terça-feira, 10 de março de 2009

O PROVIMENTO DE LUGARES EM JUÍZOS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA NA NOVA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA



Fui o autor de um texto divulgado no âmbito da campanha eleitoral para os órgãos da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que mereceu um comentário simpático e pertinente por parte do administrador do blog “Forum Familiae” sobre um determinado segmento daquele texto que reproduzo agora: - “… os colegas do Algarve mostraram que um modelo de acesso e de progressão na carreira que não privilegie a experiência de julgar e que assente em modelos académicos é injusto e desigual porque os exclui à partida e apenas por meras circunstâncias geográficas.”

Com efeito, essa realidade foi referida pelos juízes do Algarve com muita pertinência mas a verdade é que a mesma não deixa de ser sentida pelos juízes da Madeira, dos Açores, de Bragança, de Vila Real, de Portalegre, da Guarda, enfim, de todos aqueles que não exercem funções ou residem próximo de uma cidade onde esteja instalada uma Faculdade de Direito.

E porquê ?

Pela simples razão de que o legislador passou a prever que o provimento em lugares de competência especializada dependa da obtenção do título de mestre ou Doutor em Direito na respectiva área de especialização mesmo que esse magistrado tenha exercido funções nessa área pelo menos durante três anos (artigo 44.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redacção dada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

Contudo, a formação universitária, pela sua natureza e características, não se encontra vocacionada para a formação específica que impõe a actividade de julgar.

É fácil explicar esta realidade com o exemplo prático da jurisdição de família e das crianças que não faz parte dos currículos académicos de algumas faculdades de Direito e, quando o faz, não faculta a formação que seria adequada e exigida para o exercício da função de decidir e julgar sobre o caso concreto.

Acresce que o próprio legislador contradiz-se quando cria um juízo misto do trabalho e de família e menores e depois exige uma formação especializada para a ocupação deste lugar.
Que formação deverá ter este juiz ? Um Mestrado em Direito do Trabalho e um Doutoramento em Direito da Família e Menores ? Ou o inverso ?

A solução prevista na lei é também particularmente injusta porque não coloca em pé de igualdade um juiz que resida em Lisboa, no Porto ou em Coimbra e um juiz que resida no Algarve, na Madeira, nos Açores ou em qualquer outro lugar que não disponha de Faculdade de Direito.

Mas é também errada na medida em que essa obrigação de formação universitária não introduz qualquer melhoria no exercício da função de julgar, particularmente vocacionada para a decisão do caso concreto, manifestamente diferente da formação académica e abstracta que é característica do ensino universitário.

Reconheço ser positivo que um juiz pretenda obter um grau de mestre ou Doutor em Direito numa determinada área universitária, sem que isso seja susceptível de prejudicar o exercício da função de julgar, na medida em que essa habilitação melhora a sua formação pessoal e pode constituir factor de satisfação individual e profissional.

Mas já não reconheço que essa habilitação seja considerada mais importante do que aquilo que constitui o especial múnus do trabalho do juiz e que é a experiência de julgar e de decidir o caso concreto, que nenhuma faculdade é capaz de ensinar.

Por outro lado, a formação universitária não tem a virtualidade de abarcar todas as áreas de trabalho que um juiz que pretenda obter colocação em jurisdição especializada necessita adquirir para que seja uma mais valia.
Pela própria natureza das coisas, uma habilitação de mestrado ou doutoramento incidirá sobre uma questão específica que constituirá apenas um simples “copo de água” na imensidão do oceano que são algumas jurisdições especializadas (trabalho, comércio, família e menores, propriedade industrial, instrução criminal, etc).
Só a formação permanente dos juízes, assegurada pelo estabelecimento vocacionado para o efeito (o Centro de Estudos Judiciários), sob a égide do Conselho Superior da Magistratura, assegurando a plena igualdade de acesso de todos os magistrados, se mostra capaz de dar cumprimento aos objectivos que se pretendem com a exigência de uma formação especializada aos juízes de determinados tribunais e que é particularmente cara aos juízes da família e menores.

É essa realidade que os juízes do Algarve expressaram com toda a pertinência e que encontrou eco nos juízes da Região Autónoma da Madeira, particularmente junto daqueles que exercem funções em jurisdições especializadas e que também não compreendem como foi possível aceitar esta condição para o provimento em lugares especializados.

É essa realidade que recuso aceitar e que irei repudiar, com a certeza de que não estou sozinho nesta ideia.


António José Fialho
Juiz de Direito
Tribunal de Família e Menores do Barreiro

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