quarta-feira, 22 de outubro de 2008

GUERNICA (PABLO PICASSO)


“Esta pintura não foi feita para decorar casas.
É um instrumento de guerra ofensivo e defensivo contra o inimigo”
Pablo Picasso



Com a implantação da Segunda República em Espanha, assistiu-se ao triunfo do “puro parlamentarismo”, com uma câmara única, um governo apoiado por uma confortável maioria republicano-socialista e assente no sufrágio universal.
A Constituição espanhola baseava-se no modelo de Weimar, as regiões podiam solicitar um estatuto de autonomia e o voto viria a ser alargado às mulheres e aos soldados.
Contudo, a República confrontava-se com problemas complexos e com uma crescente reorganização dos sectores conservadores os quais, mediante uma coligação de forças políticas, venceram as eleições em 1933, promovendo a ascensão de um conjunto de militares, entre os quais se encontrava o General Francisco Franco.
Em Fevereiro de 1936, a vitória eleitoral da Frente Popular alimentou as expectativas de reformas sociais profundas e encorajou a iniciativa expontânea das massas. Inversamente, a oligarquia agrária, a burguesia espanhola, o clero e a hierarquia militar convenceram-se da necessidade de abolir a democracia.
Na madrugada de 18 de Julho de 1936, ocorreu um levantamento militar em Marrocos, liderado pelo General Francisco Franco, o qual contava com o apoio da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini.
Com esse apoio, o que chegara a parecer um “putsch” militar sem possibilidades de sucesso, viria a tornar-se uma guerra civil de quase três anos e cerca de um milhão de mortos e, muito mais do que espanhola, essa guerra civil iria ser uma saga europeia e internacional.

O acontecimento durante a Guerra Civil de Espanha que inspirou este quadro de Pablo Picasso foi o bombardeamento executado por aviões da Legião Condor (da Alemanha nazi) sobre a cidade basca de Guernica, em 26 de Abril de 1937, por ordem do General Franco.
Entre os sete mil habitantes, contaram-se cerca de 1654 mortos e 889 feridos, sendo a destruição de Guernica a primeira demonstração da “técnica de bombardeamentos de saturação” que, mais tarde, viria a ser utilizada na 2.ª Guerra Mundial.

Em estilo cubista, a pintura foi executada sem o uso de cores, em preto e branco o que, por um lado, demonstra o sentimento de repúdio do artista em relação ao acontecimento mas também permite concluir que Picasso, morando em Paris, teve conhecimento dos factos através dos jornais e tenha resultado daqui a inspiração para a apresentação monocromática daquele facto.
A composição retrata as figuras ao estilo dos frisos dos templos gregos, através de um enquadramento triangular dos mesmos. O posicionamento diagonal da cabeça feminina, olhando para a esquerda, remete o observador a dirigir também o seu olhar da direita para esquerda, até à lanterna ainda acesa sobre um braço decepado e, finalmente, à representação da explosão de uma bomba.

Em primeiro plano, surge uma figura fragmentada com a cabeça cortada, à esquerda, e um braço também cortado, ao centro, agarrando uma espada quebrada, emblema da resistência. Junto a esta, encontra-se uma flor, como uma mensagem de esperança numa vida nova, apesar das tentativas do homem para a destruir constantemente.
A comovente delicadeza da flor parece aumentar o horror geral da cena caótica.

A representação de um touro no quadro é ambígua já que este não parece selvagem, estando a abanar o rabo, parecendo que a sua presença se deve também ao fascínio que Picasso sempre sentiu pela tourada, sendo frequentes estas imagens nos seus trabalhos.

Surge ainda outra imagem, apresentando uma criança morta, pendendo inerte nos braços da mãe. O grito desta está representado pela língua que sugere um punhal ou um estilhaço de vidro, surgindo formas semelhantes um pouco por todo o quadro.
A angústia no rosto desta mulher que segura o seu filho é especialmente penetrante, aumentada pelo contraste entre o estilo do rosto e a representação mais convencional da criança.

Conta-se que Picasso teria afirmado que o cavalo representado no centro do quadro, personificaria o povo enquanto que o candeeiro eléctrico por cima da cabeça deste, aceso e em forma de sol, sugere o “olho de Deus” que tudo vê.
No lado direito do quadro, duas mulheres olham horrorizadas para o cavalo ferido, com um misto de medo e pena, sugerindo certas semelhanças, no conceito e semelhança, com as imagens de Cristo na cruz e a presença das três Marias nesta cena.
Talvez Picasso procurasse uma imagem moderna e secular para exprimir o sofrimento humano mas uma que não tivesse qualquer simbolismo cristão explícito.

A figura à direita do quadro parece estar a ser consumida pelas chamas de um edifício a arder, sendo frequentemente comparada à figura central dos fuzilamentos do “3 de Maio de 1808” de Francisco Goya, sendo evidente a semelhança entre os elementos que conduziram a ambos os quadros pois ambos retratam actos de selvagem brutalidade contra pessoas inocentes.

Picasso realizou este quadro para a Exposição Internacional de Paris, realizada em 1937 e conta-se que, no ano de 1940, com Paris ocupada pelo exército alemão, um oficial deste país, perante uma fotografia reproduzindo o painel, perguntou a Picasso se havia sido ele quem tinha feito aquilo.
Picasso teria então respondido: - “Não, foram vocês!”.

Durante a 2.ª Guerra Mundial, o quadro foi transferido para Nova Iorque com instruções expressas de Pablo Picasso de que apenas poderia ir para Espanha quando este país alcançasse a democracia.
Esteve exposto no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MOMA) até 9 de Setembro de 1981, data em que regressou finalmente a Madrid, cumprindo a vontade de Picasso, encontrando-se agora no Centro de Arte Reina Sofia (http://www.museoreinasofia.es), onde ocupa um lugar de destaque e onde é possível também conhecer a história sobre a execução do mesmo.
Com o regresso do quadro “Guernica” a Madrid, tinha chegado ao final a peregrinação desta obra a que os espanhóis chamaram “o último exilado”.

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