domingo, 23 de novembro de 2008

COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS EM CASO DE NÃO HOMOLOGAÇÃO DOS ACORDOS QUE DEVEM INSTRUIR O PEDIDO DE DIVÓRCIO NA CONSERVATÓRIA


Artigo 1776.º-A
Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais

1 - Quando for apresentado acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória, para que este se pronuncie sobre o acordo no prazo de 30 dias.
2 - Caso o Ministério Público considere que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo neste último caso dada nova vista ao Ministério Público.
3 - Se o Ministério Público considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores ou tendo os cônjuges alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, segue-se o disposto na parte final do n.º 1 do artigo anterior.
4 - Nas situações em que os requerentes não se conformem com as alterações indicadas pelo Ministério Público e mantenham o propósito de se divorciar, aplica-se o disposto no artigo 1778.º.

Artigo 1778.º
Remessa para o tribunal

Se os acordos apresentados não acautelarem suficientemente os interesses de um dos cônjuges, e ainda no caso previsto no n.º 4 do artigo 1776.º-A, a homologação deve ser recusada e o processo de divórcio integralmente remetido ao tribunal de comarca a que pertença a conservatória, seguindo-se os termos previstos no artigo 1778.º-A, com as necessárias adaptações.



Introduzidas pelas alterações ao regime do divórcio e das responsabilidades parentais (Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro), esta nova redacção a estes artigos do Código Civil consagram o procedimento relativo ao divórcio por mútuo consentimento que corre na conservatória do registo civil e a tramitação subsequente à apresentação dos acordos sobre as responsabilidades parentais, no primeiro caso, ou à apresentação sobre a relação especificada dos bens comuns, sobre as responsabilidades parentais, sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça e sobre o destino da casa de morada de família (artigo 1775.º do Código Civil, na redacção conferida pela citada Lei n.º 61/2008).
Vejamos cada uma das situações
Assim, no primeiro caso, apresentado acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória para que este se pronuncie.
Nos termos do artigo 82.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), o tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria, caso esteja instalado, é o tribunal de competência especializada mista de família e menores.
Caso o Ministério Público considere que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo neste último caso enviado novamente ao Ministério Público para que se pronuncie.
Se o Ministério Público considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores ou tendo os cônjuges alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, o conservador decreta o divórcio (artigo 1776.º, n.º 1, “in fine” e 1776.º-A, n.º 3 do Código Civil).
Contudo, se os requerentes não se conformarem com as alterações indicadas pelo Ministério Público e mantiverem o propósito de se divorciarem, o conservador recusa a homologação do divórcio e o processo de divórcio é integralmente remetido ao tribunal da comarca a que pertença a conservatória (artigos 1778.º e 1776.º-A, n.º 4, ambos do Código Civil).
É consagrada uma redacção semelhante ao n.º 7 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 20-AR/2001, de 30 de Novembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro).
Em anotação a este artigo, esclarece Tomé d’Almeida Ramião (Divórcio por Mútuo Acordo - Anotado e Comentado, 7.ª edição, pgs. 109-110) que “é de sublinhar que, neste último caso, o legislador atribui competência ao tribunal da comarca da área da conservatória e não (…) ao tribunal competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória.
Fê-lo intencionalmente.
Donde, serem excluídos os tribunais de família e de menores, ainda que em funcionamento na área dessa conservatória.
Opção esta que se prende com o facto de ser atribuída competência exclusiva à conservatória do registo civil, em matéria de divórcio e separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento.
Essa competência é dos tribunais de comarca e, havendo juízos de competência especializada cível, destes (artigos 77.º, n.º 1, alínea a), e 94.º, ambos da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).”
Vejamos agora a segunda situação.
O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do regime civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado de um conjunto de acordos (em termos simples, relação dos bens comuns ou acordo sobre a partilha destes, sentença de regulação do exercício da responsabilidades parentais ou acordo de regulação deste exercício, acordo sobre a casa de morada de família e acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça).
Caso o conservador do registo civil entenda que os acordos apresentados não acautelem suficientemente os interesses de um dos cônjuges, a homologação deve ser recusada e o processo de divórcio é integralmente remetido para o tribunal de comarca a que pertença a conservatória.
Também aqui o legislador estabeleceu intencionalmente a competência do tribunal de comarca - e não do tribunal de 1.ª instância competente em razão da matéria - para prosseguir com o processo de divórcio nestes termos (artigos 1778.º e 1778.º-A, ambos do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008).
Por outro lado, nas situações em que a competência em matéria cível esteja atribuída em função da possibilidade de intervenção do tribunal colectivo (ou seja, entre varas cíveis e juízos cíveis), parece-nos que esta competência deve recair sobre estes últimos tribunais na medida em que os mecanismos de tramitação processual previstos no artigo 1778.º-A do Código Civil não fazem pressupor a possibilidade de intervenção do colectivo (artigo 97.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).
Solução que não se compreende face às sugestões oportunamente remetidas pelos representantes dos juízes para as quais fomos convidados a colaborar.
Solução manifestamente incompreensível quando é certo que o conjunto de conceitos indeterminados e as soluções inovadoras resultantes da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, aconselham a que a sua aplicação seja preferencialmente realizada por tribunais de competência especializada.
Criticamos esta solução não obstante a mesma poder vir a traduzir-se numa diminuição do trabalho dos tribunais de família e menores, demonstrando assim que aquilo que constitui a preocupação dos juízes não se traduz nas suas próprias regalias e privilégios mas sim em procurar soluções que permitam uma melhor administração da justiça que, neste caso, pressupõe o recurso a instâncias judiciais dotadas de maior especialização em função das matérias que lhes são colocadas.
Finalmente, e sem prejuízo de opinião diversa, pretendemos apenas alertar os aplicadores principais destas disposições normativas (que serão os advogados, os conservadores do registo civil e os juízes) para esta realidade que, por certo, terá ainda passado despercebida a alguns, face à manifesta incongruência desta solução que nem mesmo os espíritos mais prevenidos poderiam conjecturar.

2 comentários:

Unknown disse...

Dr Fialho remeto este pequeno texto que poderá publicar autonomamente ou como comentário ao artigo referido, como bem entender e se assim entender.
Um abraço.

DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
INTERVENÇÃO DO TRIBUNAL

Creio que deve ser efectuada interpretação correctiva, quer na norma do artº 1778º Código Civil, redacção da Lei 61/08, quer na norma do artº 14º, nº 7, DL 272/01, de 13.10.
Assim,quando nessas disposições legais se refere ao tribunal de comarca, deve entender-se tribunal de comarca competente em razão da matéria, em harmonia com o que dispõe a Lei nº 52/2003, de 28.8 e o que dispunha a Lei 3/99, de 13.01, quanto à organização judiciária dos tribunais.
Assim, estando instalado Tribunal de Família e Menores que abranja a localidade da Conservatória de Registo Civil onde foi apresentado o requerimento de divórcio, será para este que deverá ser remetido o processo e ali se deverá proceder aos termos subsequentes de acordo com o disposto no artº 1778º-A, Código Civil, com as devidas adaptações.
Caso o processo venha remetido pela Conservatória ao tribunal de comarca ou outro especializado ou específico, deve este remetê-lo ao respectivo Tribunal de Família competente materialmente.
Tal processo deverá ser distribuido na 1oª espécie como "outros papéis não classificados" e autuado como "Divórcio por Mútuo Consentimento".
Cremos que era a mesma a solução em virtude do disposto no artº 14º, nº 7, DL nº 272/01,não sendo plausível qualquer intenção do legislador desse diploma em conferir competência específica para essa questão ao tribunal de competência genérica tout court, mesmo havendo instalado Tribunal de Família. Aliás, uma interpretação diferente contraria o disposto no artº 81º, al. b) Lei 3/99, de 13.01 e seria organicamente incosntitucional, porquanto tal matéria não coube na respectiva autorização legislativa e constitui reserva relativa da Assembleia da República- artº 165º, nº 1, al p), CRP de 1976.
Esta é a minha interpretação, procurando a ratio legis e uma interpretação harmónica do sistema, à luz do disposto no artº 9º Código Civil.
Manuel Lopes Madeira Pinto
Juiz desembargador na Relação do Porto

Serviços do Tribunal de Família e Menores disse...

Dr. Madeira Pinto
Publico este texto nos comentários embora entenda que o legislador soube distinguir entre tribunal de família e menores e tribunal de comarca por duas ou três razões: - a primeira porque nós avisámos sobre essa diferença e a formulação manteve-se, a segunda porque já resultava da norma anterior do DL 272/2001 e a terceira porque a Lei n.º 61/2008 é uma lei da AR que pode sempre mexer na competência dos tribunais sem incorrer em inconsticionalidade.
Contudo, pela diversidade de opiniões, obrigado pelo seu comentário.