terça-feira, 16 de setembro de 2008

A LIBERDADE GUIANDO O POVO (EUGÈNE DELACROIX)


“Deve-se ser ousado até ao limite máximo; sem ousadia,
e até ousadia extrema, não há beleza”
Eugène Delacroix


Após a derrota de Napoleão Bonaparte, as potências europeias reunidas no Congresso de Viena impuseram à França o Segundo Tratado de Paris e o regresso da Casa Real dos Bourbons.
Com este acordo, a França viu as suas fronteiras reduzidas ao que existia em 1789, foi obrigada ao pagamento de uma indemnização de setecentos milhões de francos, a restituir os tesouros artísticos roubados aos povos conquistados e a aceitar a ocupação do norte do país durante cerca de cinco anos.

Nos últimos anos do reinado de Luís XVII (1815-1824) e durante o reinado de Carlos X (1824-1830), ocorreram perturbações internas graves pois, enquanto no governo de Luís XVIII, mantiveram-se muitas das conquistas sociais e económicas do período revolucionário, com vista a garantir o apoio da burguesia liberal, Carlos X recuperou o absolutismo de direito divino e o favorecimento da nobreza, em detrimento da burguesia.

Em 1827, a oposição, formada por constitucionalistas e independentes, venceu as eleições e a Câmara dos Deputados entrou em conflito com o rei.
Em 1830, o rei dissolveu a Câmara dos Deputados e convocou novas eleições que vieram a ser vencidas pela oposição liberal.
Com vista a evitar novos conflitos, em 25 de Julho de 1830, Carlos X publicou as Ordenações de Julho, suprimindo a liberdade de imprensa (impondo a censura), anulava as eleições realizadas e dissolvia a Câmara dos Deputados recém-eleita, modificou os critérios para fixação do censo eleitoral, favorecendo uma minoria e reduzindo o eleitorado entre a burguesia, permitindo ao rei governar através de decretos.
A publicação das Ordenações de Julho coincidiram ainda com uma grave crise económica que Carlos X e os seus governos não haviam conseguido resolver.

É então que, entre os dias 27 a 29 de Julho de 1830 (os três dias gloriosos), o povo de Paris e as sociedades secretas republicanas, sob a direcção da burguesia liberal, organizaram um conjunto de levantamentos contra Carlos X.
Levantaram-se barricadas em Paris e generalizou-se a luta civil, de tal forma que a própria Guarda Nacional acabou por dar o seu apoio, aderindo aos levantamentos.
Depois de três dias de combates nas ruas de Paris, Carlos X, o último rei da Casa Bourbon teve de partir para o exílio no início de Agosto de 1830.

Com receio de algum radicalismo por parte da pequena burguesia e proletariado urbano, a alta burguesia conseguiu fazer nomear Luís Filipe de Orleans (o “Rei Burguês”), monarca constitucional e liberal, iniciando-se um período de paz e de prosperidade social e económica.

A Revolução de 1830 teve um carácter liberal e anti-absolutista, opondo-se às directrizes do Congresso de Viena, expandindo-se por um conjunto de países da Europa (Polónia, Portugal, Holanda, Itália, Alemanha e Espanha), conduzindo ainda à independência da Bélgica mas deixando apenas o fermento liberal e constitucionalista nos outros países, graças à intervenção da Santa Aliança formada sob as directrizes da restauração do absolutismo pelo Czar Alexandre I (Rússia) e pelo Príncipe Metternich (Áustria).

É essa revolta da população de Paris, mobilizada pelas ideias liberais, que Delacroix mostra no quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, exposto no Museu do Louvre, em Paris (
http://www.louvre.fr).

A figura central é uma mulher com uma boina frígia, representando a Liberdade e guiando o povo por cima dos corpos dos combatentes, transportando a bandeira tricolor da Revolução Francesa numa mão e uma espingarda com baioneta na outra.
Um cidadão mortalmente ferido esforça-se por contemplar, pela última vez, a Liberdade. A sua atitude em arco cria um elemento crucial na composição em pirâmide. O artista repete ainda as cores da bandeira no vestuário do moribundo.
O jovem patriota à direita da Liberdade representa um herói popular chamado Arcole, que foi morto no combate em redor do Hôtel de Ville.
À direita deste, são ainda visíveis sobre o fumo das armas as torres de Notre Dame, esvoaçando numa delas a bandeira tricolor.
A assinatura do pintor está traçada com ousadia a vermelho simbólico sobre as pedras das barricadas, à direita do jovem patriota.

Na primeira apresentação pública (1831), este quadro teve uma recepção negativa por parte da crítica a qual se mostrou escandalizada com a audácia com que o pintor tratou o tema e pela violência dos sentimentos que exprimia, o que, apesar da sua natureza apaixonada, não afectou Delacroix que, em vez disso, ficou orgulhoso e satisfeito com a obra realizada que enaltecia os valores da pátria.

Com efeito, trata-se de uma obra dotada de grande expressividade e força gráfica, relembrando ainda os momentos relatados no livro “Os Miseráveis”, de Vítor Hugo, e cujo sentido revela interesse na actualidade, como demonstra a escolha feita pelo grupo “Coldplay” para ilustrar a capa do seu último álbum “Viva La Vida” (2008).

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