aí em causa, é inconstitucional, por violação do princípio da reserva do juiz, uma vez que está em causa um litígio. Aliás, o artº 936º/3 (anterior nº 2) prevê a possibilidade de o executado contestar as contas apresentadas pelo exequente, o que implica necessariamente a existência de litígio.

Quanto aos poderes do juiz que se mantêm, temos o de decidir da remoção do depositário dos bens penhorados (artº 845º/1) e o de ordenar a penhora de depósitos bancários (artº 861º-A, o que conduzirá a que quase todos os processos acabem por ir a tribunal, o que acabará por constituir uma distorção daquilo que se pretende com o novo regime). A venda de imóveis mediante propostas em carta fechada continua a ser feita no Tribunal, mantendo-se em vigor o regime consagrado no artº 893º.

Em conclusão

O novo regime veio consagrar o sistema extra-judicial de execução. Este modelo assenta na actuação de um agente, que geralmente é um profissional liberal, mas com um estatuto próprio para o exercício das funções no âmbito da acção executiva, a quem cabe a realização de todos os actos típicos da execução, como as citações e notificações, penhoras, vendas, graduação de créditos (não se percebe porque razão não foi atribuída ao agente de execução a competência para a graduação de créditos, quando no regime das insolvências tal cabe ao administrador). A intervenção do Juiz está reservada para situações em que existe um conflito e, em especial, para a apreciação de questões incidentais de natureza declarativa. A própria execução não é tramitada no Tribunal, sendo o processo a ele remetido unicamente no caso de ser necessário para apreciação das questões da competência do juiz, que não tem qualquer controlo oficioso do processo.

Todavia, considero que regime consagrado cria um sistema extra-judicial impróprio, na medida em que não define o agente de execução com a autonomia que geralmente existe neste tipo de sistema, não lhe concedendo um estatuto que garante a isenção e independência em relação a ambas as partes. Tal resulta da norma que concede o poder ao exequente de destituir (o preceito fala em substituir, mas o resultado é o mesmo) livremente o agente de execução. É claro que o exequente é o principal interessado na eficácia da execução, mas o processo executivo tem regras e o executado também tem direitos. O agente de execução deve estar acima de tudo ao serviço da legalidade (a qual, pela própria natureza do processo executivo, já está especialmente vocacionada para tutelar os direitos do exequente). Pode ocorrer a situação de o agente de execução se encontrar na situação dilemática de cumprir a lei ou agir da forma como o exequente pretende, sendo que se cumprir a lei corre o risco de ser destituído pelo exequente e se agir como este pretende corre o risco de ser alvo de um processo disciplinar. O regime legal, neste aspecto, é ainda incongruente, pois se agora se permite que os advogados acedam à profissão de solicitadores de execução, não me parece próprio colocá-los numa situação de subserviência em relação aos seus colegas advogados dos exequentes.

Neste novo regime, em que desaparece o controlo geral do processo que era levado a efeito pelo juiz, impunha-se a atribuição de um verdadeiro estatuto de autonomia ao agente de execução. Bastava a existência do controlo disciplinar e a possibilidade de reclamação dos actos e a impugnação de decisões do agente de execução perante o juiz, quer para o executado, quer para o exequente. Isso era suficiente para assegurar a eficácia da execução e não punha em causa a legalidade nem os direitos do executado. Importante era apenas que a Comissão para a Eficácia das Execuções actuasse com celeridade no sentido de, sempre que tal se justificasse, destituir rapidamente o agente de execução, face a participações, quer do executado, quer do exequente, quer ainda do juiz de execução.

Errada também me parece ser a possibilidade de o juiz multar o agente de execução quando entenda que a intervenção por este provocada era manifestamente injustificada. Vai suscitar conflitos e desincentivar o recurso ao juiz, quando a participação disciplinar seria suficiente para acautelar situações de desnecessidade da intervenção.

Delineando-se desta forma no novo regime o estatuto do agente de execução, ainda se lhe atribui o poder de apreciar requerimentos do executado susceptíveis de afectar os interesses do exequente. Independentemente das questões de inconstitucionalidade, parece-me ser óbvio que o agente de execução não dispõe da independência necessária para apreciar devidamente os requerimentos que lhe forem apresentados pelo executado.

Se o sistema extra-judicial de execução é ou não o melhor sistema para a nossa realidade, o futuro o dirá. Foi uma opção política e tem de ser respeitada. No entanto, não podemos deixar de considerar que o regime consagrado, que não é o de um sistema extra-judicial próprio, tem em si graves factores de perturbação e que poderão conduzir a que problemas laterais acabem por não permitir alcançar a almejada eficácia da acção executiva.

Dr. Jorge Esteves

Juiz de Direito

(Vice-Presidente do Conselho de Oficiais de Justiça)



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