quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Notícias sobre os Direitos das Crianças

Noticiar sobre crianças e jovens em perigo sem preservar a sua identidade é proibido

Noticiar sobre crianças e jovens em perigo sem preservar a sua identidade é proibido e passível de punição, mas até hoje nenhum processo foi accionado contra qualquer órgão de comunicação social que tenha cometido este crime.
"Nunca foi accionado, mas não excluímos essa hipótese. A política tem sido no sentido de uma reflexão conjunta para que cada uma das entidades (instituições que protegem as crianças e órgãos de comunicação social) compreendam as necessidades e as exigências éticas de cada um", explicou à Lusa o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens.
Armando Leandro explicou que este é um dos instrumentos que espera nunca ter de usar, defendendo que o caminho desejável seria o assumir de um compromisso ético entre todos os órgãos de comunicação social que, além de favorecer as crianças, daria maior prestígio à classe jornalística.
A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJ) é muito clara no artigo 90º, totalmente dedicado à Comunicação Social, mas não há registo de que alguma vez tenha sido accionado.
"Os órgãos de comunicação social, sempre que divulguem situações de crianças ou jovens em perigo, não podem identificar, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, sob pena de os seus agentes incorrerem na prática de crime de desobediência", diz a lei.
A pena aplicada nestes casos pode ir até um ano de prisão ou 120 dias de multa.
Questionada pela Lusa sobre o número de situações em que foi invocado o artigo em causa, a Procuradoria-geral da República (PGR) respondeu que sempre que o Ministério Público tem conhecimento da prática de actos que integram a previsão do artigo 90.º da LPCJ instaura o competente inquérito.
Contudo, adiantou não dispor de dados a nível nacional que permitam dar uma resposta rigorosa à questão colocada.
A lei nacional emana da Convenção dos Direitos da Criança, que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais de todas as crianças.
Numa altura em que se comemoram os 20 anos da convenção, celebrados sexta-feira, os jornalistas são chamados a denunciar os atentados a esses direitos. No entanto, são também alertados para, no decurso do seu trabalho, não contribuírem para a violação de outros direitos consagrados.
Para o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens, Armando Leandro, o ideal é conseguir conciliar os dois direitos fundamentais: o direito à informação e o direito da criança à sua intimidade e privacidade

Jornalistas contribuem para que direitos sejam reconhecidos, mas também os atropelam

A investigadora Lídia Marôpo defendeu hoje que os jornalistas contribuem diariamente para que sejam reconhecidos e cumpridos os direitos das crianças, mas, por vezes, são os primeiros a violar alguns deles.
"Os órgãos de comunicação social contribuem muito para o debate, para que a sociedade reconheça os direitos das crianças, mas também os viola", disse à Lusa a investigadora, que está a desenvolver uma tese de doutoramento nesta área.
Quando se escreve sobre crianças, a pergunta que qualquer jornalista deve colocar a si mesmo é: que consequências vai esta reportagem trazer para o futuro desta criança? Se esta máxima for sempre colocada, defende, é um grande passo para que todos os direitos sejam respeitados.
"Eu sei que não são respostas fáceis. Não há uma regra nem um manual que possa indicar que agora se procede desta maneira e amanhã de outra, mas deve ter-se sempre em conta o superior interesse da criança, preservando a sua privacidade e imagem", explicou.
Mas a responsabilidade, assegurou Lídia Marôpo, não é só dos jornalistas: "Se violam esses direitos é porque muitas vezes as outras instituições da sociedade civil e o governo, que poderiam denunciar, cobrar e entrar com medidas legais para o proibir, não o fazem".
Se existem leis que proíbem a exposição das crianças em situação de fragilidade, acrescentou Lídia Marôpo, e se ainda ninguém foi punido, "é porque algumas pontas do sistema estão a falhar".
Contudo, a investigadora, que é também jornalista e assessora de imprensa de uma Organização Não Governamental de defesa das crianças, considera-se uma optimista quanto ao futuro da abordagem da infância na comunicação social, considerando que muitos dos problemas que são hoje discutidos na sociedade se devem ao trabalho desenvolvido pela comunicação social.
Abuso sexual, maus-tratos e negligência são hoje temas muito focados nas notícias e muito acompanhados pela sociedade em geral. Há bem pouco tempo não se encontravam sequer no debate público.
Agora o caminho é encontrar o equilíbrio entre a denúncia dos problemas e a protecção dos direitos da criança como o direito à privacidade.
A Convenção dos Direitos das Crianças é o documento de direito internacional ratificado por mais Estados, 193 no total.
Apenas os Estados Unidos e a Somália ainda não ratificaram a Convenção aprovada por unanimidade pela Assembleia das Nações Unidas a 20 de Novembro de 1989 e que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais de todas as crianças. Portugal ratificou a convenção em 21 de Setembro de 1990.

Gabriela Chagas (Lusa)

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