quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A JANGADA DA MEDUSA (THÉODORE GÉRICAULT)


“Se tudo na nossa existência é absurdo, o sofrimento é o que há de mais absurdo na Terra”
Jean Vercors




Em 17 de Junho de 1816, a fragata real “Medusa” saiu de França com destino a Saint-Louis, no Senegal, com a missão de tomar posse desta colónia na África Ocidental que havia passado para o domínio francês.

O navio era considerado como uma das mais modernas embarcações da época, seguindo a bordo o novo governador do Senegal, a sua família, soldados e a tripulação, bem como um conjunto de sessenta cientistas, num total de cerca de quatrocentas pessoas, talvez mais do que as condições do navio permitiam.

Ao comando da fragata “Medusa”, estava Hugues du Roy de Chaumareys, um oficial da Marinha francesa que havia estado cerca de vinte e cinco anos afastado do comando por imposição de Napoleão Bonaparte mas que agora regressava ao activo com o regresso da dinastia Bourbon.
Assim, foi uma nomeação motivada mais por factores políticos do que pela competência marítima daquele oficial.

Em 2 de Julho, com mar calmo e com boa visibilidade, a arrogância do capitão, as frequentes discussões com os oficiais e os sucessivos erros de navegação e de incompetência justificaram que a fragata encalhasse ao largo do Cabo Branco (entre as Canárias e Cabo Verde).

Para agravar a situação, o modo como foi organizada a evacuação foi um misto de pânico e de brutalidade uma vez que o governador, a sua família, o capitão e alguns oficiais ocuparam seis salva-vidas enquanto que 147 tripulantes não encontraram lugar, mediante a promessa de socorro dos que partiram e que não se verificou.

Os dias que se seguiram foram uma verdadeira luta pela sobrevivência na medida em que, no primeiro dia, terminaram as reservas de água e a única caixa de biscoitos, restando apenas para beber alguns barris de vinho.
Como se não bastasse, lutava-se ainda pela conquista de uma posição segura na jangada uma vez que os seus extremos ficavam frequentemente submersos, ocupando os oficiais a posição central.

Os relatos dos acontecimentos na jangada foram realizados mais tarde por dois sobreviventes, Henri Savigny, que viajava a bordo como médico, e por Alexandre Corréard, cartógrafo do grupo de cientistas que acompanhava o governador.

Na primeira noite, desapareceram cerca de vinte marinheiros enquanto que, na segunda noite, em consequência de um motim, os oficiais mataram 65 homens, aproveitando a oportunidade para ganhar espaço e uma melhor distribuição das reservas.
Ao fim de uma semana, restavam 28 sobreviventes embora, segundo os relatos do médico, apenas quinze estavam aptos a resistir já que, todos os outros tinham perdido a razão, sendo deliberado que fossem atirados ao mar depois da selecção efectuada pelo próprio Savigny.

São ainda relatados episódios de canibalismo entre os sobreviventes até que, cerca de treze dias depois, apareceu um barco.
Como a jangada tinha pouca elevação acima da linha de água, foi necessário empilhar barris e pendurar lenços de diversas cores, surgindo no centro do quadro pintado por Géricault um vulgar passageiro, Jean Charles, que viria a sucumbir na embarcação que os salvou por comer muito e depressa demais.

Apenas dez dos cento e quarenta e sete ocupantes da jangada da “Medusa” sobreviveram, o que causou um escândalo de tais proporções que levou à demissão do ministro e de cerca de duzentos oficiais da Marinha francesa.

Théodore Géricault pintou este quadro, agora exposto no Museu do Louvre, em Paris (
http://www.louvre.fr) com vista a apresentá-lo no Salão de Paris, em 1819.
A dinastia da Casa Bourbon tinha retomado o poder após a queda de Napoleão e este quadro apenas servia para relembrar um escândalo que a classe dominante pretendia esquecer, sendo talvez por isso que a obra não foi reconhecida pelos críticos da altura, levados mais por critérios políticos do que artísticos.

Foi uma obra em que o pintor se envolveu de forma muito intensa uma vez que chegou a reproduzir um modelo da jangada no estúdio, as dimensões do quadro (491 x 716 cm) obrigaram-no a procurar um local mais apropriado para o efeito e chegou a solicitar autorização para fazer esboços de doentes e moribundos em hospitais e manicómios próximos do estúdio com vista a conferir maior realismo ao seu trabalho.

Apesar da intenção de realismo e das conversas que teve com os dois sobreviventes (Savigny e Corréard), alguns pormenores da pintura não coincidem com o verdadeiro acontecimento uma vez que as figuras nunca poderiam mostrar músculos tão vincados, os corpos dos sobreviventes estariam necessariamente queimados do sol, a lividez dos cadáveres não seria a apresentada e seria impossível manter os cabelos cortados e a barba feita ao fim de tantos dias de privações.

O ênfase principal da composição está na jangada, sendo atribuída pouca importância à imensidão do mar, fugindo ao tradicional das cenas marítimas de grandes áreas dedicadas ao espaço marítimo e pessoas e barcos com dimensão reduzida.

A Jangada da Medusa é uma das obras mais importantes da pintura mundial e um testemunho poderoso do estado de alma do ser humano em sofrimento.

Através de uma pintura densa, de fortes contrastes de luz e sombra, o pintor representa os sentimentos de medo, de loucura e de presságio de morte que se fixam nos rostos dos náufragos, conferindo a toda a cena um intenso dramatismo.

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