sábado, 10 de janeiro de 2009

CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO (REMESSA DO PROCESSO)

Ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.º 4 da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, têm sido remetidos ao Tribunal de Família e Menores do Barreiro processos de promoção e protecção em que a decisão aplicada ao menor foi de confiança judicial com vista a futura adopção (artigo 35.º, n.º 1, alínea g), da referida Lei), justificada pela circunstância de terem sido seleccionados candidatos a adopção pessoas residentes na área de jurisdição deste Tribunal de Família e Menores e que, por via da entrega do menor a estes, havia sido transferida a curadoria provisória e a criança havia passado a integrar o domicílio daqueles candidatos.
Sendo este espaço também um local de discussão dos temas relacionados com a jurisdição de família e menores, julgamos dever dar o nosso contributo para esta questão.

A medida de confiança judicial com vista a futura adopção não está sujeita a revisão (artigo 62.º-A, n.º 1 da mesma Lei).
Por seu turno, até ser instaurado o processo de adopção, o tribunal solicita, de seis em seis meses, informação ao organismo de segurança social sobre os procedimentos em curso com vista à adopção (n.º 3 do mesmo artigo).
Quando tenha sido aplicada medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção, o processo de promoção e protecção é apensado ao de adopção (artigo 173.º-G da Organização Tutelar de Menores, na redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto).
O pedido de adopção deve ser formulado no tribunal da residência do menor no momento em que este for instaurado (artigo 155.º da Organização Tutelar de Menores) o que significa que, caso o processo de promoção e protecção onde foi aplicada a medida de confiança judicial com vista a futura adopção tenha corrido termos num determinado tribunal, sendo formulado pedido de adopção, aquele será sempre remetido para apensação ao processo de adopção.
Mas será que isso justifica que, não tendo sido formulado pedido de adopção em nenhum tribunal, o processo de promoção e protecção possa ser remetido ao tribunal do local de residência dos candidatos à adopção a quem foi entregue a criança ? - Sem qualquer dúvida e respeitando opinião diversa, a resposta deve ser negativa.
O artigo 79.º, n.º 4 da Lei de Promoção e Protecção pressupõe que se após a aplicação da medida, a criança ou o jovem mudar de residência por período superior a três meses, o processo é remetido ao tribunal da área da nova residência, estabelecendo uma excepção ao princípio geral da irrelevância das modificações de facto que ocorram posteriormente ao momento da instauração do processo.
A “opção do legislador tem subjacente a ideia de que o tribunal da área da nova residência é o mais apto para verificar o acompanhamento da medida, sua revisão, alteração ou cessação” (Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, 5.ª edição, pg. 133).
Como se afirmou, a medida de promoção e protecção de confiança judicial com vista a futura adopção não está sujeita a revisão (artigo 62.º-A da referida Lei) pelo que, deste modo, não se vislumbra qualquer fundamento para que ocorra a sua remessa para outro tribunal ao abrigo do n.º 4 do artigo 79.º da mesma Lei.
É certo que, em situações limite, a decisão que aplicou a medida de confiança judicial com vista a futura adopção pode ser objecto de revisão, designadamente nos casos em que a criança, por qualquer motivo, não chegue a ser adoptada (sobre este assunto, autor e obra citada, pg. 113).
Mas a verdade é que, por um lado, estas situações, em bom rigor, não implicam a alteração da residência da criança ou do jovem mas sim a ocorrência de factos supervenientes que impedem a concretização da adopção e, desta forma, a necessidade de eventual avaliação pelo tribunal da nova situação e a substituição da medida aplicada por outra que se considere mais adequada, nomeadamente a entrega a outra pessoa seleccionada para adopção ou a instituição (se o seu projecto de vida for o da adopção) ou da instauração de tutela (artigo 167.º, n.º 1 da Organização Tutelar de Menores).
Para melhor compreensão desta situação, nada melhor do que um exemplo: - imaginemos que um determinado tribunal aplica a uma criança medida de promoção de confiança judicial com vista a adopção e que, posteriormente, na sequência dos procedimentos instaurados junto da segurança social, são seleccionados para adopção candidatos que não residem na mesma área daquele tribunal e a quem a criança é entregue e transferida a curadoria provisória.
Se estes candidatos vierem a requerer a adopção daquela criança no tribunal da sua área de residência, este deverá solicitar para apensação o processo de promoção e protecção e, caso a adopção seja viável, decretar a adopção da criança, cessando assim as consequências da decisão que determinou a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.
Mas, se por qualquer motivo, os candidatos a adopção desistirem da adopção e reiniciarem-se os procedimentos junto da segurança social para entrega a outros candidatos (que até podem residir numa área de residência diversa de qualquer um dos tribunais supra referidos), deve ser num outro tribunal que o pedido de adopção deve ser requerido e deve ser este a solicitar para apensação o processo de promoção e protecção.
Ou seja, por um lado, quando o tribunal que decidiu aplicar a medida de promoção e protecção tem conhecimento de que a criança foi entregue a determinados candidatos e transferida a curadoria provisória, não é certo que sejam esses candidatos a requerer a adopção e, por outro lado, não sendo a decisão que aplica medida de confiança judicial com vista a futura adopção sujeita a revisão, não são aplicáveis a esta as razões subjacentes ao n.º 4 do artigo 79.º da Lei de Promoção e Protecção uma vez que existem regras especiais relativas à tramitação ulterior deste processo.
Assim sendo, sendo aplicada medida de promoção e protecção de confiança judicial com vista a futura adopção, e porque esta medida se mantém até à adopção ou instituição da tutela da criança, não estando, por isso, sujeita a revisão nos termos do artigo 62.º da Lei de Promoção e Protecção, é-lhe absolutamente inaplicável o disposto no n.º 4 do artigo 79.º, pelo que deve o processo aguardar no tribunal onde foi aplicada essa medida até ser pedida a sua remessa para apensação, em consequência de pedido de adopção formulado no mesmo ou noutro tribunal, sem prejuízo do dever de acompanhamento da execução da medida junto da segurança social (artigo 62.º-A, n.º 3 da Lei de Promoção e Protecção).

António José Fialho
(Juiz de Direito)

1 comentário:

jaime roriz disse...

As minhas desculpas por escrever numa caixa de comentários, mas na ausência de um mail para escrever este blog creio que esta é a única forma. Como autor do blog parentalidades verifiquei, com agrado, que visitaram o blog e que o colocaram nos links do vosso prestigiado blog. Agradeço o facto e retribuo. Creiam-me sempre ao vosso dispor. O blog que dirigem é uma lufada de ar fresco.
Jaime Roriz ( correio@jaimeroriz.com )