sábado, 24 de janeiro de 2009

FILHOS DE PAIS SEM TEMPO


O Expresso publica hoje um artigo assinado pela jornalista Maria Barbosa com o título “A quem servem as creches a funcionar até à meia-noite” e que julgamos justificar algumas reflexões e comentários.
Nesse artigo, são referenciadas algumas histórias de crianças e dos seus progenitores que se vêm obrigados a deixar os filhos em creches até muito tarde, alguns deles com pernoita, por não disporem de outra alternativa familiar (particularmente os avós).

Esta é uma realidade que vai afectando, de forma significativa, cada vez mais casais ou progenitores que têm os filhos a seu cargo e que, por razões profissionais ou outras, são obrigados a procurar uma solução para deixar os filhos quando necessitam de trabalhar ou de realizar outras actividades para além das horas normais de funcionamento das creches ou jardins de infância.

Assim, vai surgindo uma procura destes serviços de creche que funcionam até mais tarde ou mesmo durante a noite, com vista a satisfazer essa procura que vai surgindo cada vez com maior frequência.
São citadas as palavras de um pediatra que afirma "não ser indiferente à vontade dos casais se realizarem profissionalmente ao mesmo tempo mas, do ponto de vista do menor, deixá-lo a dormir numa creche, mesmo numa situação pontual, não deixa de ser perturbador".

Será difícil para quem não vive esta situação compreender as razões que estão por detrás desta opção ou necessidade dos progenitores em procurar este serviço de creche que se prolonga pela noite dentro.
Por um lado, Portugal não tem uma tradição de “baby-sitting”, a exemplo do que ocorre nos países anglo-saxónicos, em que jovens estudantes universitários realizam estas tarefas com vista a obter alguns proventos que os auxiliem nos estudos, existindo mesmo empresas que se responsabilizam e coordenam os serviços prestados por estes jovens.
Por outro lado, a crescente necessidade dos pais e mães conjugarem as suas responsabilidades parentais com as obrigações profissionais tem criado um desequilíbrio a favor destas últimas, até porque a perspectiva de carreira ou de simples manutenção do emprego também é visto como uma forma de garantir um melhor futuro para os filhos.
Mas a que preço ?

Há muitos anos atrás, particularmente em actividades de laboração contínua e onde a mão-de-obra feminina imperava, eram raras as empresas que não dispunham de creches, refeitórios ou serviços de apoio para as mães trabalhadoras.
Existia mesmo uma empresa na margem sul do Tejo (entre outras) que dispunha de um horário especial para as mães trabalhadoras que estavam a amamentar, permitindo-lhes interromper a prestação laboral durante esse período sem qualquer perda de retribuição ou de outro direito.
São poucas as empresas dos nossos dias que exercem actividades de funcionamento contínuo ou cujos horários de funcionamento se verifiquem até muito tarde que tenham estas preocupações de cariz social. Basta pensar nos empregados dos centros comerciais (que normalmente funcionam até perto da meia noite), nos funcionários de "call-center" ou nos empregados das grandes cadeias de distribuição alimentar que, normalmente, apenas têm como preocupação a manutenção do emprego e que são obrigados a conciliar este com a responsabilidade de criar os filhos sem que disponham de ajudas de familiares.

Nestes casos, até nem estamos a falar daqueles pais que necessitam de trabalhar até mais tarde porque a profissão a isso os obriga, ao contrário do que pode suceder com os pais que exercem funções de gestão ou administração de determinadas empresas, em quadros superiores especializados, nos advogados ou até mesmo nos magistrados pois, nestas situações, as motivações radicam nas perspectivas de carreira ou no exercício de uma profissão que obriga à realização da prestação de trabalho para além dos horários considerados aceitáveis.

Para todos estes progenitores que não dispõem de alternativas, a solução tem passado pela procura de creches que funcionem até mais tarde, como refere o artigo do Expresso.
Mas com que custos para os seus filhos ?

É aqui que afirmamos que as verdadeiras políticas de apoio às famílias não se fazem com alterações na lei do divórcio ou das responsabilidades parentais, na medida em que estas incidem já nos factores do conflito familiar.
As verdadeiras políticas de apoio às famílias fazem-se com a adopção de medidas, de carácter social ou laboral, que permitam aos pais estar mais tempo com os filhos, que não sejam obrigados a trabalhar tantas horas para garantir um melhor futuro aos filhos, que obriguem determinadas empresas a garantir condições de apoio social para pais e mães com horários de trabalho que sejam incompatíveis com uma vida familiar normal.

A experiência de outros países neste domínio tem demonstrado que as empresas que adoptam soluções destas melhoram a produtividade, ao facilitar a vida dos seus empregados em relação à família, particularmente quando existam filhos pequenos, em especial porque os pais não se sentem compelidos a faltar quando precisam para assistir aos filhos e, por outro lado, porque se sentem mais motivados a dirigir a sua atenção e concentração à actividade da empresa quando se encontram descansados em relação à questão de com quem são obrigados a deixar os filhos.

Finalmente, num momento em que deve constituir uma preocupação da comunidade o envelhecimento progressivo da população portuguesa, a adopção de políticas eficazes de apoio às famílias neste domínio também contribuirá para que os casais se sintam motivados a ter mais filhos ou a ter filhos mais cedo, com vista a diminuir a taxa de envelhecimento.


Afinal de contas, é através dos filhos que transmitimos a nossa herança genética e que deixamos a prova da nossa presença neste Mundo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Chegar a casa a horas de jantar é hoje, para muitos, um manifesto radical.