A redacção introduzida ao artigo 1905.º do Código Civil pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro (altera o regime jurídico do divórcio) não contempla a possibilidade de decisão do tribunal, em caso de falta de acordo ou de recusa de homologação do acordo dos progenitores.
Coloca-se então a questão de saber se quis o legislador afastar a decisão do tribunal nestes casos ou, se não foi essa a intenção, qual o motivo em prever apenas a forma consensual de definição do regime de alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar nos casos de divórcio ou separação judicial ?
Com a redacção anterior, na falta de acordo dos pais, o tribunal decidia sobre a atribuição de alimentos (e sobre o regime de guarda e contactos) de harmonia com o interesse do menor (n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil), previsão que agora foi eliminada e em que se parece ter esquecido que a mesma não dizia apenas respeito às relações de proximidade com o progenitor a quem o menor não fosse confiado ou a própria guarda do menor que agora são incluídos no artigo 1906.º.
Apesar do elemento puramente literal, não creio que tenha sido intenção do legislador impedir a decisão do tribunal em caso de falta de acordo dos pais quanto aos alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar, mais que não seja porque tal solução configuraria um impedimento injustificado no acesso aos tribunais para a resolução de conflitos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Por outro lado, a Organização Tutelar de Menores dispõe em relação ao conteúdo da sentença de regulação do exercício do poder paternal que este será decidido de acordo com os interesses do menor, podendo este ser confiado a qualquer dos pais, a terceira pessoa ou à guarda de estabelecimento de educação ou assistência, estabelecendo-se ainda um regime de visitas (artigo 180.º, n.os 1 e 2).
Conjugando a Lei n.º 61/2008 com a Organização Tutelar de Menores, verificamos que a regulação do exercício das responsabilidades parentais passa a englobar três questões essenciais: - exercício das responsabilidades parentais (em conjunto ou em exclusivo por um dos progenitores), a determinação da residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste (artigos 1906.º do Código Civil e 180.º da Organização Tutelar de Menores), ficando os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar a regular por acordo dos pais.
A acção de alimentos devidos a menores prevista no artigo 186.º da Organização Tutelar de Menores deve ser utilizada apenas quando esteja em causa a definição da prestação alimentar pois, quando existam outros elementos de desacordo entre os progenitores, o meio processual mais adequado será a acção de regulação do exercício do poder paternal em que as questões deverão ser todas resolvidas (neste sentido, Tomé Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 7.ª edição, anotação ao artigo 186.º).
Também não creio que o legislador tenha pretendido que o juiz, perante uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, decida apenas sobre este exercício e a fixação da residência do menor e dos direitos de visita e imponha que, em caso de desacordo entre os progenitores, tenha que ser instaurada autonomamente acção de alimentos devidos a menores.
Esta solução seria completamente inadequada na medida em que iria obrigar a uma verdadeira duplicação de acções e a uma sobrecarga no trabalho dos tribunais.
A interpretação das normas não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas[1] e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º do Código Civil).
É assim que, mais uma vez, terão que ser os tribunais a resolver as incoerências e omissões do legislador, sob pena de ficarem prejudicados os interesses dos filhos menores quando os progenitores não estejam de acordo na fixação dos alimentos ou o acordo celebrado entre estes com vista à homologação judicial não acautele os seus interesses.
Assim, no caso de não ser possível o acordo entre os progenitores na fixação dos alimentos devidos aos menores ou na forma de os prestar ou não acautelando o acordo celebrado o interesse daqueles, o juiz deverá fixar esses alimentos de acordo com as obrigações subjacentes às responsabilidades parentais (artigos 1878.º, n.º 1, 2003.º, 2004.º, 2005.º e 2009.º, alínea c), todos do Código Civil).
Com efeito, a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos subsiste mesmo que não sejam exercidas as responsabilidades parentais (artigo 1917.º do Código Civil) e se algum dos progenitores não a puder prestar por impossibilidade ou dificuldade, o encargo na prestação desses alimentos recai sobre os obrigados subsequentes (avós ou tios) (artigo 2009.º, n.º 3 do citado Código).
Por outro lado, os processos de regulação do poder paternal são considerados como processos de jurisdição voluntária, o que significa que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente (artigos 150.º da Organização Tutelar de Menores e 1410.º do Código de Processo Civil).
Compete aos tribunais de família e menores, em matéria tutelar cível, regular o exercício do poder paternal e as questões a este respeitantes e fixar os alimentos devidos aos menores (artigos 146.º, alíneas d), e e), da Organização Tutelar de Menores e 82.º, n.º 1, alíneas d), e e), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), competência esta extensiva aos tribunais judiciais de competência cível ou genérica quando não exista tribunal de família e menores (artigos 77.º, n.º 1, alínea a), e 94.º, ambos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
Assim sendo, não obstante o sentido estritamente literal, a previsão normativa constante do artigo 1905.º do Código Civil (na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro) não é susceptível de afastar a possibilidade de decisão heterónoma do tribunal quando os progenitores não cheguem a acordo sobre a fixação dos alimentos aos filhos menores ou o mesmo acordo não acautele os interesses dos filhos e, desta forma, deva a homologação judicial ser recusada.
Nesta situação, e por se tratar de questão que envolve o superior interesse dos filhos menores, deve o tribunal dirimir o conflito entre os progenitores que não souberam alcançar o acordo a que o legislador confere preferência mas não primazia na medida em que até mesmo a homologação judicial deste pode ser recusada pelo tribunal.
Coloca-se então a questão de saber se quis o legislador afastar a decisão do tribunal nestes casos ou, se não foi essa a intenção, qual o motivo em prever apenas a forma consensual de definição do regime de alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar nos casos de divórcio ou separação judicial ?
Com a redacção anterior, na falta de acordo dos pais, o tribunal decidia sobre a atribuição de alimentos (e sobre o regime de guarda e contactos) de harmonia com o interesse do menor (n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil), previsão que agora foi eliminada e em que se parece ter esquecido que a mesma não dizia apenas respeito às relações de proximidade com o progenitor a quem o menor não fosse confiado ou a própria guarda do menor que agora são incluídos no artigo 1906.º.
Apesar do elemento puramente literal, não creio que tenha sido intenção do legislador impedir a decisão do tribunal em caso de falta de acordo dos pais quanto aos alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar, mais que não seja porque tal solução configuraria um impedimento injustificado no acesso aos tribunais para a resolução de conflitos (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
Por outro lado, a Organização Tutelar de Menores dispõe em relação ao conteúdo da sentença de regulação do exercício do poder paternal que este será decidido de acordo com os interesses do menor, podendo este ser confiado a qualquer dos pais, a terceira pessoa ou à guarda de estabelecimento de educação ou assistência, estabelecendo-se ainda um regime de visitas (artigo 180.º, n.os 1 e 2).
Conjugando a Lei n.º 61/2008 com a Organização Tutelar de Menores, verificamos que a regulação do exercício das responsabilidades parentais passa a englobar três questões essenciais: - exercício das responsabilidades parentais (em conjunto ou em exclusivo por um dos progenitores), a determinação da residência do filho e os direitos de visita de acordo com os interesses deste (artigos 1906.º do Código Civil e 180.º da Organização Tutelar de Menores), ficando os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar a regular por acordo dos pais.
A acção de alimentos devidos a menores prevista no artigo 186.º da Organização Tutelar de Menores deve ser utilizada apenas quando esteja em causa a definição da prestação alimentar pois, quando existam outros elementos de desacordo entre os progenitores, o meio processual mais adequado será a acção de regulação do exercício do poder paternal em que as questões deverão ser todas resolvidas (neste sentido, Tomé Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada, 7.ª edição, anotação ao artigo 186.º).
Também não creio que o legislador tenha pretendido que o juiz, perante uma acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, decida apenas sobre este exercício e a fixação da residência do menor e dos direitos de visita e imponha que, em caso de desacordo entre os progenitores, tenha que ser instaurada autonomamente acção de alimentos devidos a menores.
Esta solução seria completamente inadequada na medida em que iria obrigar a uma verdadeira duplicação de acções e a uma sobrecarga no trabalho dos tribunais.
A interpretação das normas não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas[1] e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º do Código Civil).
É assim que, mais uma vez, terão que ser os tribunais a resolver as incoerências e omissões do legislador, sob pena de ficarem prejudicados os interesses dos filhos menores quando os progenitores não estejam de acordo na fixação dos alimentos ou o acordo celebrado entre estes com vista à homologação judicial não acautele os seus interesses.
Assim, no caso de não ser possível o acordo entre os progenitores na fixação dos alimentos devidos aos menores ou na forma de os prestar ou não acautelando o acordo celebrado o interesse daqueles, o juiz deverá fixar esses alimentos de acordo com as obrigações subjacentes às responsabilidades parentais (artigos 1878.º, n.º 1, 2003.º, 2004.º, 2005.º e 2009.º, alínea c), todos do Código Civil).
Com efeito, a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos subsiste mesmo que não sejam exercidas as responsabilidades parentais (artigo 1917.º do Código Civil) e se algum dos progenitores não a puder prestar por impossibilidade ou dificuldade, o encargo na prestação desses alimentos recai sobre os obrigados subsequentes (avós ou tios) (artigo 2009.º, n.º 3 do citado Código).
Por outro lado, os processos de regulação do poder paternal são considerados como processos de jurisdição voluntária, o que significa que o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente (artigos 150.º da Organização Tutelar de Menores e 1410.º do Código de Processo Civil).
Compete aos tribunais de família e menores, em matéria tutelar cível, regular o exercício do poder paternal e as questões a este respeitantes e fixar os alimentos devidos aos menores (artigos 146.º, alíneas d), e e), da Organização Tutelar de Menores e 82.º, n.º 1, alíneas d), e e), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), competência esta extensiva aos tribunais judiciais de competência cível ou genérica quando não exista tribunal de família e menores (artigos 77.º, n.º 1, alínea a), e 94.º, ambos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
Assim sendo, não obstante o sentido estritamente literal, a previsão normativa constante do artigo 1905.º do Código Civil (na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro) não é susceptível de afastar a possibilidade de decisão heterónoma do tribunal quando os progenitores não cheguem a acordo sobre a fixação dos alimentos aos filhos menores ou o mesmo acordo não acautele os interesses dos filhos e, desta forma, deva a homologação judicial ser recusada.
Nesta situação, e por se tratar de questão que envolve o superior interesse dos filhos menores, deve o tribunal dirimir o conflito entre os progenitores que não souberam alcançar o acordo a que o legislador confere preferência mas não primazia na medida em que até mesmo a homologação judicial deste pode ser recusada pelo tribunal.
António José Fialho (Juiz de Direito)
[1] Presunção cada vez mais ilidível.
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