A Novíssima Acção Executiva
Barreiro, 17 de Abril de 2009
Barreiro, 17 de Abril de 2009
Mariana França Gouveia[1]
1. É a primeira vez que falo (fora das minhas aulas) na reforma da acção executiva.
Há sempre uma enorme tentação de dizer mal das reformas. E eu sempre detestei esta postura de «deita-abaixo». Esta postura de permanente crise que os portugueses cultivam.
Outro dia, um amigo disse que na crise há os que choram e os que vendem lenços. Esta máxima á aplicável também aqui – em vez de chorar os males da acção executiva, tentemos vender os lenços e ultrapassar os problemas.
Não quero, porém, deixar de chamar a atenção para algo que julgo importante. Há neste diploma uma falta total de regras ou princípios gerais da acção executiva. Esta ausência dificulta imenso o entendimento do diploma. Mas mais grave do que a ausência, é a dificuldade em construir esses princípios a partir das regras existentes. O Código está tão imerso na regra, na excepção, na sub-hipótese e na excepção da sub-hipótese, que não se consegue formular regras gerais.
Sinto esta ausência em particular quando ensino processo executivo. Perco-me em pormenores que julgo irrelevantes – até porque a lei está sempre a mudar. Mas se tento ficar apenas nas linhas gerais do regime, não consigo ensinar, porque é quase impossível formulá-las.
A minha comunicação intitula-se Linhas Gerais da Reforma da Acção Executiva – Alguns aspectos colocados pelo novo regime.
Dividirei a minha comunicação em duas partes. Uma primeira sobre as tais linhas gerais da reforma, uma segunda sobre dúvidas específicas do novo regime. Estas dúvidas têm surgido à medida das aulas – quando começo a tratar um tema, mesmo que previamente preparado, surgem sempre novos problemas e dúvidas, por regra colocados pelos estudantes e cuja solução nem sempre é fácil. Como as dúvidas e as alterações são bastantes, optei por as ir desenrolando. Em vez de limitar as que tenho para falar, vou fazer ao contrário: vou falando, quando o tempo acabar, terminarei onde estiver. Não será o melhor método retórico, mas como não pretendo convencer, apenas informar, não me parece pior do que qualquer outro.
2. A grande alteração desta reforma prende-se com a reformulação do papel do agente de execução – é de destacar a eliminação do poder geral de controlo do juiz previsto no artigo 809.º. A par deste reforço da posição do agente de execução, encontramos também como linha geral da reforma, uma maior ou total dependência do agente de execução perante o exequente. Este nomeia-o e destitui-o livremente (artigo 808.º n.º6). O juiz perde aliás e também o poder de destituir o agente de execução, limitando-se a poder fazer intervir, nos termos do artigo 808.º n.º6, o órgão com competência disciplinar sobre os agentes de execução.
Este órgão é novo, denomina-se Comissão para a Eficácia das Execuções e tem um composição heterogénea – vogais designados por diversos ministérios (Justiça, Finanças, Segurança Social), indicados pela Câmara dos Solicitadores, pela Ordem dos Advogados e pelo Conselho Superior da Magistratura, um vogal nomeado por associações de consumidores ou de utentes da justiça, dois pelo Conselho Económico e Social. O Presidente será cooptado por decisão maioritária dos restantes vogais. As regras constam dos artigos 69.º-A e seguintes do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Esta Comissão tem poder disciplinar sobre os agentes de execução que podem ser, além de solicitadores, também advogados. De acordo com o artigo 69.º-A, a Comissão tem funções de acesso e admissão a estágio, avaliação dos agentes de execução estagiários e de disciplina dos agentes de execução. São funções extraordinariamente importantes e decisivas quando se abre tanto o espaço de autonomia dos agentes de execução.
O funcionamento desta Comissão em termos adequados é absolutamente fulcral para o sucesso da nova reforma da acção executiva. O Estado tem de assumir aqui, pela via do controlo, as funções públicas que delegou em agentes privados de execução. Este aspecto é muito importante e não pode deixar de ser realçado. Porque – repare-se – conferiu-se maiores poderes ao agente de execução e, em simultâneo, colocou-se este agente de execução na dependência do exequente que o pode destituir livremente. São imediatas as preocupações de independência face ao exequente.
Não julgo que seja uma má opção em termos de política legislativa, na medida em que o interessado em fazer prosseguir a acção executiva é o exequente. Mas é um regime perigoso porque a tentação está muito, muito perto. O Estado pode demitir-se de exercer as funções, mas não pode, obviamente, deixar de controlar. O medo que o guarda venha (que é o que verdadeiramente guarda a vinha) é, assim, essencial.
Já anteriormente escrevi sobre a relação entre juiz e agente de execução, tendo defendido uma configuração algo limitado do então constante da lei poder geral de controlo.[2] Ao reler esse texto e tentando reconfigurar a relação entre estes dois sujeitos processuais face à nova lei, concluo que nada de especial mudou. Parece-me que a inexistência da previsão do poder geral de controlo não impede o juiz, por exemplo, de analisar o processo (quando o receba por uma das razões previstas no artigo 809.º) e, detectando alguma ilegalidade, a corrigir. Tal poder oficioso está, aliás, expressamente previsto no artigo 820.º - é certo que apenas quanto aos fundamentos do despacho liminar, mas deve ser alargado a todas as restantes nulidades.
3. Passemos agora à segunda parte da minha intervenção, dedicada aos aspectos específicos do nosso regime.
Na fase liminar do processo, deve começar por chamar-se a atenção para a alteração da competência para a recusa do processo. Até agora tal função cabia à secretaria, nos termos do artigo 811.º passa a caber ao agente de execução. Esta modificação leva-nos a perceber melhor a grande mudança na fase inicial, de alguma forma escondida na parte final do n.º 7 do artigo 810.º - o processo dá entrada no tribunal, mas não há lugar a autuação, seguindo directa e electronicamente para o agente de execução.
O agente de execução faz, assim, a triagem do processo, decidindo se o recusa, se o envia para despacho liminar, se inicia de imediato a penhora.
Entrando agora especificamente nas normas relativas à tramitação processual inicial, foram revogados os artigos 812.º a 812.º-B. As regras constantes desses preceitos passaram a constar dos artigos 812.º-C a 812.º-F, numa opção legislativa que não se compreende – deixam-se vazios os artigos 812.º a 812.º-B e começa-se no C. Mas enfim, não choremos, preocupemo-nos antes em vender os lenços.
O artigo 812.º-C estabelece os casos em que não há despacho liminar, nem citação prévia, iniciando-se o processo imediatamente com a penhora. São, no essencial, as mesmas situações que constavam do anterior artigo 812.º-A. nesta norma: sentença judicial e arbitral, injunção, documentos autênticos e particulares com certos requisitos.
Pode colocar-se no âmbito desta norma uma dúvida: antes permitia-se a dispensa de despacho liminar e de citação prévia quando o título executivo era um documento relativo a obrigação pecuniária vencida. Havia porém uma limitação – não se poderia penhorar imediatamente imóvel ou estabelecimento comercial ou direito real menor que sobre eles incidisse.
A nova formulação desta alínea, constante do artigo 812.º-C, eliminou o imóvel, permitindo, portanto, a penhora imediata deste quando o título executivo é documento particular de montante até à alçada do tribunal da relação. A dúvida subsiste, porém, porque o legislador eliminou imóvel, mas manteve o plural no direito real menor que sobre eles incida. Este eles referia-se ao imóvel e ao estabelecimento comercial. Agora saindo da letra da lei o imóvel aquele plural não faz sentido. Há portanto um lapso nesta norma que pode ser um de dois: ou caiu sem intenção o imóvel ou o legislador esqueceu-se de mudar para o singular o artigo. Parece-me que esta última opção é a que encontra maior correspondência verbal com o texto da lei, sendo por isso a preferível. Assim, pode penhorar-se sem citação prévia ou despacho liminar, bem imóvel sendo o título executivo documento particular de obrigação vencida de valor não superior à alçada da relação.
O artigo seguinte – 812.ºD trata os casos em que há despacho liminar. Serão objecto de despacho liminar aqueles processos que constam das previsões específicas desta norma. Encontramos aqui situações como a do devedor subsidiário, da obrigação inexigível, de alguns títulos executivos especiais (arrendamento e condomínio). Também neste preceito está prevista a possibilidade de o agente de execução suscitar a intervenção do juiz de execução quando desconfie da ocorrência de excepções dilatórias ou, sendo o título negocial, de excepções peremptórias. Esta possibilidade era anteriormente concedida à secretaria, mas como se disse já, esta agora não tem qualquer função nesta fase inicial do processo.
O artigo 812.º-E contém as situações em que, sendo o processo levado ao juiz nos termos do artigo anterior, este deve indeferir liminarmente. Nada aqui de muito diferente em relação ao regime anterior.
Por último, o artigo 812.º-F trata a citação prévia e sua dispensa, consagrando como regra que havendo dispensa de despacho liminar, há também dispensa de citação prévia. Donde se deduz, a contrario, que havendo despacho liminar haverá citação prévia.
O n.º 2 deste artigo contém uma regra de difícil interpretação – diz que em certos casos nos processos remetidos ao juiz para despacho (nos termos do 812.º-D), há sempre citação prévia sem necessidade de despacho. Ou seja, o processo vai a despacho, mas afinal não há despacho apenas citação prévia. Será isto? Não faz qualquer sentido. O processo vai para despacho, mas não há despacho? É o agente de execução que em simultâneo envia para despacho e cita previamente? Não pode ser. Acresce que os casos que aqui estão previstos não encaixam nos do artigo 812º-D, isto é, há situações que aqui estão previstas que não estão na norma que obriga ao despacho liminar. Por exemplo, o caso das execuções fundadas em título extra-judicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada para garantia (alínea d) do n.º 2 do artigo 812.º-F).
O texto desta norma é, assim, incoerente. Julgo que o único sentido possível numa sua leitura é eliminar a parte inicial «nos processos remetidos ao juiz pelo agente de execução para despacho liminar nos termos do artigo 812.º-D» e aceitar que a norma apenas diz: “há sempre citação prévia, sem necessidade de despacho do juiz (…)”
Recapitulemos então as regras destes preceitos. O primeiro, C, estabelece casos em que certos títulos dispensam despacho liminar e citação prrévia, O segundo, D, consagra alguns casos em que há despacho liminar. O terceiro, E, refere as situações em que o juiz indefere liminarmente. O quarto, F, estatui os casos em que há citação prévia e em que é possível a sua dispensa.
Todas estas regras são excepções – estão previstas para casos especificamente determinados na sua letra. E o problema é que não há nenhuma regra geral. Parece que o legislador se esqueceu!
Pensemos que tenho para executar uma letra no valor de 50.000€. O agente de execução recebe este processo executivo e o que faz? Não há dispensa de despacho liminar porque não cabe em nenhuma das alíneas do artigo 812.º-C. Não há despacho liminar porque não cabe em nenhuma das alíneas do artigo 812.º-D. Não há citação prévia porque não cabe em nenhumas das alíneas do artigo 812.ºF n.º 2 (este resultado é o mesmo que se interprete esta norma como dependente do artigo 812.º-D, quer não).
Não há regra, portanto. O legislador terá estado apenas preocupado com os casos especiais, esquecendo que nem todos caberiam nestes. É certo que as execuções fundadas nos títulos referidos no artigo 812.º-C são as mais numerosas, mas também é verdade que outras existem, sendo necessário estipular uma regra subsidiária.
Na falta de regra geral, parece-me que a melhor solução é recuperar a regra antiga – despacho liminar e citação prévia. Era a solução prevista no revogado artigo 812.º. Por outro lado, é a solução que oferece maiores garantias, pelo que, à cautela, deve ser a seguida pelo agente de execução. Assim, em execuções de títulos que não preencham os requisitos dos artigos 812.º-C e seguintes, o agente de execução deve enviar o processo para despacho liminar e deve ser o executado previamente citado.
Para terminar a fase liminar, não posso deixar de chamar a atenção para um outro problema. É claro que o legislador tem a ideia que a grande maioria das execuções seguirá a tramitação do artigo 812.º-C, isto é, dispensa de despacho liminar e citação prévia, logo, penhora imediata. No entanto, o artigo 834.º - que referirei mais à frente – estabelece que a penhora deve começar pelos saldos bancários. Esta ordem parece ser, ainda que tendencialmente, obrigatória. Ora, de acordo com o artigo 861.º-A a penhora de saldos bancários exige despacho judicial. O que significa, portanto, que todos os processos têm de que ir ao juiz, que afinal há sempre despacho liminar. Isto é em absoluto contraditório e tem de ser corrigido.
A exigência de despacho judicial para a penhora de saldos bancários relaciona-se com a regra de que o sigilo bancário só pode ser levantado através de intervenção judicial. Como se ouvem notícias de que tal regra vai mudar, pode ter-se esperança que haja aqui uma consequência directa, caindo a necessidade deste despacho. Mas, até lá, a regra é esta.
Passemos agora em frente, entrando na matéria da oposição à execução.
A importante alteração aqui é a da equiparação da injunção à sentença arbitral para efeitos de oposição. A regra consta do artigo 814.º, agora num novo n.º2. Esta equiparação traz dois problemas. Em primeiro lugar a interpretação da expressão “desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.” Este é o requisito para que o requerimento de injunção no qual tenha sido oposto a fórmula executória esteja sujeito às mesmas regras de oposição à execução que a sentença. Como se sabe, a oposição à execução de sentença tem fundamentos limitados, o que não acontece com a oposição aos outros títulos executivos. Até esta reforma, a doutrina equiparava a injunção aos outros títulos e não à sentença. Aplicava-lhe, portanto, a regra prevista no artigo 816.º, a da admissibilidade de alegação de todos e quaisquer fundamentos de oposição.
Como se sabe, o procedimento de injunção admite sempre oposição do requerido. Tal é o que consta do regime do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro (artigo 12.º do Anexo). Se esta expressão do CPC significa o que está no regime da injunção parece-me de todo inútil.
Significaria, pois, que os requerimentos de injunção com aposição da fórmula executória seriam sempre equiparados à sentença. Ora, tendo em conta que não é possível alegar em oposição excepções peremptórias anteriores à aposição da fórmula executória, a conclusão só pode ser a de que na injunção há um efeito cominatório pleno pela não dedução de oposição no procedimento de injunção.
Ou seja, apresentado um requerimento de injunção e não sendo este contestado, o requerido é condenado sem hipótese mais de se defender. É um efeito cominatório que não existe no processo civil e onde, repare-se, há sentença e, logo, intervenção judicial.
Um efeito cominatório pleno aliado a uma força de caso julgado num procedimento para-judicial parece-me forçar muito o direito a um processo justo, direito fundamental consagrado na Constituição Portuguesa. É que nem sequer há processo.
Julgo que é defensável uma restrição a esta norma, consagrando que são alegáveis fundamentos que seriam de conhecimento oficioso na acção declarativa. Imaginemos um contrato com cláusulas contratuais gerais nulas por violação da legislação respectiva. Se esta acção desse entrada como acção declarativa, tal nulidade poderia ser aferida pelo juiz e determinar a absolvição do pedido. Não faz sentido que numa situação exactamente igual, a consequência se der entrada uma injunção, seja mais gravosa. Haveria aqui uma discrepância inadmissível no ordenamento jurídico. Assim, julgo que é defensável a alegação em oposição à execução de fundamentos materiais de conhecimento oficioso mesmo que anteriores ao decurso do prazo para oposição à injunção. Com esta interpretação consegue-se colocar ao mesmo nível acção declarativa e procedimento de injunção no que às garantias jurisdicionais diz respeito.
Tal interpretação pode ainda ser sustentada com fundamento no artigo 820.º que permite ao juiz o conhecimento oficioso de excepções peremptórias quando a execução se funda em título executivo negocial. É certo que a injunção não é um título executivo negocial, mas a lógica, a ratio é a mesma: impedir a execução de obrigações manifestamente inexistentes, ineficazes ou inválidas.
Queria chamar a atenção para um aspecto que não foi alterado pela reforma, mas julgo merecer alguma atenção: o efeito suspensivo da oposição à execução apenas se verifica quando há penhora. Não havendo penhora, a execução não se suspende tendo como limite o pagamento – nenhum credor pode obter pagamento. Esta regra cria uma distorção entre as execuções: das duas umas, ou suspendia-se a execução a partir do momento em que há penhora; ou apenas se impedia o pagamento, continuando a execução até esse momento.
Entramos agora na fase da penhora. A anotar alterações aos artigos 832.º e seguintes, introduzindo bastantes regras novas com vista à preparação da penhora.
O artigo 833.º-A n.º1 determina que o agente de execução inicia a penhora pelos bens indicados pelo exequente no requerimento executivo, desde que sejam depósitos bancários, rendimentos periódicos, valores mobiliários ou móveis sujeitos a registo. Só na falta de indicação deste tipo de bens deverá investigar a existência de outros.
Para essa investigação, estipula o artigo 833.º-A n.º2 a não necessidade de autorização judicial para a consulta de bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes. O preceito prevê um regime de consultas directas a essas bases de dados, através de um sistema a definir por portaria. A consulta de outros dados sujeitos a regime de confidencialidade depende já de despacho judicial de autorização.
Esta alteração poderá significar uma contribuição muito importante para uma maior eficácia das execuções.
De salientar ainda no âmbito das diligências prévias à penhora a notificação do exequente quando se encontram bens penhoráveis. Só após esta notificação e se o exequente se não opuser em 5 dias, o agente deverá penhorar. Tal regra está prevista no artigo 833º-B n.º 2. Notamos aqui o reforço da dependência do processo, do seu controlo, pelo exequente. Sem dúvida uma tendência do diploma em análise.
Uma outra inovação importante da reforma é a que diz respeito à ordem de realização da penhora. Até agora o agente de execução decidia, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação, quais os bens a penhorar. Esta clausula geral foi revogada, passando o artigo 834.º a conter uma ordenação obrigatória dos bens a penhorar. Assim, a penhora começa pelos saldos bancários, passa depois para as rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros créditos, em terceiro lugar há penhora de títulos e valores mobiliários, em quarto de bens móveis sujeitos a registo e por fim a penhora de quaisquer bens cujo valor pecuniário seja de fácil realização ou se mostre adequado ao montante do crédito do exequente. Não se deve esquecer que se mantém a excepção dos bens onerados com garantia real, por onde obrigatoriamente começa a execução da dívida com garantia real (artigo 835.º).
É uma regra que impõe nesta matéria alguma rigidez, em movimento contrário ao que estava aí previsto anteriormente. Aliás, a regra teve uma formulação semelhante num projecto da anterior reforma (a de 2003) e foi abandonado por se ter entendido que impor uma ordem poderia atrasar e complicar o processo, por obrigar o agente de execução a procurar exaustivamente bens do tipo anterior. Julgo que se deve dar aqui algum relevo ao advérbio de modo preferencialmente. Diz o proémio deste preceito que o agente de execução deve efectuar a penhora dos bens preferencialmente pela ordem que se segue. Ora, se é preferencialmente não é obrigatoriamente, pelo que haverá ainda possibilidade de alguma flexibilidade para o agente de execução. Não muita, mas alguma.
No mínimo, a regra deve ser entendida como não constituindo um fundamento de oposição à penhora, sob pena, aí sim, de introduzirmos na execução um meio simples de dilação prsocessual e uma complexidade acrescida para o agente de execução.
Se a intenção foi limitar de alguma forma os poderes do agente de execução, poderíamos ainda sustentar a interpretação de que era fundamento de defesa do executado. Já se a intenção do legislador foi consagrar instrumentos de celeridade processual, não faz sentido ver aqui uma oportunidade de defesa do executado. Parece-me que, indubitavelmente, é esta segunda interpretação a mais coerente com o espírito da lei.
Uma outra alteração diz respeito aos famigerados relatórios de frustração da penhora previstos no artigo 837.º. Esta norma passou a ter como epígrafe dever de informação e está regulamentada na Portaria 331.º-B/2009, de 30 de Março. Pelo que consigo perceber da leitura do seu artigo 10º, este dever de informação consiste na disponibilização de informação electrónica em sites a que o exequente tem acesso.
Entremos, agora, na tramitação da penhora, isto é, nas regras sobre como é feita a penhora. Começando pelos imóveis, é de analisar as regras relativas ao auxílio da força policial. Pode parecer uma minudência, mas na prática, no dia-a-dia de quem penhora não é de todo um aspecto sem importância.
Diz-nos o novo n.º 2 do artigo 840.º que o agente de execução pode solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais quando seja oposta alguma resistência. Já porém se as portas estiverem fechadas ou haja receio justificado de resistência é necessário pedir ao juiz o auxílio das autoridades.
Interessa perceber como funciona afinal a relação entre agente de execução e autoridades policiais. Está prevista aqui uma portaria que não se encontra ainda publicada. Seja como for, essa portaria não pode contrariar as regras legais.
Ora, pelo que se percebe a diferença está entre existir a resistência e haver receio de que ela exista. Se houver resistência o agente de execução pode pedir directamente o auxílio das forças policiais. Já se houver apenas receio que haja resistência ou que as portas se encontrem fechadas, será necessária prévia autorização judicial. Parece-me um sistema algo contraditório e que poderá levantar problemas na prática. Quem irá aferir se foi oposta resistência ou se há apenas receio? A polícia? Será esta a decidir se vai ou não sem o despacho em função daquilo que o agente de execução lhe disser? É um pouco ou muito estranho.
Atenção porque estas regras aplicam-se também à penhora de móveis, nos termos da disposição remissiva constante do artigo 848.º n.º3.
Uma alteração em que vale a pena atentar, ainda que por breves segundos, é a constante do artigo 861.º n.º4 – na penhora de rendimentos periódicos, onde se incluem rendas, abonos, vencimentos e salários, assim que passar o prazo para oposição ou seja julgada improcedente, o agente de execução entrega ao exequente os montantes cobrados. Na formulação anterior, tal entrega estava dependente de requerimento do exequente.
Na fase seguinte do processo executivo – relativa às citações e concurso de credores – há também importantes alterações a ter em consideração. Nos termos do artigo 864.º n.º4, as citações às Finanças e à Segurança Social são feitas através de sítio na internet. Trata-se de simplificação muito importante e interessante no procedimento, sendo vantajosa, segundo me posso aperceber, para todas as partes.
Foi introduzida uma nova modalidade de venda – a venda em leilão electrónico que vem alterar o jogo das modalidades de venda. Não é possível agora, porém, analisá-la com mais pormenor.
Para terminar, apenas uma palavra para uma novidade deste diploma: a possibilidade de execução imediata de sentença. Tal possibilidade está prevista no artigo 675.º-A. Traduz-se na possibilidade de o autor pedir ainda na pendência da acção declarativa a execução da sentença que foi ou vier a ser proferida no processo. Feito o requerimento, a execução inicia-se por apenso de forma electrónica e automática. Se o executado cumprir a obrigação, o exequente tem o dever de informar imediatamente o tribunal, com isso se extinguindo a execução.
Muito obrigada pela atenção.
[1] Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
[2] Poder Geral de Controlo, in Sub-Judice – Justiça e Sociedade, 2004, N.º 29, Coimbra, p. 11-21.
1. É a primeira vez que falo (fora das minhas aulas) na reforma da acção executiva.
Há sempre uma enorme tentação de dizer mal das reformas. E eu sempre detestei esta postura de «deita-abaixo». Esta postura de permanente crise que os portugueses cultivam.
Outro dia, um amigo disse que na crise há os que choram e os que vendem lenços. Esta máxima á aplicável também aqui – em vez de chorar os males da acção executiva, tentemos vender os lenços e ultrapassar os problemas.
Não quero, porém, deixar de chamar a atenção para algo que julgo importante. Há neste diploma uma falta total de regras ou princípios gerais da acção executiva. Esta ausência dificulta imenso o entendimento do diploma. Mas mais grave do que a ausência, é a dificuldade em construir esses princípios a partir das regras existentes. O Código está tão imerso na regra, na excepção, na sub-hipótese e na excepção da sub-hipótese, que não se consegue formular regras gerais.
Sinto esta ausência em particular quando ensino processo executivo. Perco-me em pormenores que julgo irrelevantes – até porque a lei está sempre a mudar. Mas se tento ficar apenas nas linhas gerais do regime, não consigo ensinar, porque é quase impossível formulá-las.
A minha comunicação intitula-se Linhas Gerais da Reforma da Acção Executiva – Alguns aspectos colocados pelo novo regime.
Dividirei a minha comunicação em duas partes. Uma primeira sobre as tais linhas gerais da reforma, uma segunda sobre dúvidas específicas do novo regime. Estas dúvidas têm surgido à medida das aulas – quando começo a tratar um tema, mesmo que previamente preparado, surgem sempre novos problemas e dúvidas, por regra colocados pelos estudantes e cuja solução nem sempre é fácil. Como as dúvidas e as alterações são bastantes, optei por as ir desenrolando. Em vez de limitar as que tenho para falar, vou fazer ao contrário: vou falando, quando o tempo acabar, terminarei onde estiver. Não será o melhor método retórico, mas como não pretendo convencer, apenas informar, não me parece pior do que qualquer outro.
2. A grande alteração desta reforma prende-se com a reformulação do papel do agente de execução – é de destacar a eliminação do poder geral de controlo do juiz previsto no artigo 809.º. A par deste reforço da posição do agente de execução, encontramos também como linha geral da reforma, uma maior ou total dependência do agente de execução perante o exequente. Este nomeia-o e destitui-o livremente (artigo 808.º n.º6). O juiz perde aliás e também o poder de destituir o agente de execução, limitando-se a poder fazer intervir, nos termos do artigo 808.º n.º6, o órgão com competência disciplinar sobre os agentes de execução.
Este órgão é novo, denomina-se Comissão para a Eficácia das Execuções e tem um composição heterogénea – vogais designados por diversos ministérios (Justiça, Finanças, Segurança Social), indicados pela Câmara dos Solicitadores, pela Ordem dos Advogados e pelo Conselho Superior da Magistratura, um vogal nomeado por associações de consumidores ou de utentes da justiça, dois pelo Conselho Económico e Social. O Presidente será cooptado por decisão maioritária dos restantes vogais. As regras constam dos artigos 69.º-A e seguintes do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Esta Comissão tem poder disciplinar sobre os agentes de execução que podem ser, além de solicitadores, também advogados. De acordo com o artigo 69.º-A, a Comissão tem funções de acesso e admissão a estágio, avaliação dos agentes de execução estagiários e de disciplina dos agentes de execução. São funções extraordinariamente importantes e decisivas quando se abre tanto o espaço de autonomia dos agentes de execução.
O funcionamento desta Comissão em termos adequados é absolutamente fulcral para o sucesso da nova reforma da acção executiva. O Estado tem de assumir aqui, pela via do controlo, as funções públicas que delegou em agentes privados de execução. Este aspecto é muito importante e não pode deixar de ser realçado. Porque – repare-se – conferiu-se maiores poderes ao agente de execução e, em simultâneo, colocou-se este agente de execução na dependência do exequente que o pode destituir livremente. São imediatas as preocupações de independência face ao exequente.
Não julgo que seja uma má opção em termos de política legislativa, na medida em que o interessado em fazer prosseguir a acção executiva é o exequente. Mas é um regime perigoso porque a tentação está muito, muito perto. O Estado pode demitir-se de exercer as funções, mas não pode, obviamente, deixar de controlar. O medo que o guarda venha (que é o que verdadeiramente guarda a vinha) é, assim, essencial.
Já anteriormente escrevi sobre a relação entre juiz e agente de execução, tendo defendido uma configuração algo limitado do então constante da lei poder geral de controlo.[2] Ao reler esse texto e tentando reconfigurar a relação entre estes dois sujeitos processuais face à nova lei, concluo que nada de especial mudou. Parece-me que a inexistência da previsão do poder geral de controlo não impede o juiz, por exemplo, de analisar o processo (quando o receba por uma das razões previstas no artigo 809.º) e, detectando alguma ilegalidade, a corrigir. Tal poder oficioso está, aliás, expressamente previsto no artigo 820.º - é certo que apenas quanto aos fundamentos do despacho liminar, mas deve ser alargado a todas as restantes nulidades.
3. Passemos agora à segunda parte da minha intervenção, dedicada aos aspectos específicos do nosso regime.
Na fase liminar do processo, deve começar por chamar-se a atenção para a alteração da competência para a recusa do processo. Até agora tal função cabia à secretaria, nos termos do artigo 811.º passa a caber ao agente de execução. Esta modificação leva-nos a perceber melhor a grande mudança na fase inicial, de alguma forma escondida na parte final do n.º 7 do artigo 810.º - o processo dá entrada no tribunal, mas não há lugar a autuação, seguindo directa e electronicamente para o agente de execução.
O agente de execução faz, assim, a triagem do processo, decidindo se o recusa, se o envia para despacho liminar, se inicia de imediato a penhora.
Entrando agora especificamente nas normas relativas à tramitação processual inicial, foram revogados os artigos 812.º a 812.º-B. As regras constantes desses preceitos passaram a constar dos artigos 812.º-C a 812.º-F, numa opção legislativa que não se compreende – deixam-se vazios os artigos 812.º a 812.º-B e começa-se no C. Mas enfim, não choremos, preocupemo-nos antes em vender os lenços.
O artigo 812.º-C estabelece os casos em que não há despacho liminar, nem citação prévia, iniciando-se o processo imediatamente com a penhora. São, no essencial, as mesmas situações que constavam do anterior artigo 812.º-A. nesta norma: sentença judicial e arbitral, injunção, documentos autênticos e particulares com certos requisitos.
Pode colocar-se no âmbito desta norma uma dúvida: antes permitia-se a dispensa de despacho liminar e de citação prévia quando o título executivo era um documento relativo a obrigação pecuniária vencida. Havia porém uma limitação – não se poderia penhorar imediatamente imóvel ou estabelecimento comercial ou direito real menor que sobre eles incidisse.
A nova formulação desta alínea, constante do artigo 812.º-C, eliminou o imóvel, permitindo, portanto, a penhora imediata deste quando o título executivo é documento particular de montante até à alçada do tribunal da relação. A dúvida subsiste, porém, porque o legislador eliminou imóvel, mas manteve o plural no direito real menor que sobre eles incida. Este eles referia-se ao imóvel e ao estabelecimento comercial. Agora saindo da letra da lei o imóvel aquele plural não faz sentido. Há portanto um lapso nesta norma que pode ser um de dois: ou caiu sem intenção o imóvel ou o legislador esqueceu-se de mudar para o singular o artigo. Parece-me que esta última opção é a que encontra maior correspondência verbal com o texto da lei, sendo por isso a preferível. Assim, pode penhorar-se sem citação prévia ou despacho liminar, bem imóvel sendo o título executivo documento particular de obrigação vencida de valor não superior à alçada da relação.
O artigo seguinte – 812.ºD trata os casos em que há despacho liminar. Serão objecto de despacho liminar aqueles processos que constam das previsões específicas desta norma. Encontramos aqui situações como a do devedor subsidiário, da obrigação inexigível, de alguns títulos executivos especiais (arrendamento e condomínio). Também neste preceito está prevista a possibilidade de o agente de execução suscitar a intervenção do juiz de execução quando desconfie da ocorrência de excepções dilatórias ou, sendo o título negocial, de excepções peremptórias. Esta possibilidade era anteriormente concedida à secretaria, mas como se disse já, esta agora não tem qualquer função nesta fase inicial do processo.
O artigo 812.º-E contém as situações em que, sendo o processo levado ao juiz nos termos do artigo anterior, este deve indeferir liminarmente. Nada aqui de muito diferente em relação ao regime anterior.
Por último, o artigo 812.º-F trata a citação prévia e sua dispensa, consagrando como regra que havendo dispensa de despacho liminar, há também dispensa de citação prévia. Donde se deduz, a contrario, que havendo despacho liminar haverá citação prévia.
O n.º 2 deste artigo contém uma regra de difícil interpretação – diz que em certos casos nos processos remetidos ao juiz para despacho (nos termos do 812.º-D), há sempre citação prévia sem necessidade de despacho. Ou seja, o processo vai a despacho, mas afinal não há despacho apenas citação prévia. Será isto? Não faz qualquer sentido. O processo vai para despacho, mas não há despacho? É o agente de execução que em simultâneo envia para despacho e cita previamente? Não pode ser. Acresce que os casos que aqui estão previstos não encaixam nos do artigo 812º-D, isto é, há situações que aqui estão previstas que não estão na norma que obriga ao despacho liminar. Por exemplo, o caso das execuções fundadas em título extra-judicial de empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada para garantia (alínea d) do n.º 2 do artigo 812.º-F).
O texto desta norma é, assim, incoerente. Julgo que o único sentido possível numa sua leitura é eliminar a parte inicial «nos processos remetidos ao juiz pelo agente de execução para despacho liminar nos termos do artigo 812.º-D» e aceitar que a norma apenas diz: “há sempre citação prévia, sem necessidade de despacho do juiz (…)”
Recapitulemos então as regras destes preceitos. O primeiro, C, estabelece casos em que certos títulos dispensam despacho liminar e citação prrévia, O segundo, D, consagra alguns casos em que há despacho liminar. O terceiro, E, refere as situações em que o juiz indefere liminarmente. O quarto, F, estatui os casos em que há citação prévia e em que é possível a sua dispensa.
Todas estas regras são excepções – estão previstas para casos especificamente determinados na sua letra. E o problema é que não há nenhuma regra geral. Parece que o legislador se esqueceu!
Pensemos que tenho para executar uma letra no valor de 50.000€. O agente de execução recebe este processo executivo e o que faz? Não há dispensa de despacho liminar porque não cabe em nenhuma das alíneas do artigo 812.º-C. Não há despacho liminar porque não cabe em nenhuma das alíneas do artigo 812.º-D. Não há citação prévia porque não cabe em nenhumas das alíneas do artigo 812.ºF n.º 2 (este resultado é o mesmo que se interprete esta norma como dependente do artigo 812.º-D, quer não).
Não há regra, portanto. O legislador terá estado apenas preocupado com os casos especiais, esquecendo que nem todos caberiam nestes. É certo que as execuções fundadas nos títulos referidos no artigo 812.º-C são as mais numerosas, mas também é verdade que outras existem, sendo necessário estipular uma regra subsidiária.
Na falta de regra geral, parece-me que a melhor solução é recuperar a regra antiga – despacho liminar e citação prévia. Era a solução prevista no revogado artigo 812.º. Por outro lado, é a solução que oferece maiores garantias, pelo que, à cautela, deve ser a seguida pelo agente de execução. Assim, em execuções de títulos que não preencham os requisitos dos artigos 812.º-C e seguintes, o agente de execução deve enviar o processo para despacho liminar e deve ser o executado previamente citado.
Para terminar a fase liminar, não posso deixar de chamar a atenção para um outro problema. É claro que o legislador tem a ideia que a grande maioria das execuções seguirá a tramitação do artigo 812.º-C, isto é, dispensa de despacho liminar e citação prévia, logo, penhora imediata. No entanto, o artigo 834.º - que referirei mais à frente – estabelece que a penhora deve começar pelos saldos bancários. Esta ordem parece ser, ainda que tendencialmente, obrigatória. Ora, de acordo com o artigo 861.º-A a penhora de saldos bancários exige despacho judicial. O que significa, portanto, que todos os processos têm de que ir ao juiz, que afinal há sempre despacho liminar. Isto é em absoluto contraditório e tem de ser corrigido.
A exigência de despacho judicial para a penhora de saldos bancários relaciona-se com a regra de que o sigilo bancário só pode ser levantado através de intervenção judicial. Como se ouvem notícias de que tal regra vai mudar, pode ter-se esperança que haja aqui uma consequência directa, caindo a necessidade deste despacho. Mas, até lá, a regra é esta.
Passemos agora em frente, entrando na matéria da oposição à execução.
A importante alteração aqui é a da equiparação da injunção à sentença arbitral para efeitos de oposição. A regra consta do artigo 814.º, agora num novo n.º2. Esta equiparação traz dois problemas. Em primeiro lugar a interpretação da expressão “desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.” Este é o requisito para que o requerimento de injunção no qual tenha sido oposto a fórmula executória esteja sujeito às mesmas regras de oposição à execução que a sentença. Como se sabe, a oposição à execução de sentença tem fundamentos limitados, o que não acontece com a oposição aos outros títulos executivos. Até esta reforma, a doutrina equiparava a injunção aos outros títulos e não à sentença. Aplicava-lhe, portanto, a regra prevista no artigo 816.º, a da admissibilidade de alegação de todos e quaisquer fundamentos de oposição.
Como se sabe, o procedimento de injunção admite sempre oposição do requerido. Tal é o que consta do regime do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro (artigo 12.º do Anexo). Se esta expressão do CPC significa o que está no regime da injunção parece-me de todo inútil.
Significaria, pois, que os requerimentos de injunção com aposição da fórmula executória seriam sempre equiparados à sentença. Ora, tendo em conta que não é possível alegar em oposição excepções peremptórias anteriores à aposição da fórmula executória, a conclusão só pode ser a de que na injunção há um efeito cominatório pleno pela não dedução de oposição no procedimento de injunção.
Ou seja, apresentado um requerimento de injunção e não sendo este contestado, o requerido é condenado sem hipótese mais de se defender. É um efeito cominatório que não existe no processo civil e onde, repare-se, há sentença e, logo, intervenção judicial.
Um efeito cominatório pleno aliado a uma força de caso julgado num procedimento para-judicial parece-me forçar muito o direito a um processo justo, direito fundamental consagrado na Constituição Portuguesa. É que nem sequer há processo.
Julgo que é defensável uma restrição a esta norma, consagrando que são alegáveis fundamentos que seriam de conhecimento oficioso na acção declarativa. Imaginemos um contrato com cláusulas contratuais gerais nulas por violação da legislação respectiva. Se esta acção desse entrada como acção declarativa, tal nulidade poderia ser aferida pelo juiz e determinar a absolvição do pedido. Não faz sentido que numa situação exactamente igual, a consequência se der entrada uma injunção, seja mais gravosa. Haveria aqui uma discrepância inadmissível no ordenamento jurídico. Assim, julgo que é defensável a alegação em oposição à execução de fundamentos materiais de conhecimento oficioso mesmo que anteriores ao decurso do prazo para oposição à injunção. Com esta interpretação consegue-se colocar ao mesmo nível acção declarativa e procedimento de injunção no que às garantias jurisdicionais diz respeito.
Tal interpretação pode ainda ser sustentada com fundamento no artigo 820.º que permite ao juiz o conhecimento oficioso de excepções peremptórias quando a execução se funda em título executivo negocial. É certo que a injunção não é um título executivo negocial, mas a lógica, a ratio é a mesma: impedir a execução de obrigações manifestamente inexistentes, ineficazes ou inválidas.
Queria chamar a atenção para um aspecto que não foi alterado pela reforma, mas julgo merecer alguma atenção: o efeito suspensivo da oposição à execução apenas se verifica quando há penhora. Não havendo penhora, a execução não se suspende tendo como limite o pagamento – nenhum credor pode obter pagamento. Esta regra cria uma distorção entre as execuções: das duas umas, ou suspendia-se a execução a partir do momento em que há penhora; ou apenas se impedia o pagamento, continuando a execução até esse momento.
Entramos agora na fase da penhora. A anotar alterações aos artigos 832.º e seguintes, introduzindo bastantes regras novas com vista à preparação da penhora.
O artigo 833.º-A n.º1 determina que o agente de execução inicia a penhora pelos bens indicados pelo exequente no requerimento executivo, desde que sejam depósitos bancários, rendimentos periódicos, valores mobiliários ou móveis sujeitos a registo. Só na falta de indicação deste tipo de bens deverá investigar a existência de outros.
Para essa investigação, estipula o artigo 833.º-A n.º2 a não necessidade de autorização judicial para a consulta de bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes. O preceito prevê um regime de consultas directas a essas bases de dados, através de um sistema a definir por portaria. A consulta de outros dados sujeitos a regime de confidencialidade depende já de despacho judicial de autorização.
Esta alteração poderá significar uma contribuição muito importante para uma maior eficácia das execuções.
De salientar ainda no âmbito das diligências prévias à penhora a notificação do exequente quando se encontram bens penhoráveis. Só após esta notificação e se o exequente se não opuser em 5 dias, o agente deverá penhorar. Tal regra está prevista no artigo 833º-B n.º 2. Notamos aqui o reforço da dependência do processo, do seu controlo, pelo exequente. Sem dúvida uma tendência do diploma em análise.
Uma outra inovação importante da reforma é a que diz respeito à ordem de realização da penhora. Até agora o agente de execução decidia, de acordo com critérios de proporcionalidade e adequação, quais os bens a penhorar. Esta clausula geral foi revogada, passando o artigo 834.º a conter uma ordenação obrigatória dos bens a penhorar. Assim, a penhora começa pelos saldos bancários, passa depois para as rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros créditos, em terceiro lugar há penhora de títulos e valores mobiliários, em quarto de bens móveis sujeitos a registo e por fim a penhora de quaisquer bens cujo valor pecuniário seja de fácil realização ou se mostre adequado ao montante do crédito do exequente. Não se deve esquecer que se mantém a excepção dos bens onerados com garantia real, por onde obrigatoriamente começa a execução da dívida com garantia real (artigo 835.º).
É uma regra que impõe nesta matéria alguma rigidez, em movimento contrário ao que estava aí previsto anteriormente. Aliás, a regra teve uma formulação semelhante num projecto da anterior reforma (a de 2003) e foi abandonado por se ter entendido que impor uma ordem poderia atrasar e complicar o processo, por obrigar o agente de execução a procurar exaustivamente bens do tipo anterior. Julgo que se deve dar aqui algum relevo ao advérbio de modo preferencialmente. Diz o proémio deste preceito que o agente de execução deve efectuar a penhora dos bens preferencialmente pela ordem que se segue. Ora, se é preferencialmente não é obrigatoriamente, pelo que haverá ainda possibilidade de alguma flexibilidade para o agente de execução. Não muita, mas alguma.
No mínimo, a regra deve ser entendida como não constituindo um fundamento de oposição à penhora, sob pena, aí sim, de introduzirmos na execução um meio simples de dilação prsocessual e uma complexidade acrescida para o agente de execução.
Se a intenção foi limitar de alguma forma os poderes do agente de execução, poderíamos ainda sustentar a interpretação de que era fundamento de defesa do executado. Já se a intenção do legislador foi consagrar instrumentos de celeridade processual, não faz sentido ver aqui uma oportunidade de defesa do executado. Parece-me que, indubitavelmente, é esta segunda interpretação a mais coerente com o espírito da lei.
Uma outra alteração diz respeito aos famigerados relatórios de frustração da penhora previstos no artigo 837.º. Esta norma passou a ter como epígrafe dever de informação e está regulamentada na Portaria 331.º-B/2009, de 30 de Março. Pelo que consigo perceber da leitura do seu artigo 10º, este dever de informação consiste na disponibilização de informação electrónica em sites a que o exequente tem acesso.
Entremos, agora, na tramitação da penhora, isto é, nas regras sobre como é feita a penhora. Começando pelos imóveis, é de analisar as regras relativas ao auxílio da força policial. Pode parecer uma minudência, mas na prática, no dia-a-dia de quem penhora não é de todo um aspecto sem importância.
Diz-nos o novo n.º 2 do artigo 840.º que o agente de execução pode solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais quando seja oposta alguma resistência. Já porém se as portas estiverem fechadas ou haja receio justificado de resistência é necessário pedir ao juiz o auxílio das autoridades.
Interessa perceber como funciona afinal a relação entre agente de execução e autoridades policiais. Está prevista aqui uma portaria que não se encontra ainda publicada. Seja como for, essa portaria não pode contrariar as regras legais.
Ora, pelo que se percebe a diferença está entre existir a resistência e haver receio de que ela exista. Se houver resistência o agente de execução pode pedir directamente o auxílio das forças policiais. Já se houver apenas receio que haja resistência ou que as portas se encontrem fechadas, será necessária prévia autorização judicial. Parece-me um sistema algo contraditório e que poderá levantar problemas na prática. Quem irá aferir se foi oposta resistência ou se há apenas receio? A polícia? Será esta a decidir se vai ou não sem o despacho em função daquilo que o agente de execução lhe disser? É um pouco ou muito estranho.
Atenção porque estas regras aplicam-se também à penhora de móveis, nos termos da disposição remissiva constante do artigo 848.º n.º3.
Uma alteração em que vale a pena atentar, ainda que por breves segundos, é a constante do artigo 861.º n.º4 – na penhora de rendimentos periódicos, onde se incluem rendas, abonos, vencimentos e salários, assim que passar o prazo para oposição ou seja julgada improcedente, o agente de execução entrega ao exequente os montantes cobrados. Na formulação anterior, tal entrega estava dependente de requerimento do exequente.
Na fase seguinte do processo executivo – relativa às citações e concurso de credores – há também importantes alterações a ter em consideração. Nos termos do artigo 864.º n.º4, as citações às Finanças e à Segurança Social são feitas através de sítio na internet. Trata-se de simplificação muito importante e interessante no procedimento, sendo vantajosa, segundo me posso aperceber, para todas as partes.
Foi introduzida uma nova modalidade de venda – a venda em leilão electrónico que vem alterar o jogo das modalidades de venda. Não é possível agora, porém, analisá-la com mais pormenor.
Para terminar, apenas uma palavra para uma novidade deste diploma: a possibilidade de execução imediata de sentença. Tal possibilidade está prevista no artigo 675.º-A. Traduz-se na possibilidade de o autor pedir ainda na pendência da acção declarativa a execução da sentença que foi ou vier a ser proferida no processo. Feito o requerimento, a execução inicia-se por apenso de forma electrónica e automática. Se o executado cumprir a obrigação, o exequente tem o dever de informar imediatamente o tribunal, com isso se extinguindo a execução.
Muito obrigada pela atenção.
[1] Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
[2] Poder Geral de Controlo, in Sub-Judice – Justiça e Sociedade, 2004, N.º 29, Coimbra, p. 11-21.
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