quarta-feira, 15 de julho de 2009

A GUARDA CONJUNTA - NOTAS COMPARATIVAS SOBRE AS SOLUÇÕES LEGAIS EM VIGOR NA UE E NO BRASIL


A GUARDA CONJUNTA:
NOTAS COMPARATIVAS SOBRE AS SOLUÇŌES LEGAIS EM VIGOR
NA UNIÃO EUROPÉIA E NO BRASIL
(texto também publicado na Revista Lex Familiae Ano 4 n.º 7)

Maria Aglaé Tedesco Vilardo*
Nuno Ferreira**

1. INTRODUÇÃO
[1]

A guarda e a regulação do exercício das responsabilidades parentais
[2] diz respeito a um vasto leque de realidades sociais e jurídicas.[3] A forma como estas realidades são regulamentadas dependem profundamente da interpretação e concretização que se faz dos princípios constitucionais da paridade dos cônjuges, igualdade dos regimes de filiação, unidade da família e autonomia familiar.[4] O objectivo principal da presente excursão na matéria da regulação das responsabilidades parentais é transmitir uma ideia fiel de qual tem sido a evolução da situação jurídica na União Européia e no Brasil em relação à figura da “guarda compartilhada”, geralmente chamada de guarda conjunta. Esta evolução traduz um crescente interesse pelo instituto legal da guarda conjunta e as preocupações actuais em assegurar o respeito pelo direito da criança a manter uma relação com ambos os progenitores e pelo direito destes à igualdade de direitos. Esta evolução e preocupações derivam “da transformação profunda das relações familiares tradicionais, de uma cultura centrada nos direitos da criança e de uma sociedade de tendências igualitárias”[5]. No entanto, as figuras jurídicas que têm resultado desta evolução são muito díspares e assumem contornos muito diversos. Apesar desta diversidade dos casos concretos de guarda conjunta, todos eles têm em comum a promoção da “continuidade da comunidade dos pais, como comunidade educativa, sem a coabitação destes”.[6]
O art. 8.º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar nos seguintes termos:
“1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
É no âmbito desta norma que se inclui a regulação do exercício das responsabilidades parentais, dado que este se trata de um elemento fulcral da vida privada e familiar de qualquer pai, mãe ou menor. Acresce que o Conselho de Ministros do Conselho da Europa emitiu uma recomendação, a Recomendação n.° (84) 4, cujos Princípios n.os 2 e 5 prevêem, respectivamente, que:
- “(...) a igualdade dos progenitores deve ser igualmente respeitada e não deve ser feita qualquer discriminação (...)”; e que,
- “em caso de dissolução do casamento ou separação do progenitores, a autoridade competente (...) deve tomar as medidas apropriadas, por exemplo, dividindo o exercício das responsabilidades parentais entre os dois progenitores ou, caso os progenitores consintam, decidindo que as responsabilidades devem ser exercidas conjuntamente”.


Apesar da existência destas normas a nível Europeu, é gritante o nível de disparidade que existe nesta matéria nos diferentes Estados-Membros da União Européia. Para efeitos ilustrativos desta disparidade legal, seleccionamos quatro países na União Européia que o demonstram de forma elucidativa: Alemanha, Portugal, França e Itália. Julgamos, igualmente, relevante, apontar os traços principais dos desenvolvimentos mais recentes nesta num país muito próximo da cultura legal Européia, ainda que com um contexto sócio-económico bastante diferente: o Brasil. O contributo brasileiro é bastante enriquecedor, na medida em que nos permite tomar consciência de forma particularmente aguda do modo como a jurisprudência pode ser o instrumento principal de resposta às necessidades e evolução social da parentalidade. O presente texto prosseguirá com algumas notas comparativas relativas às diferentes soluções legais expostas. Finalmente, formular-se-ão diversas conclusões e apontar-se-á o caminho que julgamos ser aquele a seguir num futuro próximo.


2. A EUROPA A QUATRO VELOCIDADES

a) A Alemanha preconizadora

O n.º 2 do art. 6.º da Constituição alemã prevê que a “manutenção e educação dos filhos é um direito natural dos progenitores e um dever que incumbe a eles em primeira linha.” Por outro lado, o Tribunal Constitucional Alemão (Verfassungsgerichtshof) defende, desde 1982, a existência de um direito irrenunciável a uma “relação vivida” com ambos os progenitores. Esta evolução no sentido do reconhecimento da importância da relação filho-progenitores mesmo depois da ruptura da vida familiar culminou na aprovação da Lei de 16 de Dezembro de 1997
[7]. Esta lei consagrou a jurisprudência dos tribunais de família existente até então e confirmou o carácter excepcional da intervenção judicial na vida familiar e na relação conjugal. É oportuno, desde logo, realçar o §1684 do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB), pela sua originalidade e importância simbólica: esta norma determina que o menor tem direito a ser visitado por cada um dos progenitores, assim como estes têm a obrigação e o direito de visitarem o menor. Esta construção jurídica dos direitos e obrigações em causa é radicalmente diferente da tradicional perspectiva do direito de visita: este deixa, precisamente, de ser apenas um direito, para passar a ser igualmente uma obrigação. Esta nova formulação reforça consideravelmente a visão da relação filho-progenitores como um direito do menor e obrigação dos progenitores, e não apenas como um direito destes últimos.[8] Acresce, coerentemente, que o progenitor que não cumpra o seu dever de visita ou não respeite ou de alguma forma prejudique aquele do outro progenitor pode ser condenado em multa.[9]
O § 1627 do BGB determina que as responsabilidades parentais devem ser exercidas por ambos os progenitores, no interesse do filho e de comum acordo. Quando tal acordo se revelar difícil de atingir, os progenitores devem procurar uma solução pacífica. Tal norma aplica-se tanto aos progenitores que morem juntos, quer aos que moram separados. Caso a vida em separado não seja a título temporário, um dos progenitores pode solicitar o exercício exclusivo, total ou parcial (i.e., em relação a todos ou a apenas alguns aspectos da vida do menor), das responsabilidades parentais (§ 1671 BGB). O tribunal satisfaz esta solicitação no caso de:
- o outro progenitor estar de acordo, salvo se o menor for maior de 14 anos e não estiver de acordo; ou,
- tal solução satisfizer melhor os interesses do menor.
Mesmo nos casos em que ambos os progenitores detêm o exercício das responsabilidades parentais, caso o progenitor com quem o menor vive habitualmente se case ou viva em união de facto com outra pessoa, esta também tem o direito de participar nas decisões atinentes à vida quotidiana.
[10]
Este quadro inicial é, no entanto, substancialmente retocado por outras normas relevantes nesta matéria, nomeadamente os § 1626 a, Abs. 2, e § 1672 BGB. Estas disposições prevêem que, no caso de os progenitores não estarem unidos em matrimônio, o exercício das responsabilidades parentais compete exclusivamente à mãe.[11] Em todo o caso, o pai pode solicitar que o exercício das responsabilidades parentais lhe seja igualmente atribuído, mas tal depende da concordância da mãe (§ 1672 BGB). Tal concordância deve ser prévia à instauração do processo, de modo a evitar que durante o processo surjam conflitos e se perturbe a relação entre os próprios progenitores e entre estes e os filhos. O claro favorecimento da posição da mãe, no caso de os progenitores viverem separados e na ausência de matrimônio, é somente mitigado por esta possibilidade de transferência do exercício das responsabilidades parentais, se a mesma servir os interesses do menor. A constitucionalidade destas normas foi colocada em questão em duas ocasiões: pelas decisões do Tribunal Federal Alemão (Bundesgerichtshof) de 4 de Abril de 2001 e do Tribunal de Apelo de Estugarda de 2 de Dezembro de 1999. Porém, o Tribunal Constitucional, na sua decisão n.º 20/99, de 29 de Janeiro de 2003, decidiu que estas normas não violavam o art.º 6 da Constituição alemã supra citado.[12]
A doutrina alemã viu nesta regulação a aplicação de um modelo regra-excepção, i.e., a regra da guarda conjunta e a excepção da guarda exclusiva de um dos progenitores. No entanto, o Tribunal Supremo Federal Alemão (Bundesgerichtshof)[13], em 1999, declarou que tal não era o caso: não se tratava de um modelo regra-excepção, nem sequer de uma presunção a favor da guarda conjunta. O critério do melhor interesse do menor continua a ser o elemento fundamental de todo o processo. Os tribunais inferiores, pelo contrário, consideram que a guarda conjunta deve ser privilegiada[14] e que, por exemplo, a grande distância entre as residências dos dois progenitores não deve justificar per se a atribuição da guarda exclusiva a um dos progenitores.[15],[16] Para além disso, os progenitores não se devem refugiar nas dificuldades de comunicação[17] ou diferenças religiosas[18], pelo que se impõe um esforço determinado no sentido de chegar a um acordo. Ainda assim, os tribunais também reconhecem que, em algumas circunstâncias, os interesses do menor exigem que a guarda seja atribuída exclusivamente a um dos progenitores, quando, por exemplo, o outro progenitor é psiquicamente instável ou sofre de alguma perturbação que impossibilite a manutenção de uma relação afectiva segura ou, de alguma forma, não assegure o desenvolvimento psíquico, físico e moral do menor. Consequência deste quadro social e legal é que percentagem de progenitores separados que assume a guarda conjunta dos seus filhos, seja por opção, seja por decisão judicial: é superior a 75 %.[19] Outra facto relevante é que todos os intervenientes num quadro de dissolução familiar, desde as próprias famílias aos advogados, assistentes sociais e até tribunais[20], salientam os efeitos predominantemente positivos à guarda conjunta, quer no que diz respeito à cooperação familiar, quer no que diz respeito à regulação do contacto entre progenitores e filhos e dos alimentos.[21]


b) O discreto percurso português

A Constituição portuguesa prevê a igualdade dos cônjuges quanto à educação e manutenção dos filhos, atribui a ambos os pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, e estipula que os filhos não podem ser separados deles, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
[22]
Em consonância com estas disposições constitucionais, o legislador Português aprovou, finalmente, em 1999, uma alteração ao Código Civil português (CCP), que introduziu expressamente a figura do exercício conjunto das responsabilidades parentais.[23] Refira-se, desde logo, que o legislador Português utiliza duas expressões distintas: a guarda ou confiança, e o exercício das responsabilidades parentais. De facto, ter direito à primeira não implica ser o titular exclusivo das segundas. No entanto, não parece ser possível ser possível ter direito à primeira, mas não ser ao menos co-titular das segundas.
No que diz respeito à guarda ou confiança, i.e., com quem o menor efectivamente mora, o art.° 1905 do CCP, dispõe que nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou declaração de nulidade ou anulação do casamento, o juiz tanto pode homologar o acordo proposto pelos pais, relativo ao destino do(s) filho(s) e aos respectivos alimentos, como pode recusar tal acordo e tomar uma decisão que corresponda melhor aos interesses do menor e do progenitor a quem não seja atribuída a guarda do menor. Nesta disposição, o legislador dispõe, portanto, que a guarda será, em princípio, atribuída a apenas um dos progenitores, já que os mesmos não morarão, em princípio juntos.
[24] Em caso de crianças muito jovens, a jurisprudência portuguesa continua a dar claramente preferência à guarda maternal, já que esta é considerada a “pessoa de referência da criança” e a sua “relação afectiva principal”.[25] Em consonância com as disposições legais relativas ao conteúdo das responsabilidades parentais e do poder-dever de educação (art.os 1885 e 1886 do CCP), os indícios que contribuem para a determinação dessa pessoa incluem a satisfação das necessidades básicas da criança (como a alimentação e cuidados de saúde), o acto de acordar e de deitar a criança, a assistência na doença, o ensino de regras de etiqueta e de higiene, o proseeguimento das tarefas ligadas à interacção social e actividades lúdicas e a relação afectiva. No caso de crianças mais velhas, os indícios orientam-se preferencialmente no sentido das interacções sociais (clubes, grupos de jogos, actividades recreativas depois da escola, participação em desportos e visitas a amigos), repartição e supervisão das ocupações diárias, provisão e supervisão da educação das crianças (religiosa, moral, cultural, social, assistência nos trabalhos de casa), prestação de conselhos e apoio ao processo de desenvolvimento e ao bem-estar emocional da criança, e interacções com outros membros da família (incluindo irmãos e membros da grande família).[26]
O conceito de “pessoa de referência” permite encontrar a solução mais conforme ao interesse da criança, na medida em que minimiza o impacto negativo da separação dos progenitores. Também possui vantagens práticas, já que o juiz pode aplicar este conceito com maior facilidade do que aplicando teorias psicológicas e medições falíveis e subjectivas da intensidade da relação afectiva do menor com cada um dos progenitores. O recurso ao conceito da “pessoa de referência” evita igualmente processos longos e traumáticos para ambos os progenitores e o menor, e pode ser concretizado através dos depoimentos dos próprios progenitores, avós do menor, professores e vizinhos que tenham conhecimento directo da vivência familiar do menor. Na realidade, considera-se que a “pessoa de referência” é o progenitor que, durante a constância do casamento, desempenhou predominantemente as tarefas relacionadas com o cuidado e a responsabilização diária pela criança.[27] Acontece que, na sociedade portuguesa, ainda serão as mães que desempenham maioritariamente esse papel, pelo que os juizes tendem, eventualmente, por vezes, de uma forma um pouco acrítica, a presumir que a guarda deve ser atribuída à mãe. No entanto, este conceito é neutro em relação ao sexo, na medida em que essa pessoa tanto pode ser o pai ou a mãe. Os valores estatísticos apontam para que cerca de 90% das crianças sejam confiadas à mãe (seja por meio de acordo dos pais ou sentença reguladora).[28] Tal não é entendido como uma discriminação dos homens, mas simplesmente como o resultado dos padrões de vida praticados pelos pais durante o próprio casamento. Ou seja, são os homens que reconhecem não ter disponibilidade para ficar com a guarda dos filhos.[29] Em todo o caso, é também essencial que a criança continue a ter contacto com o outro progenitor.
Segundo alguma doutrina portuguesa, eventualmente, exageradamente cautelosa e exigente, a guarda conjunta só deve ser permitida quando, para além de cada progenitor reunir as qualidades necessárias para deter a guarda, ambos os progenitores forem capazes de conter a hostilidade que eventualmente sintam um em relação ao outro, não desejarem a guarda conjunta somente com o intuito de acelerar o processo de divórcio ou diminuir o montante dos alimentos, estiverem conscientes das dificuldades e exigências em causa, não partilharem graves discórdias e estiverem de acordo com os valores relativos à educação do menor, respeitarem o papel do outro como progenitor e a sua importância para o menor, e forem capazes de não interferir na relação do outro progenitor com o menor e de se acomodarem às necessidades de ambos.
[30] O juiz deve ainda levar em linha de conta a distância física entre as residências dos progenitores e as condições físicas destas, assim como a vontade do menor. Finalmente, a guarda conjunta só deve ser permitida quando for fruto da preocupação e afecto genuíno dos progenitores e se puder concretizar em verdadeiro empenho na educação e acompanhamento dos filhos.
Já no que diz respeito especificamente ao exercício das responsabilidades parentais, o art.° 1906 do CCP dispõe diferentemente. As diferenças na formulação da disposição devem-se ao facto de, precisamente, o exercício das responsabilidades parentais, ao contrário da guarda, já poder ser partilhado. Na verdade, apesar do menor só morar, em princípio, com um dos progenitores, ambos podem ser responsáveis pelas decisões relativas ao menor. Por esta mesma razão, o legislador Português introduziu expressamente em 1999 a figura do exercício conjunto das responsabilidades parentais.
[31] Essa alteração legislativa tocou somente a disposição do art.° 1906 do CCP. As responsabilidades parentais passaram a dever ser exercido por ambos os progenitores, desde que estes cheguem a tal acordo, nas mesmas condições previstas para a constância do casamento.[32] Caso os progenitores não cheguem a tal acordo, então, o tribunal atribui, de forma fundamentada, o exercício das responsabilidades parentais ao progenitor a quem for dada a guarda do menor. Nestes casos, os pais podem decidir que, ainda que não todas as responsabilidades parentais sejam exercidas por ambos, algumas questões sejam resolvidos por ambos. Em todo o caso, o progenitor a quem não tiver sido entregue a guarda do menor detém a responsabilidade de vigiar a educação e as condições de vida do filho. Esta mesma solução deriva das regras especificamente relativas ao divórcio e deve ser completada e integrada por estas. Quer os progenitores casados se divorciem por mútuo consentimento ou de forma litigiosa, ou se separem judicialmente de pessoas e bens, podem apresentar um acordo regulador do exercício das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores (art.os 1775, n.° 2, e 1794 do CCP). No entanto, se o acordo apresentado não proteger devidamente os interesses dos filhos, o juiz pode alterá-lo (art.os 1776, n.o 2, e 1794 do CCP).
De salientar, ainda, o papel essencial que a mediação familiar deve assumir neste contexto, já que só assim se actuará a “exigência legal de valorização e de promoção do entendimento dos pais”. Para além disso, “sem a efectiva e generalizada implementação da mediação familiar, permanecerão extremamente limitados os efeitos decorrentes das importantes reformas legais realizadas neste domínio, no intuito de promover a assumpção das responsabilidades parentais por parte de ambos os pais”.
[33]
Pode-se concluir do que fica dito, que a doutrina portuguesa é ainda muito reticente em oferecer um lugar de destaque às figuras da “guarda conjunta” e do “exercício conjunto das responsabilidades parentais”. Numa coisa podemos estar de acordo: não é necessário criar uma presunção a favor da guarda conjunta, dado que esta limitaria a discricionariedade do juiz e cada decisão concreta relativa à regulação das responsabilidades parentais deve atentar às circunstâncias do caso.[34]


c) A preserverança francesa

As reformas legislativas francesas têm vindo, de forma progressiva mas persistente, a perfeccionar o regime da guarda conjunta e a integrá-lo no regime geral das responsabilidades parentais. A Lei n.° 305, de 4 de Março de 2002, veio estabelecer um novo regime de responsabilidades parentais (“autorité parentale”), definido agora como “um conjunto de direito e deveres tendo como finalidade o interesse do menor” (art.° 371 do Código Civil francês, CCF).
[35] As responsabilidades parentais devem ser, em princípio, exercidas em conjunto, por ambos os progenitores, com o fim de proteger a segurança, saúde e moral do menor, para além de garantir a sua educação e desenvolvimento. Para além disso, este princípio geral mantém-se válido mesmo após a separação dos progenitores. De facto, o exercício das responsabilidades parentais deve manter-se inalterado, no entanto, tendo em conta as dificuldades práticas que advêm inevitavelmente da separação dos progenitores, o juiz pode ser chamado a homologar o acordo destes relativo ao exercício das responsabilidades parentais, sobretudo no que respeita à eventual residência “alternada” do menor. Em caso de desacordo entre os progenitores, recorre-se à mediação familiar e, só como último recurso, à intervenção judicial. Se, excepcionalmente, o exercício das responsabilidades parentais só for atribuído a um dos progenitores, o juiz é chamado a regular o direito de visita. Esta visão das responsabilidades parentais contribui, espera-se, para uma superação do modelo tradicional da família e para sua “democratização”. As figuras de guarda ou confiança exclusiva e de direito de visita esvaziam-se. Para além disso, privilegiam-se formas não conflituosas de determinação do exercício das responsabilidades parentais e submetem-se todas as decisões ao interesse do menor.
Na França, a guarda conjunta constitui já 90% dos casos de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
[36] Assim sendo, a distinção essencial a ser feita é entre progenitores que vivem juntos e progenitores que vivem separados. Apesar de os progenitores que vivem separados poderem ter guarda conjunta (art.° 373-2 do CCF), em nome do interesse da criança, a guarda pode ser atribuída a apenas um dos progenitores (art.os 373-2-1 do CCF).
Um aspecto crítico desta alteração legislativa é a introdução dos conceitos de “residência alternada” (o menor deve alternar a sua residência entre ambos os progenitores) e de “residência habitual” (onde o menor terá preferencialmente a sua residência, mas que não será, em todo o caso, exclusiva). Na realidade, a conjugação destes dois conceitos pode provocar dificuldades, quer jurídicas, quer práticas. A introdução desta inovação terminológica teve origem nas conclusões expressas no relatório Dekeuwer-Defossez, o qual esclarecia que a determinação de uma só residência para o menor constituía uma discriminação do progenitor sem a guarda a qual tinha como consequência ressentimentos e uma atitude de indiferença por parte das entidades públicas em relação a esse progenitor.
[37]


d) O recente contributo italiano

A actual situação legal neste âmbito na Itália sofreu recentemente uma evolução muito positiva: de um quadro legal e social bastante conservador e consideravelmente atrasado em relação à evolução das outras ordens jurídicas europeias, passou-se a uma regulação legislativa muito progressista da guarda e do exercício das responsabilidades parentais. A Constituição Italiana determina que o dever de instruir, manter e educar os filhos incumbe a ambos os progenitores, independentemente da relação existente entre estes (art.° 30, n.° 1). A concretização deste princípio constitucional era, no entanto, considerada muito insatisfatória por grande parte da doutrina italiana até muito recentemente.
[38] Defendia-se, inclusivamente, que a aplicação prática da legislação que passou a permitir a guarda conjunta se tinha traduzido num falhanço, em grande parte devido à forma como o mesmo foi interpretado na Itália.[39] Comecemos por analisar o regime legal em vigor até recentemente e depois explicitaremos as novas regras aprovadas em 2006.
No que diz respeito à guarda ou confiança (“affidamento”), esta era, em regra atribuída a apenas um dos progenitores (art.° 155 ter. do Código Civil italiano, CCI). Só excepcionalmente era esta atribuída a ambos os progenitores (“affidamento congiunto”), o que só devia ter lugar quando existisse grande colaboração entre os progenitores, ou, quando tal colaboração não existisse, quando as necessidades afectivas e psicológicas do menor exijissem tal decisão.
[40] Isso poderia acontecer, sobretudo, quando o menor já não fosse tão jovem. A lei previa também a figura da guarda conjunta, legalmente possível desde a aprovação da lei n.° 151 de 1975.[41] A introdução deste instituto legal no ordenamento italiano teve a intenção de promover um comportamento mais maduro por parte dos progenitores no momento da crise conjugal, de modo que os filhos passassem a ver os seus interesses melhor protegidos.[42] No entanto, a mesma só era utilizada excepcionalmente, mais especificamente, em cerca de 3,9% dos casos.[43] Em todo o caso, o “interesse do menor” nunca deiyou de ser o conceito-chave a ter em consideração pelo juiz: o bem-estar psicossocial do menor era o elemento fundamental que guiava qualquer decisão de atribuição da guarda.[44] Este podia mesmo sobrepor-se aos acordos propostos pelos progenitores no âmbito de um processo de divórcio.[45] Para além disso, a vontade e as aspirações do menor também deviam ser tomadas em linha de conta.[46]
Por outro lado, o exercício das responsabilidades parentais (“potestà genitoriale”) devia ser exercido exclusivamente pelo progenitor que detivesse a guarda (art.° 155 ter. do CCI). A atenuante imposta a este direito exclusivo era o respeito pelas condições impostas pelo juiz, as quais diziam maioritariamente respeito à salvaguarda da relação afectiva com o outro progenitor (assim como com os restantes irmãos, irmãs e avós)
[47] e a possibilidade deste ter o menor consigo periodicamente ou, quando tal não fosse possível, ao menos, poder visitá-lo. Para além disso, este progenitor tinha ainda o direito-dever de vigiar e colaborar com o desenvolvimento psico-físico do menor[48], assim como com a sua educação e instrução e de opôr-se (judicialmente) às decisões que considerasse prejudiciais para o menor (art.° 155 ter. do CCI). Finalmente, as decisões de maior importância para os filhos deviam ser tomadas por ambos os progenitores. No caso de ser decretada a guarda conjunta – o que, apesar de raro, era legalmente possível -, as responsabilidades parentais eram exercidas por ambos (art.° 155 quinquies CCI).
Dirigiram-se diversas críticas, por muito anos, a este regime legal, sobretudo no que respeitava à atribuição da guarda a um só progenitor, o que era, inclusivamente, considerada um obstáculo à correcta realização do princípio da igualdade: as mães eram sistematicamente privilegiadas na atribuição da guarda e do exercício das responsabilidades parentais e os pais eram excluídos e desresponsabilizados da educação dos filhos.
[49] Para além disso, o direito de visita era usualmente estipulado de tal forma que se traduzia, na prática, numa separação entre o progenitor que não detinha a guarda e o filho.[50] Consequentemente, foi recentemente aprovada uma alteração legislativa que introduziu expressamente (já que implicitamente a presente norma já a permite, bastaria que os juizes a decretassem) a figura da guarda conjunta (“affidamento condiviso”).[51] Esta alteração tem, portanto, mais do que um valor inovador, um valor promocional.[52] Esta reforma alterou o art. 155 do CCI, o qual passa a estipular que os filhos menores têm direito a ter uma relação equilibrada e continuada com ambos os progenitores, assim como receber os cuidados, a educação e instrução de ambos, e de manter relações significativas com os ascendentes e com os parentes de ambos os lados da família. Desta forma, o juiz tem à sua disposição a possibilidade de atribuir a guarda ou confiança do menor a ambos os progenitores, o que deve fazer sempre que contra tal não se levantem objecções. Para além dissso, apesar de os progenitores continuarem a poder regular eles próprios a guarda e exercício das responsabilidades parentais através dos acordos, nenhum dos progenitores poderá renunciar à guarda conjunta sempre que o juiz considere que se encontram reunidos os requisitos necessários. Apesar desta alteração legislativa não ser integralmente clara, parece que a concretização deste intento se traduzirá em o menor morar com um dos progenitores, embora ambos fossem responsáveis por todas as decisões relevantes relativas ao menor. Só assim esta figura se distingue quer da situação legal prévia (na medida em que as responsabilidades de ambos os progenitores são paritárias e o papel de nenhum deles é diminuído a um nível inaceitável), quer da guarda alternada (na medida em que o menor reside sempre com o mesmo progenitor e não precisa de mudar de casa periodicamente). No caso da guarda ser atribuída a apenas a um dos progenitores, o juiz deve, ao menos, estabelecer o direito de visita do outro progenitor.
Já no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, o mesmo deve ser, qualquer que seja a situação, exercido por ambos os progenitores. As decisões de maior interesse para os filhos, tais como as relativas à sua educação e saúde, devem ser tomadas de comum acordo, tendo em conta as capacidades, as inclinações naturais e as aspirações dos filhos. Em caso de desacordo, o juiz pode ser chamado a decidir, e, no que respeita à administração ordinária, o juiz pode igualmente decidir que a mesma seja feita individualmente por cada um dos progenitores. A palavra de ordem é a flexibilidade e grande espaço de manobra dado aos progenitores, de modo a se conseguir recorrer de modo fácil e com sucesso à guarda conjunta.
Em todo o caso, os progenitores têm o direito de, a qualquer momento, solicitar ao juiz a revisão da decisão de atribuição da confiança do menor e do regime de exercício das responsabilidades parentais, inclusive solicitando a atribuição da guarda exclusivamente a um deles, quando a confiança ao outro progenitor não sirva os interesses do menor (art.° 155 bis e ter do CCI). Acresce que esta reforma salientou a importância dos meios sancionatórios à disposição dos tribunais e progenitores na aplicação do regime de guarda e exercício das responsabilidades parentais determinados pelo tribunal. Este trata-se, sem dúvida de um dos aspectos mais interessantes desta reforma, já que não descura o papel esssencial que os meios sancionatórios devem assumir em caso de violação dos deveres previstos neste âmbito. Assim, o juiz tem a possibilidade de admoestar ou condenar em multa (no valor de 75 a 5.000 euros!) o progenitor incumpridor e/ou condenar um progenitor em indemnização pelos danos causados ao menor ou ao outro progenitor (nova redacção do art.° 709-bis do Código de Processo Civil italiano).
Esta trata-se de uma reforma de imenso valor, pelo potencial impacto que pode ter na actividade jurisdicional e na postura dos progenitores em litígio. De facto, efectuou-se, como Scannichio bem aponta, uma transformação fisiológica do acordo entre os progenitores, que passa de pressuposto e regra da guarda conjunta a resultado do procedimento que conduz a esta.
[53] A possibilidade de imposição forçada da guarda conjunta aos progenitores contribui para a sua educação à harmonia e serve um bem mais alto: o direito subjectivo do menor à bi-genetorialidade.[54] A concretização desse impacto depende da iniciativa pedagógica dos juizes e da receptividade das famílias, as quais se espera que sejam positivas.

3. VOZES DO ALÉM-MAR: O CASO BRASILEIRO

Ao iniciarmos alguns questionamentos sobre o tema guarda compartilhada temos que pensar sobre o que leva dois adultos, maiores, capazes, responsáveis pelos seus atos e decisões e, sobretudo, civilizados, a procurarem a via judicial para a solução de um problema de sua vida privada. Diante de tais qualificações seria natural acreditarmos que ambos discutiriam a respeito do problema equacionando a melhor solução para todos, adultos e crianças, quanto ao cuidar, residir, amparar e dividir o convívio entre pais e filhos.
Após um relacionamento amoroso, homem e mulher encontram-se diante de uma criança que por certo tempo era de ambas em convívio diário e rotineiro, mas a partir de determinado momento passou a ser objeto de disputa para o convívio e a criação.
A separação do casal, genitores de uma criança, gera conseqüências diversas, dentre elas a escolha de quem deverá cuidar diretamente do filho e de com quem a criança deverá residir. Para o senso comum do cidadão em geral e, até mesmo de alguns advogados, juízes, defensores públicos e promotores de justiça, as crianças, nas hipóteses de separação, devem ficar sob os cuidados diretos da mãe
[55]. Para muitas pessoas seria um contra-senso imaginar que melhor cuidador seria o pai, pelo fato da mãe gerar a criança e mesmo não a gerando pelo enraizamento cultural exitente que diz ser a mulher talhada para o cuidado das crianças, para acalentar, acalmar e melhor amparar uma criança.
Este senso comum é avalizado pelas decisões judiciais, pelas ações judiciais propostas, pelos aconselhamentos aos pais que ousarem contrariar tal senso, pela doutrina dominante. Com raras exceções a criança não fica sob a guarda da mãe.
Este pequeno exposição acerca do tema no Brasil discute os argumentos que amparam estas decisões judiciais apresentando hipótese que vai contra este senso comum doutrinariamente fundamentado. A tão propalada igualdade entre homens e mulheres, constitucionalmente garantida, é uma igualdade garantida para a questão da guarda dos filhos ou há exceções? Nos processos de guarda prevalece tal igualdade constitucional ou busca-se, com absoluta prioridade, o melhor interesse da criança para seu crescimento digno e saudável?
A separação do casal gera a necessidade de escolher qual dos cônjuges ficará responsável diretamente pelos cuidados com a criança e com quem esta deverá residir. Natural o surgimento deste conflito, pois os relacionamentos existem cercados de conflitos em razão de serem indivíduos diferentes, criados de formas diferentes e desejosos de passarem seus ensinamentos da forma como acreditam. Dificilmente haverá um relacionamento entre pai e mãe e filho sem conflitos. Estes sempre estarão rondando a rotina da família. Contudo, nem sempre estes conflitos tornar-se-ão conflitos jurisdicionais, litígios judiciais, onde terceiro, estanho àquela relação determinará o que o casal deverá fazer e com quem a criança deverá ficar. Ora, nenhum casal deseja ver que um estranho, até mesmo um juiz qualificado para decisões desta natureza, diga o que devem fazer com o seu filho. Todavia, em determinadas situações onde inexiste negociação e o sofrimento surge, inclusive para a criança, a opção civilizada imposta pelo direito positivo vigente é a busca da solução por via judicial.
[56]
Temos, então, uma ação litigiosa, onde será discutida a guarda da criança. Alguns denominam ação de posse, guarda e responsabilidade. O objeto da ação é determinar-se a quem caberá residir com o filho, quem será responsabilizado pela rotina do pequenino e quem terá, portanto, maior tempo de convívio com o mesmo. De outro lado temos o genitor que terá direito a exercer a denominada visitação, na forma regulamentada processualmente, ou seja, em dias e horas fixados ou pelo juízo ou por acordo entre as partes que, em regra, fixam a “visita” em finais de semanas alternados pegando a criançano sábado, pela manhã e devolvendo no domingo à noite. Em outras formas de visitação um pouco mais flexíveis, o genitor visitante pega a criança na sexta-feira no fim da tarde e entrega no domingo, ao fim do dia, na residência do guardião. Algumas vezes poderá entregar a criança na escola na segunda-feira pela manhã e, em outras, terá direito de pegar a criança em um dia no meio da semana, normalmente quarta-feira após a aula devolvendo após o jantar ou no dia seguinte na escola. Depois vem a fixação do direito do “visitante” aos feriados e dias festivos no decorrer do ano; aniversário dos pais e da criança; férias escolares; aniversários dos primos, avós, enfim, todas as oportunidades em que a família deseja estar reunida.
Ao final de um mês o que ocorre, ordinariamente, é a convivência da criança com o pai por cerca de 4 dias com 2 pernoites (ou no máximo 8 dias quando ampla a visitação) e com a mãe os demais 26 dias do mês (ou 22 dias na visitação paterna ampliada).
Observe-se que a ação de guarda tem como objeto a determinação de quem será o guardião da criança, cabendo a regulamentação da visita em ação própria. Com certeza o juiz atento ao melhor interesse da criança poderá fixar no pedido de guarda as regras para um mínimo convívio da criança com o outro genitor não guardião sem estar incorrendo em julgamento extra petita.
A lei civil brasileira é clara ao deixar aos pais o direito de acordarem sobre a guarda dos filhos, conforme art.1583 do Código Civil, mas na hipótese de não haver acordo a guarda será atribuída “a quem revelar melhores condições para exercê-la”, podendo, até mesmo, ser concedida a terceiro caso os pais não tenham condições de exercer a guarda, conforme art.1584 e parágrafo único do Código Civil. A “visitação” vem garantida pelo art.1589, assegurado expressamente o direito de fiscalização à manutenção e educação da criança.
Passemos a dissertar sobre a separação do casal com filhos e o poder familiar de cada um nestas circunstâncias. Cabe lembrar que ambos os pais possuem poder familiar sobre seus filhos, significando que possuem autoridade parental, poder para decidir sobre a vida deles, efetivando escolhas, sobretudo tendo a responsabilidade, o dever de lhes dar proteção e amparo material, moral e espiritual. Somente será exercido com exclusividade por um dos genitores, na falta ou impedimento do outro
[57]; entretanto, em havendo divergência entre os pais quanto ao exercício deste poder, ambos poderão recorrer ao juiz para solucionar o desacordo. Mais uma vez o conflito vira ação judicial litigiosa.
De grande importância é a norma expressa de que a separação dos genitores não altera as relações entre pais e filhos, ressalvando quanto ao direito dos pais de terem os filhos em sua companhia. Assim, pode-se concluir que o poder familiar permanece com cada um dos genitores, embora separados, e um deles terá a responsabilidade de ter o filho residindo em sua casa, embora o outro tenha a criança em sua companhia, na sua residência, por alguns dias ao mês
[58]. Repita-se, a separação do pai e da mãe não tem o condão de modificar os direitos e os deveres legais de cada pai e de cada mãe em relação ao seu filho, apenas alterando o direito do pai e da mãe quanto à companhia do filho gerado daquela união. Esta alteração ocorre exatamente em razão da concessão da guarda para um e a concessão da “visitação” para outro.
O ordenamento constitucional brasileiro, ao tratar da Ordem Social dedica um capítulo à Família, criança e adolescente especificando, em seu artigo 229, que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Não faz qualquer distinção quanto aos pais que vivam juntos ou não. Este dever existe enquanto os filhos forem menores de idade e deve ser exercido sob pena de sanções diversas.
Mas, afinal o que representa o exercício do poder familiar? Trata-se de um poder conferido aos pais de dirigir a criação e a educação dos filhos determinando os rumos a serem tomados, escolhendo a melhor forma de educá-los de dar-lhes liberdade e conferir limites; tê-los sob sua companhia e guarda, morando juntos (ou não) e passando a maior parte do tempo juntos
[59]. Também, aos genitores cabe decidir se autorizam os filhos com menos de 18 anos de idade a se casarem; indicar um tutor para os filhos menores para o caso de falecimento precoce; além de exercer a representação ou assistência[60] dos filhos; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, podendo fazer uso da ação cautelar de busca e apreensão de menores; exigir obediência, respeito, serviços próprios de sua idade e condição, no sentido de que formem sua personalidade e moral.
Não há qualquer previsão de suspensão ou perda do poder familiar em decorrência exclusiva da separação do casal, conforme disposto nos artigos 1635 a 1638 do Código Civil. A lei estipula as hipóteses de extinção e suspensão deste poder expressamente. O casal se separa, mas a relação de filiação, segundo a lei, permanece como antes, ressalvando-se o anteriormente destacado quanto à companhia entre pais e filhos
[61]. Abandonou o legislador o pensamento de que o “mau cônjuge” não poderia ser um bom pai ou uma boa mãe.
Depreende-se que diante da separação dos genitores a família transforma-se em uma família de pais separados e os desajustes ocorridos, embora possam dissolver a família, poderiam tão-somente transmudá-la.
A família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado
[62], sendo defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família[63]. A família é protegida e cada um de seus membros é protegido em sua individualidade e sua personalidade. Hoje são admitidas, expressamente, como entidade familiar as uniões estáveis e as famílias monoparentais (comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes)[64]. Ao Estado cabe proteger tais entidades familiares, sem interferir naquela comunhão de vida. Ocorre que em alguns casos há que se buscar no Estado-Juiz a solução ao litígio que surge.
Para as hipóteses de guarda temos a guarda exclusiva de um dos genitores ou alternativamente entre ambos e a denominada guarda compartilhada ou conjunta. Na primeira hipótese a guarda permanece com aquele que melhor se apresentar aos interesses da criança, podendo a criança ser ouvida pelo juiz. Há que se ter cautela para não impor uma responsabilidade maior sobre a criança ao ter que manifestar em juízo com qual dos pais gostaria de residir, pois a criança pode sentir-se culpada por escolher um genitor em detrimento de outro, conforme salienta Brito (2004)
[65], ou escolher aquele que estiver com mais pena.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069/90, dispõe em seu art.21 sobre o exercício do poder familiar em igualdade de condições entre os pais e, no caso de discordância, possibilita o recurso à autoridade judiciária competente para a solução a divergência. Esta possibilidade não é apenas para pais que vivam juntos, mas, também, para pais que vivam separados. Da mesa forma prevê o art.1631, parágrafo único do Código Civil.
Quanto à proteção da pessoa dos filhos, o Código Civil concede aos cônjuges o direito de acordarem sobre a guarda dos mesmos, no caso de separação ou divórcio, conforme já mencionado anteriormente. Caso não haja acordo, a guarda será atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la
[66]. Contudo, autoriza que o juiz, havendo motivos graves, a bem dos filhos e em qualquer caso, regule de maneira diferente a situação dos filhos para com os pais, a teor do art.1586 do CC [67].
Diante desta norma, pode o juiz determinar que o filho permaneça sobre a guarda conjunta de ambos os pais para que continuem no exercício pleno do poder familiar e tenham a convivência ampla, embora partilhada com o outro genitor. Nesta oportunidade, deverá o juiz regulamentar de que forma ocorrerá este convívio observando os horários da escola da criança e de suas diversas atividades, fixando os horários de convívio com cada um dos genitores, além dos pernoites. Poderá determinar os dias em que a criança ficará na casa da mãe e os dias em que ficará na residência paterna. Nada obsta à fixação da residência junto a um dos genitores e determinação dos dias em que o outro genitor manterá o convívio direto com seu filho.
Na guarda alternada a criança poderá residir dias alternados com cada um dos genitores. A alternância poderá ser semanal, mensal ou como os pais acharem melhor, desde que não prejudique o sadio desenvolvimento da criança. Nos dias de hoje a criança freqüenta a creche ou escola em meio turno ou período integral, muitas vezes vai à noite para a casa da avó ou algum parente, fica alguns dias na casa do pai e outros na casa da mãe, ou seja, há grande flexibilização quanto ao lugar em que passará o dia e em que pernoitará. Isso não significa que não terá a referência quanto a sua moradia, mas esta poderá ser mais de uma. O acompanhamento psicológico no período inicial é recomendável para que se possa atender às peculiaridades de cada criança e reverter situações que causem constrangimento à criança ou a deixe desconfortável
Observe-se que a alternância das residências não corresponde exatamente à guarda compartilhada. Nessa, o que se busca é uma maior participação de ambos os genitores no cumprimento de seus deveres de pais, com aumento da responsabilização de cada um sem que se deixe somente ao encargo de um deles toda a difícil tarefa da criação e da tomada de decisões importantes na vida do filho. Busca-se como conseqüência o aumento da auto-estima dos genitores e do desejo de participar e de opinar nas decisões referentes à criança. A mera alternância da residência do filho sem a qualificação de guardião coloca um abismo entre os genitores, diferenciado-os quanto aos poderes e deveres que cada um possui. Faz surgir uma diferença que a lei não autoriza. Inclusive é possível a concessão da guarda compartilhada determinando-se uma residência fixa para a criança com um dos genitores ao lado de ampla visitação ao outro genitor.
Não se propõe a observância da igualdade constitucional de gêneros
[68] como primeira regra, mas a da proteção integral à criança, assegurando-lhe com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar[69], pois é do próprio interesse da criança que tenha protegido o seu convívio amplo com ambos os genitores. Não cabe a desqualificação do pai quanto aos cuidados com seu filho pelo fato de ser do sexo masculino.
Inadequada a expressão “visitação” utilizada pelo Código Civil, pois o seu conceito traz enorme carga de ausência de responsabilidade. Deveria ser substituída por outra mais apropriada como “convívio”, por exemplo.
No tocante à jurisprudência brasileira a maioria dos acórdãos conferem guarda compartilhada somente quando há harmonia entre entre o casal. Destaquem-se algumas ementas de acórdãos recentes proferidos pelos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, dois estados brasileiros considerados bastante avançados em termos de jurisprudência de direito de família.
O primeiro, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu no sentido de que a guarda compartilhada somente pode ser deferida quando não há animosidade ou conflito entre os pais:

2005.002.09450 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
DES. JOSE C. FIGUEIREDO - Julgamento: 13/07/2005 - DÉCIMA PRIMEIRA CAMARA CIVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA DA FILHA MENOR. INDEFERIMENTO. VISITAÇÃO PATERNA ASSEGURADA. Só é possível o deferimento da guarda compartilhada quando não há animosidade ou conflito entre os pais. Hipótese em que é complexo o conflito entre aqueles, inclusive com ameaças e agressões físicas, presenciadas pela menor, não autorizando a pretensão. RECURSO IMPROVIDO.

No mesmo sentido as decisões sobre deferimento de guarda compartilhada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70015113707. (Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des.José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 22/06/2006)
GUARDA COMPARTILHADA OU VISITAÇÃO LIVRE. INDEFERIMENTO. Havendo animosidade entre o casal separando, desaconselhável a guarda compartilhada ou visitação livre do pai aos filhos menores, mantendo-se a estipulação feita na decisão hostilizada, de fins de semana alternados. Agravo de instrumento desprovido. COMARCA DE ORIGEM:Comarca de Viamão

Cabe lembrar que as divergências quanto às decisões sobre a vida de um filho ocorrem também entre pais casados ou que vivam em união estável sendo que ambos terão direito de opinar e participar das escolhas relacionadas aos filhos. Quando os pais não conseguem conciliar as suas idéias e opiniões cabível o recurso ao juiz para solução do desacordo. O mesmo princípio deve ser aplicado aos pais separados. Ao juiz caberá a decisão. Portanto, com todo respeito às decisões dos Tribunais brasileiros não há empecilhos para que o juiz determine a guarda compartilhada quando os pais não estão em plena harmonia, sempre com o embasamento legal do art.1586 do Código Civil atendendo-se ao melhor interesse do filho quanto ao seu direito personalíssimo de ter reconhecida a sua filiação não só no registro de nascimento, mas no seu pleno desenvolvimento afetivo e psicológico.
Por fim, relate-se a existência de projetos de lei em andamento no Congresso Nacional
[70] para criação de lei sobre a guarda compartilhada. Destaque-se o projeto de lei nº 6350, de 2002 [71] e sua justificativa, em razão de admitir que a guarda compartilhada seja determinada pelo Juízo.
Em outro projeto de lei apresentado a concessão da guarda compartilhada somente é admitida quando há acordo entre os pais
[72]. O terceiro projeto foi apresentado com proposta de modificação do art.1584 do Código Civil para que o juiz estabeleça o sistema da guarda compartilhada sempre que possível [73].


4. A MESMA EVOLUÇÃO COM RITMOS DIVERSOS

Da exposição supra, podemos concluir que derivam algumas linhas comuns das ordens jurídicas analisadas:
- tenta-se dar uma preferência à vontade dos progenitores, na medida em que o acordo de regulação das responsabilidades parentais proposto é respeitado enquanto este respeitar os interesses do menor;
- o juiz só intervém para criar uma alternativa a esse acordo quando esses interesses não são tidos em devida consideração;
- a promoção da continuação da relação afectiva entre o menor e ambos os progenitores, independentemente de a qual deles a guarda for confiada, é uma prioridade e elemento essencial da regulação da guarda e do exercício das responsabilidades parentais;
- até nos casos em que o exercício das responsabilidades parentais é atribuído exclusivamente a um dos progenitores, é sempre salvaguardado o direito do outro progenitor de intervir sempre que o considerar necessário para a protecção dos interesses do menor, nomeadamente no que respeita à sua educação e saúde.
- o juiz tem sempre a possibilidade de decretar a solução in casu mais conveniente, afastando-se dos regimes de guarda e exercício das responsabilidades parentais favorecidos pela lei.
A tendência geral das soluções jurídicas adoptadas na Europa dirige-se, portanto, no sentido de:
- dar maior relevância à intervenção do menor no processo e respeitar as suas aspirações e desejos;
- manter ambos os progenitores o mais próximos possível dos seus direitos e deveres originais, na medida em que isso ajude a promover o bem-estar psicossocial do menor e contribua para a igual importância social e familiar de ambos os progenitores;
- adoptar um modelo menos conflitual, eventualmente recorrendo a formas de mediação familiar, e mais paritário, promovendo a responsabilidade de ambos os progenitores e permitindo-lhes manterem um papel importante na vida dos filhos mesmo depois da relação entre os cônjuges entrar em ruptura.


CONCLUSÃO

Como CARLEO sublinha, em última análise, e independentemente da formulação exacta das normas em causa, o legislador limita-se a criar dois modelos de soluções para a regulação da guarda e do exercício das responsabilidades parentais: um modelo aconflitual e um modelo conflitual ou judicial.
[74] Na realidade, a tradicional técnica de regulamentação legal da atribuição da guarda e da regulamentação do exercício das responsabilidades parentais constituem aspirações perfeccionistas que se manifestam ilusórias e excessivas na realidade social tão diversa e pluralística em que vivemos.[75] Haverá lugar para outros modelos?
A determinação judicial da guarda conjunta, nos casos em que o juiz toma em consideração essa possibilidade, levanta ainda inúmeros intrincados problemas. Até pode ser verdade que “os estudos empíricos realizados em países em que há mais tempo foi adoptado o exercício conjunto das responsabilidades parentais, demonstram que esta solução tem meramente um valor simbólico, não aumentando a participação do pai na tomada de decisões relativamente ao filho nem ao convívio daquele com o filho”.
[76] No entanto, basta que este instituto tenha contribuído para que pelo menos uma criança tenha tido a oportunidade de usufruir da presença e contributo de ambos os progenitores para o seu crescimento pessoal e bem estar material para que se justifique que o mesmo assuma um papel de relevo na regulamentação das responsabilidades parentais. Para além disso, mesmo que a maior parte dos pais possa não ter “a capacidade de cooperação necessária para pôr em prática um exercício conjunto do poder paternal”[77], também não deixa de ser verdade que essa capacidade tem de ser desenvolvida e cultivada, nomeadamente através do incentivo e aconselhamento dos tribunais de família e serviços de mediação familiar. Como Scannicchio bem aponta, existem poderosos argumentos de ordem sistemática e lógica, ainda mais do que de ordem doutrinal que nos devem levar a optar por uma visão “comunitária”, em vez de “distributiva”, do exercício das responsabilidades parentais, sem nunca, em todo o caso, perder de vista o melhor interesse do menor.[78]
Apesar das linhas de evolucao apontadas, a verdade é que os diferentes Estados membros da Uniao Européia continuam a prever soluções legais diferentes. A regulação do exercício das responsabilidades parentais e a execução dos acordos e decisões decretados é, desde logo a nível nacional, uma questão extremamente complexa e geradora de inseguranças e conflitos. Ora, nos casos que envolvem diferentes Estados membros (seja em razão da nacionalidade dos progenitores, da sua residência, etc.), tais inseguranças e conflitos agravam-se. Os casos de matrimônio e de divórcio entre nacionais de diferentes Estados membros são paradigmáticos Daí que alguns autores defendam que cumpre harmonizar as diferentes soluções legais existentes na União Européia e criar um direito europeu da família.[79] Mas este seria um tema vasto e importante o suficiente para um outro artigo.
* Juíza titular da 15.ª Vara de Família do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Coordenadora de Direito de Família da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ
** Doutorando na Universidade de Bremen, Alemanha, investigador no Zentrum für Europäische Rechtspolitik an der Universität Bremen, e jovem investigador no projecto “Fundamental Rights and Private Law in the European Union”. Gostaríamos de agradecer o contributo extremamente valioso da Dra. Patrícia Silva na redacção deste artigo. O seu apoio e opiniões foram essenciais.
[1] Este texto corresponde, parcialmente, a uma conferência apresentada no colóquio “Guarda compartilhada”, que teve lugar em 17 de Outubro de 2004, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
[2] No sentido da substituição do termo “poder paternal” pelo de “responsabilidades parentais”, ver António H. L. Farinha, Conceição Lavadinho, “Mediação familiar e responsabilidades parentais”, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 48. Os Autores argumentam neste sentido, de forma convincente e ampla, com a passagem da criança de sujeito passivo protegido pelo direito a sujeito de direitos e de liberdades fundamentais. Os Autores indicam igualmente elementos de direito comparado que apontam na mesma direcção (págs. 46-49). Ver, no mesmo sentido, Maria Clara Sottomayor, „O poder paternal como cuidado parental e os direitos da criança”, in Maria Clara Sottomayor (coord), “Cuidar da Justiça de crianças e jovens: A função dos juízes sociais – Actas do Encontro”, Coimbra, Almedina, 2003, pág. 44.
[3] Apesar de as expressões “guarda conjunta” ou “guarda compartilhada” e “exercício conjunto do poder paternal”ou “das responsabilidades parentais” assumirem sentidos tendencialmente idênticos nalguma doutrina e nalguns contextos, optamos por, sempre que relevante, distinguir as mesmas ao longo deste texto. Na realidade, a figura da “guarda” ainda é frequentemente associada à guarda física, enquanto o exercício das responsabilidades parentais é associado ao conteúdo jurídico dos direitos e deveres dos progenitores em relação aos filhos. Ver, por exemplo, Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003.
[4] Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003.
[5] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 399. Sobre os argumentos usualmente invocados a favor e contra a guarda conjunta, vide ibidem, págs. 429-438 e 445-470. A Autora refere como argumentos a favor da guarda conjunta, entre outros, evitar à criança os sentimentos de luto e de abandono normalmente associados ao divórcio e aumentar o grau de satisfação dos pais, assim como dimuir a conflitualidade e encorajar a cooperação entre estes. Como argumentos contra a guarda conjunta, a Autora invoca, nomeadamente, a instabilidade, ansiedade e insegurança impostas à criança (sobretudo no caso de se associar à guarda conjunta a residência alternada), e os desentendimentos e conflitos que podem surjir entre os pais no exercício conjunto das responsabilidades parentais. Argumentos como o regresso ao poder patriarcal e a demora nos processo judicial não nos parecem de todo relevantes, dado que, por um lado, a guarda conjunta pretende, precisamente, evitar a prevalência do poder patriarcal ou matriarcal, e, por outro lado, qualquer decisão judicial nesta matéria dve implicar uma análise profunda de todos os factos relevantes para uma regulação sensata das responsabilidades parentais. A Autora analisa ainda uma série de estudos de natureza psicológica que abordam as consequências da guarda conjunta. Alguns destes estudos apontam o papel positivo que a guarda conjunta tem, pelo menos quando é voluntária, no estado psicológico e na auto-confiança da criança, assim como na responsabilização do pai. Outros estudos apontam que quanto mais contacto a criança tem com ambos os pais, mais dificilmente esta se adapta ao divórcio e mais conflitualidade existe entre os pais. Os resultados destes estudos são, portanto, contraditórios, para além de por vezes sofrerem de deficiências metodológicas. Apesar de a Autora duvidar do efeito prático da determinação da guarda conjunta, também reconhece que subsiste o valor simbólico da guarda conjunta na afirmação da igualdade de direitos e de responsabilidades dos pais em relação aos filhos.
[6] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 409-410. A Autora distingue, com base nestes elementos, a guarda conjunta da guarda alternada nos seguintes termos: “no exercício conjunto do poder paternal, a comunidade educativa sobrevive para além do divórcio, mantendo a família uma estrutura bilateral tal como durante o casamento, enquanto que na guarda alternada, cada um dos pais age de forma autónoma, não necessitando do consentimento do outro para a tomada de decisão importante relativamente à pessoa da criança”.
[7] Para uma avaliação do desenvolvimento do direito à guarda conjunta na sequência desta reforma legislativa, ver Stefan Motzer, “Die Entwicklung des Rechts der elterlichen Sorge und des Umgangs seit 2002”, FamRZ 2004, 1145-1155.
[8] Neste sentido, ver OLG Köln FamRZ 2001, 1023; 2002, 1056; 2004, 52. Apesar de o objecto das presentes linhas dizer exclusivamente respeito à figura da guarda conjunta, julgamos igualmente relevante referir que, precisamente em consonância com esta visão da irrenunciabilidade do direito do menor à “relação vivida” com ambos os progenitores, o direito de visita tem sido regulado pelos tribunais alemães de forma muito atenta e sensível. Em respeito ao art.º 6º da Constituição alemã, a decisão do Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht (BVerfG) de 9 de Julho de 2004 (1 BvR 1986/04) veio reconhecer que o direito de visita do progenitor sem direito à guarda do filho é protegido constitucionalmente. No presente caso, um pai teve um filho durante a pendência do seu casamento. A mãe obteve o direito à guarda após o divórcio e o autor não teve contacto com o menor durante dois anos. Após este período, o autor requereu a regulação do direito de visita , o qual lhe foi concedido. O exercício deste direito de visita foi, no entanto, perturbado pelo “conflito de lealdade” com o qual o menor se viu confrontado. Quando a mãe requereu a cessação do direito de visita, o menor depôs, expressando não ter qualquer desejo de voltar a encontrar-se com o seu pai. O tribunal aceitou, então, cessar o direito de visita, mas o pai recorreu da decisão. O recurso chegou ao Tribunal Constitucional, o qual realçou a necessidade de, na ausência de acordo entre os progenitores, conciliar os direitos de ambos os progenitores e o bem-estar do menor. Portanto, a vontade do menor só deve ser respeitado enquanto estiver de acordo com o seu bem-estar. Dado que não era líquido se a decisão do Tribunal Regional de Apelo tinha efectuado este balanço entre a vontade e o bem-estar do menor, o Tribunal Constitucional decidiu que mesma violou o art.º 6º da Constituição alemã, até porque poderia ter chegado a uma conclusão diferente caso tivesse efectuado o dito balanço.
[9] OLG Zweibrücken, FamRZ 2004, 53 [LS.]; OLG München (12. ZS), FamRZ 2003, 1955, 1956. OLG München (26. ZS), FamRZ 2003, 1957, 1958; OLG Rostock, FamRZ 2004, 54, AmtsG Essen, famRZ 2004, 52, 53; OLG Karlsruhe FamRZ 2002, 1056; BGH, FamRZ 2002, 1099; Schwab, FamRZ 2002, 1297; Motzer FamRZ 2003, 793, 799.
[10] No caso de um dos progenitores ser de nacionalidade alemã e o outro não, várias questões jurídicas particularmente complexas podem surgir. Se a autorização de residência do progenitor estrangeiro for objecto de revisão pelas autoridades, o exercício conjunto das responsabilidades parentais e a ligação desse progenitor com o menor, a qual deve ser protegida e mantida, devem ser tomadas em consideração. Por outro lado, a cessação da autorização de residência pode-se traduzir na cessação do exercício conjunto das responsabilidades parentais, já que o mesmo já não conseguirá ser assegurado sem a visita do progenitor estrangeiro. Acresce ainda que os tribunais alemães aplicam o § 1671 BGB igualmente nos casos em que a lei aplicável é estrangeira. Este é o caso, por exemplo, quando, como resultado de um processo de divórcio, as responsabilidades parentais são reguladas de forma diversa àquela que o tribunal alemão julga que deveria ser, ou se a lei aplicável não prevê a figura jurídica da guarda conjunta. A aplicação da Convenção Internacional de Haia sobre a Protecção de Menores prevalece sobre as normas nacionais, salvo se existir um acordo bilateral entre a Alemanha o país da nacionalidade do progenitor em causa. Finalmente, provisões legais consideradas inadmissíveis são afastadas nos termos do art.º 6º (Cláusula de Ordem Pública) da Lei de Introdução do BGB (Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuch, BGBEG), de forma a produzir resultados compatíveis com a ordem jurídica alemã. Desta forma, uma decisão estrangeira relativa ao exercício das responsabilidades parentais pode ser alterada por um tribunal alemão ao ponto de pelo menos uma parte do deste ser transferido para o outro progenitor. Ver, neste sentido, Dieter Schwab, “Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch”, Band 8, 4. Auflage, Verlag C. H. Beck München 2002, págs. 998 e 1019.
[11] O Direito Português prevê uma solução idêntica: o art.° 1911 estabelece que quando a filiação se encontra estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não tenham contraído matrimônio após o nascimento do menor, o exercício das responsabilidades parentais pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho. O n.° 2 da mesma norma criou a presunção de que a mãe tem a guarda do filho, presunção esta que só é ilidível judicialmente. Finalmente, o n.° 3 deste artigo determina que se os progenitores convivem maritalmente, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos quando estes declaram, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade. Assim sendo, o legislador alemão optou, em praticamente toda a sua linha, pela mesma soluçãoportuguesa, introduzida pelo Decreto-lei n.° 496/77, de 25 de Novembro.
[12] BVerfG, 1 BvL 20/99 de 29 de Janeiro de 2003 (BVerfGE 107, 150). O Tribunal Constitucional teve de decidir se os §§ 1626a e 1672 BGB, introduzidos pela Lei de 16 de Dezembro de 1997, que alterou ao regime legal da relação entre pais e filhos, eram ou não compatíveis com os art.os 6,.º 2, primeira frase, e n.º 5 da Constituição, na medida em que permite que um pai de uma criança nascida fora do casamento, que viva com o menor e a sua mãe numa união de facto durante vários anos, não detenha quaisquer responsabilidades parentais após a separação dos progenitores caso a mãe não preste o seu consentimento, ignorando as outras circunstâncias. O Tribunal Constitucional considerou que o bem-estar do menor exige que haja alguém responsável por ele necessariamente desde o seu nascimento. Tendo em conta as diferentes circunstâncias em que as crianças nascidas fora do casamento se encontram, é constitucional atribuir sempre as responsabilidades parentais sobre o menor à sua mãe. O § 1626a BGB abre a possibilidade aos progenitores não casados de chegarem a um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, sob a condição de o mesmo ser no melhor interesse do menor. Actualmente não há razões para se considerar que os direitos do pai de um menor nascido fora do casamento, como previstos no art.º 6 da Constituição, não são devidamente tomados em consideração. No caso de os pais morarem juntos com o menor e expressarem a vontade de partilharem as responsabilidades parentais, o legislador partiu do princípio que os progenitores recorreriam à possibilidade legal de deterem a guarda conjunta. O legislador é obrigado a analisar e levar em consideração a verdadeira evolução da realidade e a confirmar se as suas suposições iniciais se revelaram verdadeiras ou não. Dado que isto frequentemente não é o caso, o legislador terá que assegurar que , no caso de pais de filhos nascidos fora do casamento e que moram com o menor e a mãe como uma família, o direito consagrado no art.º 6º da Constituição é devidamente respeitado, sempre tendo em consideração os melhores interesses do menor. Ver, no mesmo sentido, e especificamente relativo ao § 1672 BGB, BVerG, FamRZ 2003, 1447, 1448. Para uma crítica a esta decisão, ver Coester, FamRZ 2004, 87.
[13] BGH 29 de Septembro de 1999 - XII ZB 3/99 - OLG Stuttgart, AG Bad Urach. No mesmo sentido, posteriormente, ver decisão do Tribunal Constitucional Federal de 18 de Fevereiro de 2003: BVerfG, FamRZ 2004, 354.
[14] As deciões judiciais neste sentido são inúmeras. Ver, por exemplo, OLG Köln, FamRZ 2003, 1492, 1493; OLG Brandeburg, FamRZ 2003, 1952, 1953.
[15] OLG Hamm, citado em S. Patti, “Separazione dein genitori e affidamento condiviso: cenni su alcune esperienze europee”, conferência apresentada na convenção “L’affidamento condiviso dei figli minorenni. Prospettive di riforma”, Siena, Itália, 23 de Novembro de 2002.
[16] Sobre a determinação do domicílio do menor no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, vide Franz Jürgen Säcker, “Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch”, Band 1, 4. Auflage, Verlag C. H. Beck München 2001, págs. 132-134. O autor distingue as seguintes quatro situações principais:
- Se os pais moram juntos, pelo menos um deles é titular das responsabilidades parentais, e o menor mora com os pais, o domicílio do menor é o de ambos os pais;
- Se ambos os pais são titulares das responsabilidades parentais e moram separados, o menor tem dois domicílios, independentemente de ambos os pais ou apenas um deles ter abandonado o domicílio familiar;
- Se apenas um dos pais é titular das responsabilidades parentais e os pais moram separados, o menor tem como único domicílio o do progenitor titular das responsabilidades parentais, independentemente do motivo pelo qual apenas um dos progenitores detém as responsabilidades parentais; no entanto, se o menor morar com o progenitor que não detém as responsabilidades parentais durante vários anos, considera-se que o progenitor titular das responsabilidades parentais renunciou tacitamente ao seu direito e que o menor tem o seu domicílio com o outro progenitor;
- Se os progenitores não são titulares das responsabilidades parentais ou não são conhecidos, o menor partilha o domicílio com o seu guardião (tutor ou curador).
No caso de o menor ter o seu domicílio com um dos progenitores e este abandonar o domicílio sem adoptar um novo, o menor adopta o domicílio do outro progenitor. Se ambos os progenitores abandonarem o seu domicílio sem criar um novo, o menor fica igualmente sem domicílio. Se ambos os progenitores perderem as responsabilidades parentais ou morrerem, o domicílio do menor continua a ser o mesmo até o seu guardião tomar uma decisão a esse respeito.
[17] OLG Karlsruhe, FamRZ 2002, 1209; OLG Naumburg, FamRZ 2002, 564, 565, OLG Celle, FamRZ 2003, 1488, 1489.
[18] OLG Schleswig, FamRZ 2003, 1948.
[19] Proksch, “Rechtstatsächliche Untersuchung zur reform des Kindschaftsrechts – Begleitforschung zur Umsetzung der Neuregelung des Kindschaftsrechts”, 2003.
[20] Decisão do BGH de 11 de fevereiro de 2004, FamRZ 2004, 802.
[21] Proksch, “Rechtstatsächliche Untersuchung zur reform des Kindschaftsrechts – Begleitforschung zur Umsetzung der Neuregelung des Kindschaftsrechts”, 2003, págs. 401 e ss.
[22] “Artigo 36.º (Família, casamento e filiação)
(…)
3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
(...)
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”.
Apesar da igualdade de direitos e deveres quanto à manutenção e educação dos filhos apenas ser mencionada em relação aos cônjuges (n. 3), deve-se depreender que o mesmo se quis entender em relação a quaisquer pais, ainda que não casados (n. 5), caso contrário estaríamos perante uma discriminação injustificada e inconstitucional dos pais não casados em relação aos casados.
[23] A possibilidade de os progenitores exercerem as responsabilidades parentais em conjunto já tinha sido intorduzida pela Lei n.° 84/95, de 31 de Agosto, através da alteração do art.° 1906 do CCP. Mesmo antes desta alteração legislativa, os progenitores já podiam optar por esta forma de exercício das responsabilidades parentais através dos acordos entre eles celebrados.
[24] Como Maria Clara Sotomayor salienta, a alternância de residência não é proibida por lei, no entanto, a figura da guarda compartilhada não pretende promover este tipo de residência. Pelo contrário, a guarda compartilhada teve apenas a intenção de “igualizar os direitos e deveres dos pais mas não a de dividir a criança entre residências de ambos”. Ver Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 477; Maria Clara Sottomayor, “Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 133-134.
[25] Maria Clara Sottomayor, “Poder paternal e regulação do exercício do poder paternal”, Apontamentos do curso de pós-graduação “Proteccao de Menores”, Centro de Direito da Família, 24 de Setembro de 2005. Estes conceitos, assim como o “princípio da continuidade”, que defende que a vida quotidiana da criança deve sofrer a menor alteração possível na sequência da separação dos progenitores, são, igualmente, recorrentemente usados pela jurisprudência alemã (ver, por exemplo, OLG Köln, FamRZ 2003, 1036, 1037; OLG Köln, FamRZ 2003, 1950, 1951, OLG Brandenburg, FamRZ 2003, 1949, 1950). No entanto, os resultados são, na maioria dos casos, como visto supra, diametralmente opostos aos obtidos pelos tribunais portugueses e defendidos pela doutrina portuguesa dominante.
[26] Maria Clara Sottomayor, “Poder paternal e regulação do exercício do poder paternal”, Apontamentos do curso de pós-graduação “Proteccao de Menores”, Centro de Direito da Família, 24 de Setembro de 2005.
[27] Maria Clara Sottomayor, “Poder paternal e regulação do exercício do poder paternal”, Apontamentos do curso de pós-graduação “Proteccao de Menores”, Centro de Direito da Família, 24 de Setembro de 2005.
[28] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 527.
[29] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 528.
[30] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, págs. 412-416 e 423; Maria Clara Sottomayor, “Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 139-141.
[31] Lei n.º 59/99, de 30 de Junho.
[32] Maria Clara Sottomayor, a Autora portuguesa que tem, sem dúvida, dinamizado de forma mais sistemática e profunda esta matéria, vê nesta regulação uma manifestação da autonomia familiar. Sem prejuízo do mérito indiscutível que as análises desta Autora possuem, julgamos que esta estamos perante uma perspectiva algo desiquilibrada dessa “autonomia familiar”. A falta de acordo entre os progenitores em relação ao exercício conjunto das responsabilidades parentais implicaria invariavelmente a recusa do tribunal em optar por essa forma de regulamentação das responsabilidades parentais, até porque “por vezes, trata-se de mulheres vítimas de violência doméstica” e “os conflitos judiciais não trazem, para a criança, vantagens proporcionais aos prejuízos emocionais causados por um litígio entre os pais”. Assim, “é preferível que seja a figura primária de referência a decidir se é possível ou não a guarda conjunta” (Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 483; no mesmo sentido, e da mesma Autora, “Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 123-131 e 137). Ora, tal visão da “autonomia familiar” não se afigura, a nosso ver, nada equilibrada: sob a capa da proteção de mulheres vítimas de violência e de crianças que sofrem com a separação dos pais, podem-se estar a preterir os direitos dos pais a terem uma presença significativa e importante na educação e desenvolvimento emocional e social dos seus filhos. Ver, por exemplo, as decisõs italianas que defendem a imposição da guarda conjunta, mesmo na ausência de acordo entre os progenitores, quando essa forma de guarda for considerada no interesse do menor: Trib. Milão 9 de Janeiro de 1997, in Nuova giur. Civ. Comm., 1997, 1, pág. 584; Trib. Perugia 2 de Dezembro de 1997, in Rass. Giur. Umbra, 1998, pág. 669; Trib. Nápoles 10 de Fevereiro de 2000. Para além disso, sem prejuízo de o legislador ter de estar atento à realidade social a que as leis se referem, a regulamentação legal da guarda e exercício das responsabilidades parentais tem que ser apta a fornecer uma solução justa e equilibrada a qualquer família que está em processo de desagregação, e não apenas àquelas em as mulheres são vítimas de violência ou em que será melhor a criança não se sujeitar a uma disputa entre os pais. Acresce que atribuir a importância que esta Autora atribui à violência doméstica na regulamentação do exercício das responsabilidades parentais não se nos afigura razoável: tal relevância traduzir-se-ia, na prática, numa “presunção de marido ou companheiro violento” sempre que uma mãe se recuse a aceitar o exercício conjunto das responsabilidades parentais (Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, págs. 486-493; no mesmo sentido, e da mesma Autora, “Regulação do exercício do poder paternal nos casos de divórcio”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 154-158). Ora, tal constituiria uma punição injustificada e ilícita do pai interessado em partilhar as responsabilidades na educação dlos seus filhos. A violência doméstica só pode assumir qualquer tipo de relevância no tribunal quando a mesma for alegada ou, de qualquer forma, chega ao conhecimento do mesmo, caso contrário estar-se-ia perante uma forma de violação do princípio da presunção de inocência. Finalmente, não nos podemos esquecer que, mesmo socialmente, os papéis dos progenitores estão progressivamente a assumir estatutos de igual valor e que a importância pedagógica de uma regulamentação do exercício das responsabilidades parentais mais igualitária e responsabilizante não pode ser menosprezada.
[33] António H. L. Farinha, Conceição Lavadinho, “Mediação familiar e responsabilidades parentais”, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 53-55 e 60-61.
[34] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 438.
[35] Anteriormente, a Lei de 22 de Julho de 1987 já tinha introduzido a figura do exercício conjunto das responsabilidades parentais. Esta transformou-se em princípio regra em 1993, afirmando o “princípio da sobrevivência da comunidade parental. À desagregação da família” (Fulchiron, “Une nouvelle réforme de l’autorité parentale: commentaire de la loi n. 93-22 du 8 janvier 1993 à la lumière de l’application de la loi «malhuret»”, in Rec. Dalloz, 1993, Chronique, pág. 117). A guarda conjunta passou, assim, a ser a regra-geral, e todos os outros regimes de guarda foram renegados a excepções, pelo que a opção por estes por parte do juiz passou a implicar uma fundamentação sólida com base nos interesses do menor.
[36] Valor indicado na Proposta de Lei n.° 66, apresentada na XIV legislatura, em 30 de Maio de 2001 na “Camera dei deputati” italiana, intitulada “Nuove norme in materia di separazione dei coniugi e affidamento condiviso dei figli”.
[37] Outro aspecto muito polémico do quadro legal actual francês é a possibilidade de os tribunais recusarem o direito de visita aos pais e reservarem a guarda integralmente para as mães. Os tribunais têm sistematicamente considerado que não existe nestas decisões qualquer violação do art.° 8 da CEDH (relativo ao direito fundamental à vida privada e familiar), na medida em que o juiz actua noslimites da sua discricionariedade e deve decidir da forma que julgar respeitar melhor os interesses do menor. Ou seja, se nos casos em concreto os interesses do menor fossem melhor perseguidos bloqueando aos pais qualquer direito de visita aos menores, então o juiz deveria tomar essa decisão. Em todo o caso, tal não invalida que se deva priveligiar, sempre que possível, a figura da guarda conjunta. Ver Cour de cassation, Premiére Chambre civile, arrêt 28 de Outubro de 2003 (pourvoi: 01-01415), ; Cour de cassation, Premiére Chambre civile, arrêt 19 de Dezembro de 2000 (pourvoi: 99-14620), Bull. 2000, I N° 329, 213; Cour de cassation, Premiére Chambre civile, arrêt de 24 de Outubro de 2000 (pourvoi: 98-14386), Bull.civ. I. n. 262; RTDciv. 2001, 126, obs. J.Hauser; Cour de cassation, Deuxiéme Chambre civile, arrêt de 28 de Março de 2002 (pourvoi: 00-20892).
[38] Vide, por exemplo, L. R. Carleo, “Famiglie disgregate: le modalità di attuazione dell’affidamento dei figli fra disciplina attuale e prospettive di riforma”, Dottrina Famiglia, 2004, pág. 10.
[39] Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003.
[40] Milão, 9 de Janeiro de 1997, in Nuovagciv. 1997, I, 1592, com comentário de Costanza, cit. in “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 219.
[41] Posteriormente confirmada pela Lei n.° 74, de 6 de Março de 1987, a qual prevê que se sugira aos progenitores optarem pela guarda conjunta ou alternada.
[42] Alfio Finocchiaro, Mario Finnochiaro; “Diritto di famiglia”, Vol. III (“Il divorzio”), Milano, Giufrè Editore, 1988, pág. 475.
[43] Proposta de Lei n.º 66, apresentada na XIV Legislatura, em 30 de Maio de 2001, na “Camera dei deputati” italiana, intitulada “Nuove norme in materia di separazione dei coniugi e affidamento condiviso dei figli”.
[44] C. 2 de Junho de 1983, n. 3776, in Dfam. 1984, 39, cit. in “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 218.
[45] L. Rubino, “Coram. Dir. Ital. Fam.” VI, 1, pág. 419, cit. in “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 219.
[46] “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 218.
[47] Decisão n.° 9606 de 25 de Setembro de 1998, in Fam. Dir. 1999, 17, com comentário de De Marzo, cit. in “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 219.
[48] C. 8 de Fevereiro de 2000, n. 1365, in GI 2000, 1802, com comentário de Corriere; C. 20 de Janeiro de 1978, n. 259, in Dfam – 1978, 781; ambas cit in “La Famigilia - Estratto per i corsi universitari dalla quarta edizioni del Diritto Civile”, vol. 2, Milano – Dott. A. Giuffré editore, 2005, pág. 219.
[49] L. R. Carleo, “Famiglie disgregate: le modalità di attuazione dell’affidamento dei figli fra disciplina attuale e prospettive di riforma”, Dottrina Famiglia, 2004, pág. 10. Cerca de 90,9 % dos menores são confiados às mães, segundo os dados estatísticos relativos a 1998 (ISTAT). Os restantes casos correspondem quase na sua totalidade a mães com graves problemas psíquicos, de toxicodependência, de alcoolismo, etc.). Ver Proposta de Lei n.° 66, apresentada na XIV Legislatura, em 30 de Maio de 2001 na “Camera dei deputati”, intitulada “Nuove norme in materia di separazione dei coniugi e affidamento condiviso dei figli”.
[50] M. Barbagli, C. Saraceno; “Separarsi in Italia”, Bologna, Il Mulino, 1998, pág. 190; Proposta de Lei n.° 66, apresentada na XIV Legislatura, em 30 de Maio de 2001 na “Camera dei deputati”, intitulada “Nuove norme in materia di separazione dei coniugi e affidamento condiviso dei figli”.
[51] Projecto de lei n.° 3537, aprovado pela «Camera dei Deputati» em 7 de Julho de 2005 e pelo «Senato dela Repubblica» em 26 de Janeiro de 2006.
[52] L. R. Carleo, “Famiglie disgregate: le modalità di attuazione dell’affidamento dei figli fra disciplina attuale e prospettive di riforma”, Dottrina Famiglia, 2004, pág. 13.
[53] Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003
[54] Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003. Por outro lado, o mesmo Autor também salienta o papel “absolutamente vital” que os centros de mediação familiar tem de assumir no âmbito da determinação da guarda conjunta.
[55] Senso este que vem se modificando com a evolução dos tempos
[56] Inúmeras vezes, partes melindradas por terem sido acionadas judicialmente externam sua insatisfação em estar na posição, ainda hoje, denominada de ré. Na maioria das vezes a parte que ocupa o pólo passivo neste tipo de litígio é o genitor

[57] Determinação expressa do art.1631 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10/01/2002)
[58] Art. 1632 do Código Civil– A separação judicial, o divórcio e a dissolução da uniãoestável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos
Art. 1579 do Código Civil – O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos
[59] Naturalmente, com as ocupações profissionais de ambos os pais a criança tende a passar longos períodos do dia numa creche ou na companhia de um parente, além de na idade escolar freqüentarem escola e outras atividades extraclasse
[60] A representação ocorre para os filhos até dezesseis anos de idade, para os atos da vida civil e a assistência entre dezesseis e dezoito anos, nos atos em que forem partes
[61] Historicamente lembre-se que no código civil de 1916 havia o art.326 determinando que sendo o “desquite judicial” os filhos menores ficariam com o cônjuge inocente. Os parágrafos deste artigo diziam que se ambos fossem culpados a mãe ficaria com as filhas até a maioridade e os filhos até seis anos de idade quando então seriam entregues à guarda do pai. Em ambas as hipóteses, poderia o juiz, a bem dos filhos, regular a situação de forma diferente. Em caso de anulação do casamento as mesmas regras eram seguidas. Os artigos foram revogados expressamente pela Lei 6515/77
[62] Art. 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05/10/1988
[63] Art. 1513 do Código Civil – É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família
[64] Art. 226 §§ 3º e 4º da Constituição Federal Brasileira
[65] Leila Maria Torraca de Brito - Guarda Conjunta: Conceitos, Preconceitos e Prática no Consenso e no Litígio
[66] Artigos 1583 e 1584 do Código Civil Brasileiro
[67] Art. 1586 do Código Civil – Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais.
[68] Art. 5º, inciso I da Constituição Federal – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
[69] Art. 227 da Cosntituição Federal
[70] Os projetos de lei são encontrados no site da Associação de Pais e Mães Separados, uma
Organização Não Governamental (
http://www.apase.org.br/41201-historico.htm)
[71] PROJETO DE LEI Nº 6350, DE 2002
(Dep. Tilden Santiago)
Define a guarda compartilhada.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta Lei define a guarda compartilhada, estabelecendo os casos em que será possível.
Art. 2º Acrescentem-se ao Art. 1583 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos:
“Art. 1583
§ 1º O juiz, antes de homologar a conciliação , sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada.
§ 2º Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar.”
Art. 3º O Art. 1584 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1584 Declarada a separação judicial ou o divórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança.”
§ 1º A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse da criança.
Art. 4º Esta lei entra em vigor no dia 10 de janeiro de 2003.

JUSTIFICAÇÃO
O novo Código Civil Brasileiro, tão recentemente aprovado, no ano de sua vacância, merece ser aperfeiçoado em tudo o que for possível. No que tange ao Direito de Família, deixou de contemplar o sistema de guarda compartilhada, que ora propomos, que já vem há tempos sendo apontado como a melhor solução prática em prol das crianças e adolescentes, quando do divórcio ou separação dos pais.
Segundo o magistério da Dra. Sofia Miranda Rabelo, da UFMG e da Associação “Pais Para Sempre”, a guarda compartilhada ou conjunta é um dos meios de exercício da autoridade parental, para os pais que desejam continuar a relação entre pais e filhos, quando fragmentada a família. É um chamamento aos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente esta responsabilidade.
A justificativa para a adoção desse sistema está na própria realidade social e judiciária, que reforça a necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre homens e mulheres na responsabilização dos filhos.
A continuidade do convívio da criança com os ambos pais é indispensável para o desenvolvimento emocional da criança de forma saudável. Por isso, não se pode manter sem questionamentos, formas de solucionar problemas tão ultrapassados.
É preciso diferenciar os tipos de guarda para evitarem-se confusões na determinação daquela que parece mais adequada. São quatro modelos de guarda de filhos: guarda alternada, guarda dividida, aninhamento ou nidação e guarda compartilhada.
A Guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, conseqüentemente, durante esse período de tempo deter de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder parental. No término do período, os papéis invertem-se. É a atribuição da guarda física e legal, alternadamente a cada um dos pais. Este é um tipo de guarda que se contrapõe fortemente a continuidade do lar, que deve ser respeitado para preservar o bem estar da criança. É inconveniente à consolidação dos hábitos, valores, padrões e formação da personalidade do menor, pois o elevado número de mudanças provoca uma enorme instabilidade emocional e psíquica. A jurisprudência a desabona, não sendo aceita em quase todas as legislações mundiais.
A Guarda dividida apresenta-se quando o menor vive em um lar fixo, determinado, recebendo a visita periódica do pai ou da mãe que não têm a guarda. É o sistema de visitas, que tem efeito destrutivo sobre o relacionamento entre pais e filhos, uma vez que propicia o afastamento entre eles, lento e gradual, até desaparecer. Ocorrem seguidos desencontros e repetidas separações. São os próprios pais, que contestam e procuram novos meios de garantir uma maior participação e mais comprometida na vida de seus filhos.
O Aninhamento ou nidação é um tipo de guarda raro, no qual os pais se revezam mudando-se para a casa onde vivem as crianças em períodos alternados de tempo. Parece ser uma situação irreal, por isso pouco utilizada.
Finalmente, a Guarda Compartilhada ou conjunta refere-se a um tipo de guarda onde os pais e mães dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e compartilham as obrigações pelas decisões importantes relativas à criança. É um conceito que deveria ser a regra de todas as guardas, respeitando-se evidentemente os casos especiais. Trata-se de um cuidado dos filhos concedidos aos pais comprometidos com respeito e igualdade.
Na guarda compartilhada, um dos pais pode deter a guarda material ou física do filho, ressalvando sempre o fato de dividirem os direitos e deveres emergentes do poder familiar. O pai ou a mãe que não tem a guarda física não se limita a supervisionar a educação dos filhos, mas sim participará efetivamente dela como detentor de poder e autoridade para decidir diretamente na educação, religião, cuidados com a saúde, lazer, estudos, enfim, na vida do filho.
A guarda compartilhada permite que os filhos vivam e convivam em estreita relação como pai e mãe, havendo coma co-participação em igualdade de direitos e deveres. É uma aproximação da relação materna e paterna, visando o bem estar dos filhos, são benefícios grandiosos que a nova proposta traz às relações familiares, não sobrecarregando nenhum dos pais e evitando ansiedades, stress e desgastes.
A noção da guarda compartilhada surgiu do desequilíbrio dos direitos parentais e de uma cultura que desloca o centro de seu interesse sobre a criança em uma sociedade de tendência igualitária. A nítida preferência reconhecida à mãe para a guarda, já vinha sendo criticada como abusiva e contrária à igualdade.
A guarda compartilhada busca reorganizar as relações entre pais e filhos no interior da família desunida, diminuindo os traumas do distanciamento de um dos pais.
As relações parentais abrangem todo o exercício da autoridade parental, incluindo guarda, educação, assistência, representação, vigilância e fiscalização, atributos controlados pelo Estados, para proteção integral dos menores.
Enquanto a família permanece unida, o menor desfruta dos dois genitores. A ruptura cria uma nova estrutura e a responsabilidade parental de concentra em um só dos pais, ficando o outro reduzido a um papel secundário. Na realidade social surgem cada vez mais conflitos envolvendo relações paterno-filiais, porém são escassas as normas legais a respeito. Cumpre a doutrina e jurisprudência estabelecer soluções que privilegiem os laços familiares, de acordo com a o Texto Constitucional.
Timidamente, alguns tribunais brasileiros passaram a propor acordos de guarda entre os pais, como resposta às novas formas de família. Mas, a definição e o estudo específico do tema é de extrema importância para que os juízes possam se orientar e decidir respeitando o interesse do menor.
É o exercício comum da autoridade parental, reservando a cada um dos pais o direito de participar ativamente das decisões dos filhos menores. O equilíbrio dos papéis, valorizando a paternidade e a maternidade, traz um desenvolvimento físico e mental mais adequado para os casos de fragmentação da família.
Esse novo modelo opõe-se às decisões de guarda única, demonstrando vantagens ao bem estar do menor, mantendo o vínculo afetivo e o contato regular com os pais.
O interesse do menor é o determinante para a atribuição da guarda, fazendo nascer reflexões inéditas que favoreça a relação familiar. A guarda sempre se revelou um ponto delicadíssimo no Direito de Família, pois dela depende diretamente o futuro da criança. Se até recentemente a questão não gerava maiores problemas, com as alterações na estrutura familiar, procuram-se novas fórmulas de guarda capazes de assegurar aos pais uma repartição eqüitativa da autoridade parental.
A guarda “exclusiva”, “única” cede lugar às novas modalidades de guarda alternada, dividida, e finalmente compartilhada ou conjunta.
Originária da Inglaterra, na década de sessenta ocorreu a primeira decisão sobre a guarda compartilhada (joint custody). A idéia da guarda compartilhada estendeu-se à França e ao Canadá, ganhando a jurisprudência em suas províncias, espalhando-se por toda América do Norte. O Direito americano absorveu a nova tendência e a desenvolveu em larga escala.
Nos Estados Unidos a guarda compartilhada é intensamente discutida, debatida, pesquisada, devido ao aumento de pais envolvidos nos cuidados com os filhos. A American Bar Association – ABA criou um comitê especial para desenvolver estudos sobre guarda de menores (Child Custody Committee). Há uma grande divulgação desse modelo aos pais, sendo um dos tipos que mais cresce.
Na França, em 1976, a jurisprudência provoca o monopólio da autoridade parental, recebendo consagração legislativa na Lei de 22.07.1987. a nova lei modificou os textos do Código Civil francês, relativos ao exercício da autoridade parental, harmonizando as decisões e tranqüilizando os juízes.
A tendência mundial é o reconhecimento da guarda compartilhada como a forma mais adequada e benéfica nas relações entre pais e filhos, servindo como tentativa para minorar os efeitos desastrosos da maioria das separações.
Nosso Projeto é simples, apenas definindo a guarda compartilhada e tornando-a o sistema recomendável, sempre que possível, por avaliação do juiz.
Ao propor este Projeto, louvo a iniciativa da Associação Pais para Sempre , do Apase Brasil - Associação de pais Separados do Brasil, movimentos de cidadania para o reconhecimento dos direitos deveres daqueles pais e mães, que mesmo após o rompimento conjugal, querem manter o relacionamento com os filhos, além de poderem exercer suas responsabilidades e obrigações. A separação e o divórcio devem acontecer somente entre os pais, não entre pais e filhos.

Por ser inegável avanço, que protegerá a família brasileira, conclamo meus Ilustres Pares a aprovarem esta proposição.
Sala das Sessões, em de de 2002.
Deputado TILDEN SANTIAGO

[72] Projeto de Lei protocolado em 18/03/2002 pelo Dep. Feu Rosa.
PROJETO DE LEI Nº 6315/02
Altera dispositivo do novo Código Civil.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta lei tem por objetivo instituir a guarda compartilhada
dos filhos menores pelos pais em caso de separação judicial ou
divórcio.
Art. 2º O art. 1.583 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 1583. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Parágrafo único. Nesses casos poderá ser homologada a guarda
compartilhada dos filhos menores nos termos do acordo celebrado pelos
pais.
Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.


[72]Projeto de Lei protocolado em 07/11/2002 pelo Dep. Ricardo Fiúza.
PROJETO DE LEI Nº 7.312/2002
Altera o novo Código Civil
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1o. - O artigo 1584 da Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte alteração:
Art. 1584. Declarada a separação judicial ou o divórcio, ou ocorrendo a separação de fato, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja essa possibilidade, será a guarda atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.

[74] L. R. Carleo, “Famiglie disgregate: le modalità di attuazione dell’affidamento dei figli fra disciplina attuale e prospettive di riforma”, Dottrina Famiglia, 2004, pág. 7.
[75] L. R. Carleo, “Famiglie disgregate: le modalità di attuazione dell’affidamento dei figli fra disciplina attuale e prospettive di riforma”, Dottrina Famiglia, 2004, pág. 21.
[76] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 529.
[77] Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação de pessoas e bens”, 2.ª Edição, Porto, 2003, Publicações Universidade Católica, pág. 530.
[78] Nicola Scannicchio, “L’affidamento congiunto a quindici anni dalla riforma tra uguaglianza dei coniugi e interesse del minore”, intervenção na conferência “I principi generali del diritto di famiglia”, Roma, 7-8 de Fevereiro de 2003.
[79] S. Patti, “Separazione dein genitori e affidamento condiviso: cenni su alcune esperienze europee”, conferência apresentada na convenção “L’affidamento condiviso dei figli minorenni. Prospettive di riforma”, Siena, Itália, 23 de Novembro de 2002; Guilherme de Oliveira, “Um direito de família europeu? (Play it again, and again... Europe!)”, comunicação na conferência “Um Código Civil para a Europa”, Universidade de Coimbra, 23-24 de Junho de 2000.

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