terça-feira, 31 de março de 2009

REGULAMENTAÇÃO DAS ALTERAÇÕES À REFORMA DA ACÇÃO EXECUTIVA


Com vista à regulamentação das alterações introduzidas na acção executiva pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, foram publicados os seguintes diplomas: -

Portaria n.º 312/2009, de 30 de Março (regulamenta o regime aplicável ao reconhecimento dos sistemas de apoio a situações de sobreendividamento)

https://dre.pt/pdf1sdip/2009/03/06200/0191301915.pdf

Portaria n.º 313/2009, de 30 de Março (regula a criação de uma lista pública de execuções, disponibilizada na Internet, com dados sobre execuções frustradas por inexistência de bens penhoráveis

https://dre.pt/pdf1sdip/2009/03/06200/0191601918.pdf

Portaria n.º 331-A/2009, de 30 de Março (regulamenta os meios electrónicos de identificação do executado e dos seus bens e da citação electrónica de instituições públicas, em matéria de acção executiva)

https://dre.pt/pdf1sdip/2009/03/06201/0000200005.pdf

Portaria n.º 331-B/2009, de 30 de Março (regulamenta vários aspectos das acções executivas cíveis)

https://dre.pt/pdf1sdip/2009/03/06201/0002300023.pdf

MOVIMENTO EXTRAORDINÁRIO DE JUÍZES

Divulgação n.º 43/2009 (Conselho Superior da Magistratura)
«Dá-se conhecimento a todos os Senhores Juízes que no Plenário do Conselho Superior da Magistratura de hoje foi aprovado o Movimento Judicial Extraordinário de Abril de 2009»

MÃE HÁ SÓ DUAS

Reino Unido vai permitir que as mulheres que recorrem a técnicas de procriação medicamente assistida possam indicar uma mulher como pai

Em português torna-se tudo muito mais complicado. Dizemos “pais” para falar do par formado pelo pai e pela mãe. Também dizemos “pais” para falar dos homens que têm filhos. Em espanhol é a mesma coisa, uma confusão. Em francês ou inglês há menos confusões: parents (a mesma grafia nas duas línguas) é o conjunto do pai e da mãe. Quando falamos do papel dos pais, dos direitos dos pais ou das responsabilidades dos pais, em português, ninguém se entende, a menos que de vez em quando se especifique: “Aqui estou a falar de pais-fathers.” “Agora estou a falar de pais-parents.”É estranho que não se tenha adoptado um termo mais específico para representar algo tão importante como este par. Mas talvez não seja estranho: há em “pais” uma sub-reptícia reivindicação de poder masculino, como se o pai quisesse chamar a si, para a autoridade paternal, aquilo que é a autoridade parental, o poder dos dois pais. Um reflexo do “cabeça de casal”, do “chefe de família”.
Mas onde a língua choca violentamente com a realidade é quando, como acontece nos casais de duas mulheres lésbicas que têm filhos – por adopção, inseminação artificial, fertilização in vitro, fruto de uma relação heterossexual de uma delas –, os “pais” são duas mães.
A situação está longe de ser nova. Países como a Espanha, Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega, Dinamarca, Canadá ou Reino Unido permitem a adopção de crianças por casais do mesmo sexo, alguns já há vários anos. E, a partir da próxima sexta-feira, o Reino Unido vai passar a permitir que as mulheres que recorrem a técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), indiquem como “o outro pai (parent)” indistintamente um homem ou uma mulher. Vários outros países já o permitiam, mas a nova lei britânica, que entra em vigor no país que inventou a fertilização in vitro, vai ser mais um forte argumento de pressão para os que defendem a igualdade de direitos parentais entre casais hetero e homossexuais.Mas, se há assunto que suscita paixões e argumentos arrebatados, é o dos direitos parentais dos homossexuais, mesmo que individualmente considerados, e – ainda mais – dos casais homossexuais. A prova disso é como, mesmo pessoas (e organizações) que defendem o casamento homossexual, param na fronteira da concessão dos direitos de adopção ou de recurso à PMA a casais do mesmo sexo. Não há muitos assuntos que nos interpelem tanto e sobre os quais receemos tanto decidir, como sociedade. Pelo que significam de alteração de papéis que nos habituámos a ouvir dizer que constituíam as fundações da nossa sociedade (e quem é que quer abanar as fundações da sociedade?) e pelos riscos que não estamos dispostos a fazer correr as nossas crianças. E, se há nos dois extremos “conservadores” e “liberais” com convicções definidas, há também, no meio, imensa gente que, mesmo quando é mais sensível a argumentos de um dos lados, se sente incapaz de tomar uma decisão. É particularmente curioso como muita gente que favorece os direitos dos homossexuais nesta matéria diz mais facilmente “penso que é algo que vai acabar por acontecer” do que avança uma declaração de apoio sem ambiguidades.É o peso do argumento da “evolução natural” a fazer-se sentir. O receio de brincar a Deus ou aos engenheiros sociais. Mas não empurramos tantas vezes, para a frente ou para o lado, essa evolução natural das coisas e da sociedade?“
A criança fruto da procriação medicamente assistida deve ser encarada como um fim em si mesmo e um dom a acolher, não como um objecto que se reivindica ou um instrumento ao serviço de fins que a ultrapassam”, diz Pedro Vaz Patto, juiz e membro da Comissão Nacional Justiça e Paz, organismo laico da Conferência Episcopal Portuguesa. “E o bem dessa criança exige que nasça no contexto o mais possível próximo do que se verifica com a procriação natural. Impõe-se garantir não que ela vá ser criada num qualquer contexto possível, mas naquele contexto que para ela é o melhor. E isso deve ser garantido. Não podemos aceitar experimentalismos sociais, a criança não pode ser objecto de experiências mais ou menos vanguardistas ou correr riscos que poderão ser fatais. Não se trata de ser conservador, trata-se de aplicar um princípio de precaução que neste âmbito se justifica mais do que em qualquer outro.”
Apesar do que diz Vaz Patto, este é o argumento conservador por excelência, mas não é por isso que ele deve pesar menos. Pelo contrário, se há domínio onde a prudência, a escolha de soluções conhecidas e a recusa de riscos parece imperativa deve ser este. O argumento conservador parece aqui de grande sensatez.
Só que, quando a lei permite este tipo de soluções, ela não está a ser vanguardista ou experimentalista. A realidade é que há muitas crianças que vivem já e há muitos anos com pais homossexuais – ou com um progenitor biológico e o seu companheiro (ou companheira) ou nasceram já no âmbito de uma relação homossexual. Segundo dados do Gabinete de Recenseamento dos Estados Unidos (US Census Bureau), havia em 2005 nos EUA 270.313 crianças a viver com casais formados por pessoas do mesmo sexo. Vinte por cento dos casais de gays ou lésbicas tinham crianças a seu cargo (menores de 18 anos). E estimava-se que 65.000 crianças adoptadas vivessem com um pai (parent) homossexual. Em 2000, o número de casais do mesmo sexo recenseados nos EUA era superior a 770.000. Surpreendente? Talvez, mas trata-se de dados que muita gente prefere ignorar.
O psiquiatra Afonso de Albuquerque, no seu livro Minorias Eróticas e Agressores Sexuais, no capítulo intitulado “Os homossexuais como pais” refere que – “apesar de a relação homossexual não ser reprodutiva, cerca de 25 % dos homens gay e uma percentagem ainda mais elevada de lésbicas (65 %) têm filhos”. Muitos destes são fruto de relações heterossexuais anteriores ou relações ocasionais concomitantes, mas um número crescente destas crianças são fruto de PMA.
O que é que isto quer dizer? Que a lei, mesmo quando parece avançada e mesmo quando é objecto de contestação, não está a fazer engenharia social, mas sim a enquadrar situações que existem no terreno e que até nem são tão raras como se pensa. Isto não significa que elas devam ser aceites por esse facto – há comportamentos que a sociedade reprova e que não vai legalizar apenas pelo facto de serem comuns. Mas significa que um dos argumentos mais vezes avançados contra as leis socialmente mais liberais – o de que vão abrir uma caixa de Pandora com consequências imprevisíveis – não tem muitas vezes razão de ser. A caixa de Pandora, se existe, já foi aberta há muito e ninguém reparou.
Há outra coisa que decorre da abundância de situações deste tipo: houve tempo para realizar estudos e estudos com grupos de dimensão razoável e com um recuo temporal considerável – nomeadamente estudos sobre jovens adultos que cresceram em casas onde os pais eram duas pessoas do mesmo sexo (dois pais, duas mães) e que permitem extrair conclusões sobre o seu desenvolvimento geral e sobre uma das grandes interrogações: estes pais influenciam de alguma forma a identidade e a orientação sexual dos seus filhos?“
Há muitos estudos feitos desde os anos 70, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, sobre o desenvolvimento das crianças educadas por casais do mesmo sexo”, diz-nos Susan Golombok, directora do Centro de Investigação sobre a Família da Universidade de Cambridge e uma das autoridades mundiais em famílias lésbicas. “
Nessa altura não se sabia nada sobre isto e estes estudos foram desencadeados por casos judiciais de custódia de crianças em casos de divórcio. Mais tarde, com a difusão do recurso a PMA por parte de casais de lésbicas, houve uma proliferação de estudos. E a verdade é que estas crianças – e estes jovens, porque nós seguimos as crianças até à idade adulta – não apresentam diferenças significativas em relação a quaisquer outras do ponto de vista do bem-estar psicológico, do comportamento, do ponto de vista do desenvolvimento do género, da identidade de género, quer, especificamente, do ponto de vista da sua orientação sexual. Não há mais homossexuais entre os jovens que foram educados por um casal homossexual do que na população em geral.”
O que Susan Golombok encontrou nestes jovens, na adolescência, foi uma maior disponibilidade que na população em geral para a experimentação sexual com parceiros do mesmo sexo – “um encontro, uma noite” –, o que parece ser atribuível a um ambiente menos repressivo em relação a essas práticas. Mas a orientação sexual destes jovens não apresenta desvios em relação aos padrões da população geral.
Muitos homossexuais minimizam a questão – “e se houvesse mais homossexuais qual seria o problema?” perguntam –, mas essa é de facto uma das questões candentes. O que parece é que, da mesma maneira que crescer numa família tradicional não faz com que os filhos sejam heterossexuais, ser educado por duas mães lésbicas não faz das crianças homossexuais.“
Uma coisa que é muito curiosa é que, mesmo do ponto de vista dos comportamentos associados ao género”, diz Golombok, “como os rapazes brincarem com pistolas e as meninas com bonecas e coisas assim, apesar de algumas das mães lésbicas tentarem contrariar de forma muito activa esses comportamentos típicos do género, não encontrámos diferenças significativas ante a população geral. A atitude das mães não fez diferença. Em geral considera-se que os rapazes precisam de um modelo do pai para seguir e as raparigas do modelo da mãe. A verdade é que não encontramos provas científicas de que um rapaz seja menos masculino quando é educado apenas por uma mãe ou por duas mães lésbicas.”
Como se explica isso? Golombok responde cautelosamente: “A verdade é que os pais (parents) não fazem grande diferença em termos do desenvolvimento do género nos filhos. Há muitas outras influências além da família nuclear que são importantes, a escola, a comunidade…”Será possível? Os pais (parents) não são tão importantes como pensamos e os pais (fathers) têm tão pouca importância que, quando os descartamos por completo (por exemplo, nas famílias lésbicas), não parece acontecer nada de catastrófico aos filhos? O que é que isto diz aos pais-fathers (como eu)?
A verdade é que andámos a ouvir durante tantos anos que o papel do pai era basilar na família e que representávamos um papel que mais ninguém podia representar, que acabámos por acreditar mas… será mesmo assim?Aprendemos que ao pai cabia o papel severo (e perseverante), administrador de disciplina, e que a mãe era a provedora de carinho. Que o pai preparava com rigor os filhos para o futuro e que a mãe os apoiava com amor no presente. Que o pai tinha a manápula de ferro e a mãe a luva de veludo. Já não será assim? De facto, parece que já não é – ainda que as referências literárias perdurem. Se algo mudou no último século, foi a família e Freud teria de reescrever boa parte da obra, se ressuscitasse neste século XXI.
O papel social das mulheres mudou drasticamente e com ele o seu papel na família e com ele o papel dos homens e toda a dinâmica familiar e até o pathos. A mulher passiva, dócil e doméstica é hoje activa, assertiva e profissional. E se o papel do homem na família estava intimamente ligado à sua função de provedor do sustento e à sua autoridade natural devido à superioridade masculina… é natural que esse papel também tenha mudado.“
Se para Freud a criança precisa de uma mãe/mulher e de um pai/homem, clínicos posteriores defendem que a criança tem necessidades de sobrevivência, de afecto e lúdicas e de uma ou mais pessoas a quem se ligue. Há imensa investigação a comprovar estas afirmações”, diz a psicóloga clínica Margarida Gaspar de Matos. “Quando pensamos em ‘desvios’ das famílias idealizadas, se quisermos ser analíticos, ficamos sem saber se os potenciais problemas que os filhos possam apresentar não serão devidos ao estatuto ‘desviante’ dessa família. Quem nos diz que não são consequência da escola, da rua, dos amigos, do regime político, do século ou do país em que nasceram?”
De facto, de um certo ponto de vista – como alguém que passou toda a sua vida numa família, penso que isso me qualifica pelo menos como observador interessado –, as famílias não parecem ter mudado radicalmente, porque continuam a ocupar o seu papel, mas cumprem-no hoje de forma muito diferente do que faziam no passado. E muitos dos modelos de família actuais seriam certamente considerados desviantes e geradores de patologia há um século. Hoje há famílias tradicionais onde o pai cozinha e a mãe trata dos computadores e do carro.
Mas será que daí se pode passar para uma família sem pai? O que pode um pai pensar disso?É verdade que já há (sempre houve e hoje há mais ainda) famílias sem pais (e crianças criadas apenas pela mãe ou pela avó), mas nenhum pai pode imaginar sair de cena sem experimentar uma profunda sensação de perda – para si e para os seus filhos. Há uma morte simbólica do pai. Imaginar a nossa família sem nós não pode deixar de ser uma experiência de luto e é isso que alguns homens sentem ao imaginar-se excluídos do quadro onde sempre estiveram – e onde por vezes se imaginam ao centro, com a mão na espada e o olhar no horizonte. Mas a questão é que não se trata de expulsar do paraíso doméstico os homens que lá estão. A questão é simplesmente a de imaginar e construir outros universos domésticos onde não há homens. E o mesmo se poderia dizer das mães.Mas então os pais (fathers) não são importantes?“
Os pais (fathers) são importantes pela mesma razão que as mães são importantes: pelo afecto”, responde Golombok. “A qualidade da relação (parenting) é que é importante. O género é secundário.”
Mas a quem cabe nesse caso o papel de pai? A pergunta é difícil de responder porque… talvez não haja um papel específico de pai. Quem vai ensinar o filho a pescar, a fazer a barba, a dar o nó da gravata? Quem souber e quem lá estiver. O papel de pai (father) é apenas aquele que eu faço quando sou pai (parent). E, se as famílias vêm em diferentes formatos, os pais também. Há pais que não pescam, se cortam sempre ao fazer a barba e não sabem dar nós de gravata. E, no que diz respeito às coisas realmente importantes, acompanhar, apoiar, incentivar, ouvir, acarinhar, aconselhar, ensinar, alguém duvidará que as mulheres as fazem igualmente bem?“
Diz-se que as crianças precisam de um pai e de uma mãe para ter modelos femininos e masculinos da sociedade, mas esses modelos foram criados por esta mesma sociedade e nada nos diz se são bons para o crescimento harmonioso do criança”, diz Margarida Gaspar de Matos. “Não está escrito em lado nenhum, nem há qualquer investigação que permita concluir que a criança que cresça a observar a mãe na cozinha e o pai a ver futebol fique melhor ou pior do que outra que vê a mãe na cozinha e a outra mãe a ver futebol, o pai na cozinha e o outro pai a ver futebol, o pai na cozinha e a mãe a ver futebol ou os dois na cozinha ou os dois a ver futebol ou qualquer outra combinação. Mas o mesmo não se pode dizer da criança que vê o pai a bater na mãe, o pai a espancar os irmãos, a mãe a bater no pai, a mãe a bater na outra mãe…”
Mas há comportamentos de género, apesar de tudo os homens e as mulheres não são iguais. Não é conveniente para uma criança ter um homem na família?“As pessoas não são criadas apenas pela família próxima”, diz Paulo Corte-Real, presidente da Associação ILGA Portugal-Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero. “Há a rede familiar alargada, os amigos e amigas, a escola, a sociedade em geral e todos os modelos estão aí representados. Será que podemos dizer que uma criança que é criada só pela mãe não sabe que é um homem?”
Os trabalhos de Golombok têm alimentado alguma controvérsia, mas ela é mais devida às posições pessoais dos vários intervenientes na discussão do que à análise dos dados. Os dados, esses, parecem apontar de forma consistente para a conclusão de que os pais homossexuais – individualmente considerados ou aos pares – não são piores para as crianças que os heterossexuais.“
Aquela visão de sonho da família idealizada: um par heterossexual, duas pessoas jovens, bonitas, saudáveis, cultas, sofisticadas, bem formadas, que adoram os filhos, que nunca perdem a paciência, que nunca se zangam, que nunca se enganam, que nunca erram, que nunca se cansam – os YAVIS, Young, Attractive, Valuable, Inteligente and Sophisticated – não são a maioria das famílias e, se calhar, nem são nenhuma família, face a um olhar mais profundo”, diz Margarida Gaspar de Matos. “Não há famílias ‘excelentes’. A argumentação à volta da competência pessoal, afectiva, e social de um casal homossexual na educação de um filho parte unicamente de vários preconceitos e estereótipos que não resistem a uma observação mais profunda.”Há outro aspecto já referido de passagem, mas que merece uma atenção mais profunda no caso de crianças filhas de duas mulheres: a pressão social. Mesmo que a sua vida familiar seja cheia de afecto e segurança, estimulante e equilibrada, o olhar dos outros, a censura, a discriminação não podem ser origem de sofrimento para as crianças?“
Penso que o único problema que surge no caso de os pais terem o mesmo sexo é mesmo a pressão social que se exerce sobre os pais e a criança”, diz Margarida Gaspar de Matos. “Esse peso da norma e da discriminação não é menosprezável e até pode ser muito invasivo. Só que o problema não está na identidade ou orientação sexual dos cuidadores, mas na energia que a criança tem de despender face a um ambiente hostil e culpabilizador.”
A investigação de Susan Golombok também encontrou problemas nesta área.“Uma família não tradicional pode experimentar mais dificuldades, ser objecto de discriminação”, diz a investigadora de Cambridge. “
Mas isso depende muito do ambiente onde vive, se vive numa zona rural muito tradicional ou numa grande cidade, por exemplo. A família não vive num vácuo social. Na nossa investigação, uma das coisas que estudávamos era o bullying a que as crianças poderiam ter sido submetidas devido à sua situação familiar. As crianças não relatavam mais episódios de bullying que as outras. Mas quando as interrogámos passados uns anos, relatavam mais casos de provocações dos colegas durante a adolescência a propósito não da orientação sexual das suas mães, mas da sua própria orientação sexual.”
A discriminação social, porém, dificilmente pode justificar uma atitude de obstáculo à parentalidade de casais de gays ou lésbicas. Se assim fosse, o mesmo princípio, em nome da protecção dos interessados contra a crítica, poderia ser usado para proibir qualquer situação que pudesse ser objecto de censura social. Estaríamos a somar uma agressão a outra.
Mas essa discriminação social pode estar a desvanecer-se.
“Os mais jovens têm posições mais abertas”, diz Rui Nunes, director do Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e presidente da Associação Portuguesa de Biotética. “A sociedade portuguesa está progressivamente a aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e tenho poucas dúvidas de que, depois do casamento, virá a adopção e a PMA. É provável que o curso dos acontecimentos em Portugal seja semelhante ao que aconteceu no Reino Unido. Mas ainda faltam estudos que iluminem de uma forma clara algumas questões, já que o que está em causa são os direitos da criança e temos de aplicar o princípio da precaução. É preciso comprovar os estudos já existentes que parecem apontar que, para o desenvolvimento harmonioso de um ser humano do ponto de vista psicológico, familiar, relacional, não é necessário um casal de duas pessoas de sexo oposto e que é o amor que é fundamental e não o género. Se isso acontecer, não creio que haja fundamento ético para impedir o recurso de casais do mesmo sexo quer à PMA, quer à adopção.
”A ILGA também deseja que o casamento, a adopção e a PMA passem a ser acessíveis aos casais gays e lésbicos e está preocupada com o que Paulo Corte-Real considera uma situação de total desprotecção dos pais homossexuais. “Em Portugal não há adopção por casais do mesmo sexo e a PMA exclui mulheres solteiras e casais de lésbicas”, diz Corte-Real. “Apenas podem fazer uma inseminação mulheres casadas ou em união de facto com um homem. O que acontece é que muitas portuguesas vão a Espanha para fazer a inseminação artificial.
”Uma vez em Portugal, porém, se a mãe biológica consta nos documentos como mãe, o outro elemento do casal não tem existência legal na família e, oficialmente, não tem quaisquer direitos sobre a criança.
Seria fácil aprovar em Portugal uma lei como a que entra em vigor esta semana no Reino Unido? António José Fialho, juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, que prefere não se pronunciar sobre a matéria substantiva da lei britânica, diz que do ponto de vista jurídico não seria complicado, ainda que isso obrigasse a uma série de alterações. “A lei portuguesa, no que respeita à filiação, baseia-se num princípio que é a prevalência da verdade biológica. E considera que só há geração de família a partir de um casal formado por duas pessoas de sexos diferentes. O pai biológico é sempre um homem, não pode ser uma mulher. E não pode haver duas mães”, diz António José Fialho. “Ora a lei britânica está em conflito com a verdade biológica. Para adoptar algo de semelhante em Portugal seria preciso mudar muitas coisas no Código Civil, relativamente à adopção, à maternidade e à paternidade. Quanto à Constituição, penso que não haveria alterações a fazer, pois possui abertura para acolher todas as soluções. Mas também é verdade que existem já excepções a esse princípio da verdade biológica. É o caso da mulher que se submete a uma inseminação artificial com dador mas declara que o pai da criança que nasce é o marido ou os casos de adopção, onde os pais legais não são os pais biológicos.”
Enquanto o debate não se generaliza e os políticos não abordam a questão legislativa, e independentemente da opinião que cada um tenha, é importante lembrarmo-nos de uma coisa: casais de homens gays e de mulheres lésbicas já existem. Homossexuais sós que vivem com um ou mais filhos, biológicos ou não, também. Casais de mulheres ou de homens com um ou mais filhos, filhos biológicos de um deles ou adoptados, também existem. O que se irá discutir um dia é apenas como lhes vamos chamar e se o seu estatuto será assumido com honestidade pelo resto da sociedade, ou se teremos de continuar a encontrar eufemismos para falar da situação familiar destas pessoas que vivem à nossa volta, que são os nossos familiares, os nossos colegas, os nossos amigos, os nossos pais e os nossos filhos.
José Vitor Malheiros (Jornal Público)

domingo, 29 de março de 2009

O DESASTRE DA PONTE DAS BARCAS


Comemora-se hoje o segundo centenário do Desastre da Ponte das Barcas, na cidade do Porto.

A Ponte das Barcas era uma ponte que existia sobre o Rio Douro, no início do século XIX, projecta por Carlos Amarante e inaugurada em 15 de Agosto de 1806.

Era constituída por vinte barcas ligadas por cabos de aço, justapostas lado a lado e ancoradas ao fundo do rio, a qual podia abrir em duas partes para dar passagem ao tráfego fluvial, garantindo assim uma circulação mais rápida de pessoas e mercadorias entre as duas margens do Rio Douro.

Sobre as barcas corria um estrado que permitia a passagem de pessoas e veículos.

Em Março de 1809, a cidade do Porto foi invadida pelas tropas francesas comandadas pelo General Soult e o exército português, pouco numeroso e mal preparado, não resistiu ao ataque.
Entretanto, entre a população corriam notícias sobre o comportamento dos franceses que provocaram receio entre os portuenses.

No dia 29 de Março de 1809, durante a fuga desesperada de milhares de portuenses através da Ponte das Barcas, esta não resiste ao excesso de peso e parte-se, provocando a morte de cerca de quatro mil pessoas.

Em homenagem aos falecidos, na zona da Ribeira, existe ainda a zona das “alminhas” onde ainda hoje continuam a arder velas, em número muito apreciável, pelas almas dos que perderam a vida nesse dia fatídico e no episódio que viria a ser conhecido pelo Desastre da Ponte das Barcas.

Reconstruída depois da tragédia, a Ponte das Barcas viria mais tarde a ser substituída pela Ponte Pênsil em 1843, da qual restam, junto da Ponte D. Luís (construída ao seu lado) os pilares e as ruínas da casa da guarda militar que assegurava a ordem e o regulamento da ponte, assim como a cobrança de portagens para a sua travessia.

Como curiosidade, com vista a testar a sua resistência e recordando por certo a tragédia ocorrida com a ponte anterior, a Ponte Pênsil foi testada com um peso aproximado de cento e cinco toneladas, recorrendo-se a cerca de cem pipas de água.

RESULTADOS DAS ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS SOCIAIS DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES


É o seguinte o resultado das eleições para os órgãos sociais da Associação Sindical dos Juízes Portugueses que tiveram lugar ontem.

DIRECÇÃO NACIONAL
Lista A - 759
Lista B - 440
Brancos - 30
Nulos - 7

REGIONAL NORTE
Lista A - 227
Lista B - 149
Brancos - 8
Nulos - 1

REGIONAL CENTRO
Lista A - 132
Lista B - 58
Brancos - 5
Nulos - 2

REGIONAL SUL
Lista A - 387
Lista B - 257
Brancos - 6
Nulos - 13

Recordamos que a lista vencedora (Lista A) apresentou-se sob o lema DAR CONFIANÇA e tinha como principal rosto o Juiz Desembargador no Tribunal da Relação do Porto, Dr. António Francisco Martins (actual presidente da Direcção Nacional que se recandidatava).

Expressamos a todos os juízes associados os parabéns por mais uma vitória da democracia interna na Associação Sindical dos Juízes Portugueses e, em particular, aos juízes que foram eleitos para os diversos órgãos, votos de bom trabalho e sucesso durante o novo mandato que agora se inicia.

Julgamos ainda dever justificar-se aqui uma palavra de apreço aos membros da Comissão Eleitoral que lograram tornar possível mais cedo a divulgação dos resultados com um grau de eficácia e competência que foi elogiado por todos os candidatos.

sexta-feira, 27 de março de 2009

A MORTE INVENTADA - ALIENAÇÃO PARENTAL


A Morte Inventada - Alienação Parental é um projecto que tem origem no Brasil a propósito da Síndrome de Alienação Parental que já tivemos oportunidade de mencionar neste espaço.

Este projecto tem como especial atributo o uso dos meios audio-visuais com vista a dar uma perspectiva muito forte deste problema que afecta milhares de crianças e jovens em todo o mundo e a relação que estes têm com os progenitores com quem não residem habitualmente (o pai ou a mãe).

Contactámos os responsáveis deste projecto que, de forma muito amável, informaram que, durante o próximo mês de Abril, será lançado o documentário "A Morte Inventada - Alienação Parental" e a partir do mês de Maio, será lançado o DVD do filme com exibições públicas seguidas de debates em cidades do Brasil, como São Paulo, Brasília, Goiânia, Porto Alegre e Florianópolis.

O site do próprio projecto (disponível aqui) está a ser reformulado e nele irão constar as informações sobre a agenda de exibições, como adquirir o DVD e um novo "trailer" do filme.

Sugerimos que visitem este espaço e ouçam o "trailer" (clicando no link que disponibilizamos e depois na imagem da televisão).

O título é bastante particular - a "morte inventada" - para o fenómeno da Alienação Parental e que, em Portugal, tem tido também uma designação bastante sugestiva de "órfãos de pais vivos".

Como prometemos anteriormente, iremos estar atentos a notícias sobre esta questão, esperando contar com a colaboração dos nossos habituais visitantes.

quinta-feira, 26 de março de 2009

COMUNICADO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

COMUNICADO N.º 3/2009
Na edição de 25 de Março de 2009, do jornal «Correio da Manhã» consta a afirmação de um dirigente do Sindicato dos os Trabalhadores da Construção Civil e Madeiras do Distrito de Braga, segundo o qual «os senhores juízes não querem saber da situação dos trabalhadores. Para não fazerem julgamentos, que dão muito trabalho, forçam, ameaçam e chantageiam os trabalhadores, levando-os a assinar acordos que lhes são quase sempre desfavoráveis», acrescentando que «os trabalhadores amedrontam-se e os advogados, mesmo os do sindicato, também se inibem e quem paga é o elo mais fraco». Perante estas afirmações, o Conselho Superior da Magistratura consigna que:
1) A realização da tentativa de conciliação, no âmbito da tramitação do processo laboral, é obrigatória e decorre expressamente de imposição legal (art.º 70.º do Código de Processo de Trabalho) e não de qualquer discricionaridade do juiz.
2) Por outro lado, o juiz tem a obrigação, igualmente legal, de assegurar que a tentativa de conciliação conduza a um “acordo equitativo” (art.ºs 51.º e 55.º nº 2 do CPT), tendo em consideração a dificuldade na produção de certo tipo de prova, das questões jurídicas que lhe podem estar subjacentes e do risco que emerge da submissão a julgamento nessas condições em que, se o empregador ou o trabalhador não fizer, respectivamente, a prova que lhe incumbe segundo as regras legais de distribuição do ónus provatório, pode perder a causa, com risco total.
3) A imputação genérica de actos coactivos por parte dos juízes não é compatível com o facto das partes estarem representadas por advogados (que, pelo seu estatuto profissional não se deixam coagir, sendo aliás, muitos dos trabalhadores representados por advogados dos sindicatos), bem como pela presença dos Magistrados do Ministério Público em todas as diligências em que intervêm.
4) As situações descritas na notícia não correspondem à prática judiciária nesta área de jurisdição laboral, sendo que qualquer situação concreta individualizada em que porventura tenha ocorrido o circunstancialismo enunciado na notícia citada deve ser objecto de participação devidamente concretizada ao Conselho Superior da Magistratura, enquanto órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial, para a competente averiguação e apuramento de responsabilidade e não de imputações genéricas que obstam a tal intervenção.
Lisboa, 25 de Março de 2009
O Vice-Presidente
António Nunes Ferreira Girão
(Juiz Conselheiro)

quarta-feira, 25 de março de 2009

A ÉTICA EM TEMPOS DE CAMPANHA ELEITORAL


Com autorização da autora, divulgamos o texto da carta remetida pela Juíza Desembargadora Dra. Ana Luísa Geraldes, à Directora da Revista «Justiça e Democracia», em virtude de na última edição desta revista ter sido publicado um parecer sobre o Citius de que foi relatora na CNPD, sem autorização nem indicação da autoria e proveniência, local/suporte físico original de tal Parecer, surgindo associado a artigos de opinião e mensagens de campanha a favor da "Lista A" de candidatura às eleições da ASJP.


À Directora da Revista "Justiça e Democracia"

Cara Colega:

Só ontem - dia 23 de Março - constatei que na Revista de que é Directora - "Justiça e Democracia", com o nº 3, e distribuída a semana passada - foi incluído, a fls. 25, o Parecer nº 15/ 2004, Relatado por mim, em 27 de Abril de 2004, na qualidade de Vogal da Comissão Nacional de Protecção de Dados, cargo que ocupava naquela data.
Incidiu tal Parecer, publicado sob a epígrafe de "Citius", sobre um Anteprojecto de diploma legal ali citado, tendo sido redigido numa fase ainda embrionária de tal sistema, mas onde, contudo, já se alertava para a necessidade de adopção de medidas de segurança por forma a restringir o direito de acesso e a preservar a segurança da informação.
Tratando-se de um Parecer que se encontra inserido no sítio da CNPD e, por conseguinte, de acesso a qualquer um, a sua utilização ou divulgação não me mereceria qualquer comentário se acaso tivesse sido integrado num espaço de debate associativo sobre a temática do "Citius" e a regulamentação dos ficheiros de dados de gestão processual automatizada dos Tribunais, da protecção de dados pessoais e da adopção de medidas de segurança que um sistema desta natureza deve envolver.
E, naturalmente, tivesse sido indicada não só a sua autoria e proveniência, mas também o local/suporte físico original de tal Parecer.
Porém, não foi este o contexto em que se inseriu a sua publicação.
Com efeito, constata-se que a V. Revista, onde o Parecer foi incluído, se encontra toda ela direccionada à publicitação da Lista que apoia, desde a própria capa, onde se dá especial destaque à Lista "A", a todo o seu interior, com diversos Artigos de Opinião e "Mensagens" numa campanha clara e inequívoca a favor de tal Lista.
A igual conclusão se chega quando se procede à leitura de tais artigos, nos quais a palavra "Confiança" é apresentada em destaque, em sintonia com aquela lista e o respectivo slogan "Dar Confiança".
Ora, é neste contexto de plena campanha eleitoral para a ASJP e em prol de uma lista claramente identificada, apoiada e veiculada pela V. Revista, com especial destaque neste número, que aparece integrado o meu Parecer, como se a sua autora também fizesse parte do grupo de apoiantes daquela lista, o que, não sendo verdade, não pode deixar de ser considerado como uma "colagem" de todo abusiva e eticamente reprovável.
Desconhecendo eu as razões que presidiram à publicação daquele Parecer, não posso, contudo, deixar de lamentar publicamente o modo, a forma e o tempo escolhido para a sua divulgação.

Ana Luísa Geraldes
(Juíza Desembargadora do Trib. da Relação de Lisboa)

O CONFORTO DE UM FILHO PELO PAI (JEAN MARC BOUJU)


Em 31 de Março de 2003, o fotógrafo francês Jean Marc Bouju, ao serviço da Associated Press, acompanhava a 101.º Brigada Aerotransportada do Exército dos Estados Unidos da América, num campo de concentração improvisado perto da cidade de Najaf, no Iraque.

Nesse dia, um grupo de cerca de trinta prisioneiros foi transferido para o campo e, como tinham sido capturados por outra unidade, desconheciam se eram combatentes ou civis.

Contudo, com o grupo de prisioneiros, vinha também uma criança uma vez que o pai tinha sido capturado com o filho e os soldados optaram por trazer a criança para não a deixar sozinha no deserto.

Ao chegarem ao campo de concentração de Najaf, os soldados norte-americanos procederam da forma habitual, algemando os prisioneiros e enfiando-lhes os capuzes, introduzindo o grupo no interior de um anel de arame farpado.

Foi então que a criança, por certo vendo a sua referência de força e invencibilidade tão assustado e indefeso, entrou em pânico, chorando consulsivamente.

Um soldado norte-americano, animado por um gesto de compaixão, tomou a iniciativa de retirar as algemas ao pai da criança, para que este pudesse abraçá-lo e acalmá-lo.

É esse o momento de vida captado pelo fotógrafo Jean Marc Bouju e que viria a torná-lo o vencedor do World Press Photo de 2003, numa escolha realizada por unanimidade dos membros do júri, entre 24.000 fotos de 124 países.

O gesto de amor e protecção daquele pai, um possível “terrorista iraquiano”, com a cara coberta por um capuz e que não nos revela a sua face, coloca o nosso próprio rosto de pais dentro daquele capuz.

O fotógrafo Jean Marc Bouju diria mais tarde que ouviu “o homem murmurando palavras de consolo em árabe de tal forma que a compaixão do soldado e o amor daquele pai comoveram-me”.

Numa entrevista para a World Press Photo e após a atribuição do prémio, Jean Marc Bouju afirmou que quando captou a imagem, não viu aquela criança em pânico mas sim outra, a sua própria filha de quatro anos de idade: “Não pude deixar de imaginar a minha própria pequenina, a Lauren, que tem a mesma idade do miúdo, nessa situação. Pensei muito nisso antes e depois de tirar a foto. A imagem não nos mostra armas, soldados ou sangue, mas uma verdade da guerra: a de que esta não afecta apenas os soldados que a travam ou os políticos que a ordenam.”

Não sabemos o que aconteceu àquela criança e ao seu pai, ficando apenas a imagem de amor paternal, capaz de inspirar um gesto de compaixão do soldado norte-americano e o carinho de um pai que, mesmo perante uma situação de incerteza pela sua própria vida, reserva para o filho um gesto de ternura.

É o exemplo perfeito do amor incondicional de um pai para com o seu filho.

terça-feira, 24 de março de 2009

ELEIÇÕES PARA O PARLAMENTO EUROPEU


Por Decreto de S. Exa. o Presidente da República, foi fixado o dia 7 de Junho de 2009 para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu.

segunda-feira, 23 de março de 2009

MOVIMENTO EXTRAORDINÁRIO DE JUÍZES


Divulgamos o projecto de movimento extraordinário de juízes em consequência da instalação das comarcas piloto.

As reclamações deverão ser apresentadas até ao dia 25 de Março.

Mais informações no site do Conselho Superior da Magistratura.


sábado, 21 de março de 2009

SERVIÇOS DA JUSTIÇA vs "CARTA DE QUALIDADE DOS JUÍZES" - NOVO "CAVALO DE TRÓIA" PARA A FUNCIONALIZAÇÃO


Fui ontem surpreendido por uma notícia divulgada no Portal do Cidadão com o seguinte conteúdo: -
“Sines vai contar com o primeiro juízo social do país que, no âmbito do novo Mapa Judiciário, será integrado na futura comarca experimental do Alentejo Litoral e reunirá serviços da Justiça na área da Família, Menores e Trabalho.”
Recordo que, no âmbito da nova organização judiciária, será instalado no concelho de Sines um Juízo Misto de Trabalho e de Família e Menores, solução que já tivemos oportunidade de comentar neste espaço.


Contudo, a questão que esta notícia do Portal do Cidadão suscita prende-se na parte do texto que evidenciámos propositadamente: - os tais “serviços da Justiça na área da Família, Menores e Trabalho”.

Com efeito, no quadro constitucional português, os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigos 110.º, n.º 1 e 202.º, n.º 1 da Constituição).

Segundo a doutrina constitucional, os órgãos de soberania são aqueles que se ligam, necessária e primeiramente, à soberania como poder próprio e originário do Estado.
Cada tribunal consubstancia um órgão de soberania aos quais incumbe a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, a repressão da violação da legalidade democrática e a dirimição dos conflitos de interesses públicos e privados.

São independentes e apenas estão sujeitos à lei estabelecendo-se ainda a separação e a interdependência dos órgãos de soberania (artigos 11.º, n.º 1 e 203.º da Constituição).

O conceito de “serviço de justiça” não é alheio a “uma concepção economicista e tecnocrata duma Justiça consentânea com o discurso do Estado neo-liberal e da sociedade globalizada, preconizando-se os Tribunais como categorias empresariais, funcionalizados e dependentes, cujas decisões devem conter um mínimo de oscilação jurisprudencial” (Orlando Afonso, Da Independência da Magistratura).

Como o mesmo afirma, a esta concepção não é alheio o poder político, uma franja da advocacia e alguns sectores pseudo-modernos da magistratura.

Contudo, nós defendemos uma visão da Justiça como valor civilizacional e virtude primeira das instituições sociais, pilar de um Estado de Direito democrático.
Esta concepção não se compadece com índices de produtividade, com regras matemáticas de apreciação do facto jurídico e muito menos com decisões a contento ou por medida.

Esta concepção tem como fundamento a existência de tribunais independentes e eficazes mas repudiando reformas que, directa ou indirectamente, abalem os princípios estruturantes do poder judicial: - a independência, a inamovibilidade, o princípio do juiz natural e outras).

Como afirma Rawls, “cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da Justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade, como um todo, poderá ser eliminada (…) pois a perda da liberdade para alguns não pode ser justificad pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior ou não podendo permitir que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número”.

A Justiça é um valor do Homem e para o Homem e, na tradição constitucional portuguesa, é realizada pelos órgãos de soberania a quem incumbe administrar a Justiça em nome do Povo: - os Tribunais.

O conceito de “serviço de justiça” implica que se perca a real dimensão do Direito da Justiça, defendido por alguns por via de reformas judiciárias em nome da produtividade, do maior lucro ou das menores perdas.
Se a Justiça fosse um serviço, o que se pretende é uma justiça “eficiente”, previsível e ao menor custo, pouco importando que se faça justiça, contanto que se resolvam casos e se diminuam pendências.

Porém, uma justiça matemática ou de escopo económico pode corresponder aos mais elevados parâmetros de gestão empresarial mas, seguramente, não é Justiça pois a maior das qualidades da Justiça é ser, de acordo com a Lei e o Direito, justa.

Não é possível exercer um poder soberano do Estado e, ao mesmo tempo, pugnar pelo conceito de serviço pois este pressupõe uma permanente avaliação da qualidade, na óptica do cidadão-cliente, sendo obrigatório e conveniente que, para a concretização desse objectivo, após cada atendimento, o cidadão deixe a sua avaliação e esta tenha consequências.

Contudo, não entendemos possível defender que o juiz, após condenar um cidadão a uma pena de prisão ou decidir pela retirada de um filho para adopção, pergunte a esse mesmo cidadão se ficou satisfeito com o serviço que lhe foi prestado pois a resposta seria manifestamente evidente.

Isso não significa que a actividade jurisdicional não deva observar determinados princípios face ao cidadão que se dirigiu ao Tribunal e a quem foi aplicada uma pena privativa da liberdade ou decidida uma medida que lhe retira definitivamente os laços parentais, designadamente os princípios do humanismo, da urbanidade e da imparcialidade.
Mas também é necessário que essa actividade jurisdicional seja independente e, sobretudo, seja exercida sem receios ou constrangimentos.

Esses princípios são inerentes à própria função de Juiz e encontram expressão no conjunto de regras éticas que o mesmo deve respeitar no exercício dessa função.

Não precisam de estar plasmadas em qualquer cartaz que se pretende expor em local visível nas áreas públicas de um qualquer Tribunal contribuindo para a aparência do tal “serviço de justiça” que repudiamos.

Este conceito de “serviços de justiça” divulgado por uma entidade do poder executivo, misturado com a imagem de um compromisso ético que parece afirmar aos cidadãos que antes não havia ética entre os juízes, é mais um “Cavalo de Tróia” para a funcionalização e deslegitimação dos juízes.

E é sobretudo mais constrangedor quando surge dentro das muralhas do Estado de Direito democrático que deveria exigir e pugnar por um Poder Judicial soberano e independente.

António José Fialho
Juiz de Direito
Tribunal de Família e Menores do Barreiro

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTOS DA FUNÇÃO JURISDICIONAL


Divulgamos aqui um texto da autoria do Juiz Conselheiro Dr. Salvador da Costa sob o título "Responsabilidade Civil por Actos da Função Jurisdicional".

O texto pode também ser consultado na Revista Jurídica In Verbis (através do link disponível no espaço Blogosfera).
O Juiz Conselheiro Dr. Salvador da Costa é autor de inúmeros trabalhos publicados sobre diversas questões, designadamente sobre apoio judiciário, custas, processo civil e é também um magistrado de olhar atento sobre as questões relacionadas com a vida dos tribunais e o múnus da função de julgar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

FALECEU O DR. ANTÓNIO PEREIRINHA DE MORAIS


Honra, a quem morreu, com a lembrança, e não com as lágrimas



Faleceu ontem o Dr. António Pereirinha de Morais, Ilustre advogado nesta comarca do Barreiro.

O funeral realizar-se-á amanhã, a partir da Igreja de Coina, localidade que tinha eleito para a sua residência há muitos anos, para o Cemitério dos Olivais onde, respeitando a sua vontade, será cremado.

É com enorme tristeza que recebemos esta notícia que nos priva do contacto com um homem e advogado com quem tinha uma especial relação de amizade e que me ensinou os primeiros passos na vida dos tribunais durante os tempos em que fui advogado estagiário e o Dr. Pereirinha de Morais foi o meu patrono.

Com ele aprendi que ser advogado é algo de muito nobre e que, acima de tudo, é o procurar justiça para o cidadão que representa.
Mas também é ser livre nas ideias e no patrocínio.

Expressamos aqui à família do Dr. Pereirinha de Morais, a professora e amiga Olga Pereirinha de Morais, e aos filhos, também eles advogados, Dr. António José Pereirinha de Morais e Dr. Luís Pereirinha de Morais, os nossos sentidos pêsames pela perda do seu marido e pai.

O seu exemplo de vida enquanto cidadão e advogado será a forma singela como o recordaremos.
Os sons desta lembrança serão os trinados das guitarras de Coimbra, cidade onde estudou.

Descanse em paz, meu amigo …

quarta-feira, 18 de março de 2009

CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO (AUTOR DESCONHECIDO)


Carolina Beatriz Ângelo nasceu na cidade da Guarda em 1877, cidade onde frequentou o liceu e fez os estudos preparatórios.

Em Lisboa, concluiu o curso na Escola Médico Cirúrgica em 1902, ano em que casou com Januário Barreto, seu primo, médico e activista republicano.

Foi a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de São José, em Lisboa, sob a orientação de Miguel Bombarda e acabou por se dedicar à especialidade de ginecologia.

Segundo um anúncio publicitário da época, teve consultório instalado no n.º 84 da Rua Nova do Almada, em Lisboa.

Fez parte de diversas organizações republicanas e militou a causa dos direitos das mulheres, fazendo parte de uma delegação que, após a instauração da República, reivindicou junto de Teófilo Braga o direito de voto para a mulher economicamente independente.

Com a publicação da primeira lei eleitoral da República, Carolina Beatriz Ângelo previu a hipótese de ser admitida a votar já que este direito era concedido apenas a cidadãos portugueses com mais de 21 anos que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família.

Invocando a sua qualidade de chefe de família, uma vez que o marido tinha falecido em 1910 e era Carolina Beatriz Ângelo quem havia assumido a educação e guarda da filha menor, pediu à comissão de recenseamento a inclusão nos cadernos eleitorais, o que lhe foi negado pelo Ministro do Interior, António José de Almeida.

Em consequência desta recusa, apelou então para o tribunal, entregando em 24 de Abril de 1911 uma petição subscrita por si, no Tribunal da Boa Hora, onde pedia o direito à inclusão nos cadernos eleitorais e a possibilidade de votar com base nas razões que tinha invocado junto da comissão de recenseamento.

Em 28 de Abril de 1911, o Juiz da 1.ª Vara Cível de Lisboa, Dr. João Baptista de Castro, pai da militante republicana Ana de Castro Osório, proferiu sentença ordenando a inclusão de Carolina Beatriz Ângelo nos cadernos eleitorais.

A decisão do Juiz, Dr. João Baptista de Castro, afirmava que a impossibilidade em conceder o direito de voto à reclamante era “absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e da justiça proclamadas pelo Partido Republicano”.
E afirmava ainda que “a reclamante tem todos os predicados para ser eleitora e não pode ser arbitrariamente excluída do recenseamento eleitoral porque, onde a lei não distingue, não pode o julgador distinguir”, julgando procedente o pedido em obediência aos “verdadeiros princípios da moderna justiça social”.

Desta forma, Carolina Beatriz Ângelo conseguiu obter o direito de votar para a Assembleia Constituinte em 28 de Maio de 1911, tornando-se a primeira mulher a exercer esse direito em Portugal.

Porém, nem todos partilhavam esta visão favorável ao voto feminino, de tal forma que a assembleia que ela se empenhou em eleger, no ano seguinte, alterou a lei eleitoral passando a especificar que apenas os cidadãos do sexo masculino eram admitidos a votar.

Carolina Beatriz Ângelo faleceu apenas com 33 anos de idade, em 3 de Outubro de 1911, vítima de síncope cardíaca.

Para a História, ficou a sua carreira médica, as suas qualidades humanas, o modelo de civismo e coerência que a tornaram a pioneira do sufrágio feminino em Portugal que apenas viria a tornar-se extensivo a outras mulheres mais tarde e com carácter universal apenas com as leis eleitorais publicadas depois de Abril de 1974.

terça-feira, 17 de março de 2009

REDISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS NAS COMARCAS PILOTO


Face ao interesse da questão, divulgamos as regras de redistribuição de processos nas comarcas piloto do Alentejo Litoral, Grande Lisboa Noroeste e Baixo Vouga que foram definidas pelo Conselho Superior da Magistratura.
O documento completo e outras informações pode ser consultado também na página informática do Conselho Superior da Magistratura (através do link que disponibilizamos)

domingo, 15 de março de 2009

CONTRATOS TIPO E CLÁUSULAS ABUSIVAS - A CLÁUSULA GERAL DA BOA FÉ

Assinala-se hoje em Portugal do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor e o aniversário da primeira mensagem do Presidente John Fritzgerald Kennedy sobre os direitos do consumidor.
Associamo-nos a esta iniciativa com a publicação de um texto sobre o princípio geral da boa fé na contratação por adesão e que constitui nos nossos dias uma parte significativa dos contratos que os consumidores celebram.

I - INTRODUÇÃO

A sociedade industrial trouxe as grandes concentrações urbanas e profundas desigualdades. Nasce a sociedade de massas. E, nesta, é impossível manter a negociação individualizada dos contratos. Grande número de contratos passa a ser predisposto pela parte económico-socialmente mais forte, de modo que aos destinatários apenas resta aderir ou abster-se. O diálogo particular desaparece.
Nestes últimos tempos, a evolução do instituto contratual traduziu-se numa como que “objectivação do contrato”, na medida em que o elemento subjectivo foi perdendo importância com a consequente maior relevância do elemento objectivo da declaração.
Esta situação veio introduzir fenómenos de restrição da liberdade contratual.
Assim, nos contratos de adesão, também conhecidos como «contratos-standard» ou integrando cláusulas contratuais gerais, podem-se verificar algumas das mais significativas formas de restrição da liberdade contratual.
Mas, poderá ainda falar-se, nessas circunstâncias, em contrato ? A que fica reduzida a autonomia privada ?
Com efeito, não há para o aderente liberdade de criação de tipos negociais, nem liberdade de estipulação. Nem sequer há, na maior parte dos casos, liberdade económica de celebração, porque o aderente não pode prescindir de bens ou serviços essenciais.
Mas há a liberdade jurídica de celebração. Desde que o aderente consentiu, fica vinculado («pacta sunt servanda»).
Assim, contrato de adesão é aquele cujo conteúdo pré-contratual foi pré-fixado, total ou parcialmente, por uma das partes, a fim de ser utilizado, sem discussão de forma abstracta e geral, na sua contratação futura.
O elemento essencial do contrato de adesão é a ausência de uma fase negociatória no «iter negotii», a falta de um debate prévio com a função das negociações contratuais (Mota Pinto, Contratos de Adesão, R.D.E.S., Ano XX, Abril-Dezembro 1973, pg. 125).
Estes contratos têm subjacente a organização empresarial e a sua intervenção no mercado, na maioria das vezes, consistindo, fundamentalmente, no seguinte: - quem, pelas suas actividades económicas, se acha na necessidade de estabelecer um conjunto indeterminado de negócios de conteúdo idêntico, com um número indeterminado de pessoas, formula antecipadamente um esquema negocial, com um complexo de cláusulas, uniformes, aplicáveis a todas as relações jurídicas, semelhantes, que ficam assim sujeitas a um mesmo regime contratual; as pessoas que, por seu lado, desejam estabelecer negócios com aquele, para fornecimento de produtos ou serviços, não discutem singularmente as cláusulas do contrato, mas limitam-se a aceitá-las em bloco, as quais foram elaboradas unilateralmente pela outra parte.
São contratos de adesão pois a contra-parte interessada no negócio (o aderente) se limita a aderir ao esquema negocial já antecipadamente elaborado pela outra parte ou por terceiro (predisponente).
Este fenómeno de contratação uniforme tem vantagens indiscutíveis na gestão das empresas pela racionalização e economia de meios que proporciona, facilitando e acelerando a conclusão dos negócios, assegurando à empresa uniformidade de critérios nos negócios, impedindo o arbítrio dos seus representantes, permitindo um mais fácil controle das relações estabelecidas com os aderentes, supera as deficiências e desactualização das leis, através de um regime contratual elaborado de acordo com a realidade do mercado e permitindo uma maior segurança nas relações jurídicas pois a regulação exaustiva da relação contratual evita dúvidas e incertezas, assim diminuindo os litígios.
No reverso da medalha, poderão advir prejuízos para os aderentes, os quais ficam privados de negociar o conteúdo do contrato ou de influenciarem de acordo com os seus interesses, estando sujeitos a cláusulas pré-estabelecidas pela contra-parte que, assim, unilateralmente, estabeleceu o conteúdo do negócio, podendo suceder que as cláusulas que compõem o contrato de adesão visem realizar exclusivamente os interesses do predisponente, com a consequente imposição de riscos e sacrifícios aos aderentes, mais gravosos que aqueles que lhe corresponderiam com base em normas legais supletivas que foram fixadas para conseguir uma justa composição de interesses em conflito.
No domínio da contratação baseada em condições negociais gerais, ocorre tipicamente uma perturbação do equilíbrio negociatório, já que as cláusulas aparecem como unilateralmente predispostas para uma série de contratos, acabando por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizar tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos. Permanece aqui implícita uma certa “posição de poder” do utilizador, resultante do próprio modo de formação do contrato, que lhe permite perseverar num regulamento negocial próprio, independentemente da interiorizada concordância do seu parceiro negocial.
Partindo da liberdade negocial, a ordem jurídica deixa ao critério das partes a fixação dos respectivos direitos e deveres, no quadro de uma livre auto-determinação e correspondente auto-responsabilidade, reconhecendo simultaneamente o carácter vinculativo, enquanto lex contractus, ao acordo por esse modo alcançado.
A obtenção de uma razoável repartição de direitos e deveres pressupõe, na lógica do sistema jurídico, um aproximado equilíbrio negociatório das partes, a fim de que qualquer uma delas tenha a possibilidade de defender e concretizar, de forma adequada, os seus próprios interesses.
Surge assim como legítimo que a ordem jurídica se preocupe em tutelar a contraparte do utilizador, tendo em conta os perigos que para ela tipicamente resultam do puro emprego, em si próprio, de condições negociais gerais, independentemente da posição de mercado do utilizador.
A ordem jurídica pretende, assim, impedir o abuso da liberdade de conformação do contrato, por parte do utilizador, que tipicamente se manifesta na contratação baseada em condições negociais gerais, visando compensar os efeitos perversos que, em termos de liberdade contratual, resultam do jogo articulado da unilateral predisposição e da impossibilidade de o aderente exercer influência na composição negocial de interesses.
É neste contexto que se insere a intenção legislativa que se consubstancia na introdução, no ordenamento jurídico nacional, do regime das cláusulas contratuais gerais.

II - CONCEITO DE CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL

O conceito de cláusula contratual geral encontra-se definido nos artigos 1.º a 3.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, publicada no Diário da República I.ª série-A n.º 201/95 - Suplemento, e pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho), designadamente: -

a) - as cláusulas contratuais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar;
b) - as cláusulas inseridas em contratos individualizados mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar;
c) - independentemente da forma da sua comunicação (formulários, tabuletas de aviso ao público ou outras), da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.

São excluídas do âmbito deste diploma (artigo 3.º): -

a) - as cláusulas típicas aprovadas pelo legislador;
b) - as cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal;
c) - os contratos submetidos a normas de direito público;
d) - os actos de direito da família ou do direito das sucessões;
e) - as cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Em conclusão, as cláusulas contratuais gerais são proposições pré-elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou a aceitar, cujo conceito engloba dois elementos essenciais: -

a) - a pré-formulação na medida em que se trata de estipulações predispostas;
b) - a generalidade na medida em que se destinam ou a ser propostas a destinatários indeterminados ou a ser subscritas por proponentes indeterminados; e
c) - a rigidez ou imodificabilidade uma vez que são elaboradas sem prévia negociação individual, de tal modo que sejam aceites em bloco por quem as subscreve ou aceite, não tendo os intervenientes possibilidade de modificar o seu conteúdo.

Não sendo elementos essenciais na sua qualificaçãoa sua qualificaç e minuciosas;, os contratos-tipo integrados por cláusulas contratuais gerais, apresentam ainda as seguintes características: -

a) - a desigualdade entre as partes uma vez que o proponente goza normalmente de superioridade económica e científica em relação ao aderente;
b) - a complexidade na medida em que, regra geral, as cláusulas contratuais gerais incluídas nos contratos de adesão são muito numerosas e minuciosas;
c) - a natureza formulária que se traduz na inserção das cláusulas em formulários ou documentos escritos extensos.

No quadro europeu, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho), constitui um diploma legislativo exemplar, não obstante persistirem no seu enunciado inúmeros conceitos indeterminados que a concretização jurisprudencial teve (e tem) necessidade de preencher (v.g. a boa fé, quadro negocial padronizado, valores fundamentais do direito relevantes em face da situação considerada, objectivo que as partes visam atingir negocialmente, antecipações de cumprimento exageradas, prazos excessivos ou sem justificação, sem compensação adequada, razão atendível que as partes tenham convencionado, data limite fixada excessivamente distante do termo do contrato, sem pré-aviso razoável, locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes, formalidades que a lei não prevê ou comportamentos supérfluos, preço final excessivamente elevado).
Por seu turno, a Directiva n.º 93/13/CE do Conselho de 5 de Abril de 1993 define no seu artigo 3.º o conceito de «cláusula abusiva» como a cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual e quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes concorrentes no contrato.
É no contexto da transposição desta Directiva que o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, sofreu as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho.
O Anexo desta Directiva inclui um conjunto significativo de exemplos de cláusulas abusivas.

III - DEVERES DE COMUNICAÇÃO E DE INFORMAÇÃO

Estabelece o artigo 5.º, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, devendo a comunicação ser feita de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (n.º 3 do mesmo artigo) (Ac. RC de 22/01/2002 in CJ, I, pg. 16; Ac. RC de 18/03/2003 in CJ, II, pg. 16).
Exige-se, em primeiro lugar, que as condições gerais sejam integralmente comunicadas à contraparte, impondo-se, para além disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que actue com a diligência comum.
Com a exigência de comunicação à contraparte das condições gerais como pressuposto de inclusão no contrato singular, está em causa como que uma forma qualificada de dar conhecimento do projecto negocial. Com efeito, a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: - tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte.
Deste modo, para além de ter de dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, o utilizador deverá ainda preocupar-se com o modo como dá cumprimento a essa exigência, pois, sendo certo que este pode variar na sua configuração concreta, e mesmo no que concerne ao momento em que é realizado, permanece como fundamental o imperativo de proporcionar à contraparte a possibilidade de, razoavelmente, tomar conhecimento do clausulado, configurando-se esse dever de comunicar como uma obrigação de meios (Ac. RL de 01/07/1999 in CJ, IV, pg. 83).
De todo o modo, já não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlativo, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa. Ora, bem pode suceder que o comportamento do cliente não corresponda àquele padrão de diligência, pelo que se abre a possibilidade de este não vir a ter, de facto, conhecimento real das condições negociais gerais, que vão integrar, não obstante, o conteúdo do contrato singular.
Dispõe ainda o artigo 6.º do mesmo Decreto-Lei n.º 446/85 que o contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique, devendo ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
Assim, à necessidade de comunicar as condições gerais acresce, em certas situações, uma particular exigência de informação. Com efeito, o utilizador está obrigado a informar o seu parceiro contratual, de acordo com as circunstâncias, sobre determinados aspectos compreendidos nas condições gerais cuja aclaração se justifique. Com a consagração desta específica exigência de informar, há um reforço da ideia de tentar pôr à disposição da contraparte os elementos necessários à formação de uma decisão negocial responsável. Trata-se de uma projecção particular, ainda que com especificidades, do dever pré-contratual de esclarecimento, que a boa fé faz recair, em geral, sobre os contratantes, estando assim, em perfeita sintonia com o disposto no artigo 227.º do Código Civil (Ac. STJ de 02/11/2004 in CJ-STJ, III, pg. 104).
O que se visa aqui é que o utilizador clarifique aqueles concretos pontos do regulamento contratual predisposto que postulem, nas particulares circunstâncias do caso, uma advertência suplementar, de forma a que a contraparte tome consciência do seu significado e alcance no quadro global do programa contratual. Saber quando é que se justifica, de facto, uma aclaração de certos aspectos do conteúdo regulativo predisposto, é sempre algo, todavia, que só poderá verdadeiramente dilucidar-se face ao circunstancialismo da situação contratual em causa.
A manifesta violação do dever de informação é susceptível de diminuir a relação de confiança existente entre as partes e a formação esclarecida do contrato - o que inclui o conhecimento antecipado, tanto quanto possível, dos deveres e dos encargos - não se podendo extrair uma relação sólida de confiança de um contrato que omite elementos que as normas legais aplicáveis consideram essenciais consubstanciando violação concreta do princípio da boa fé.
A falta de observância destes deveres de comunicação e de informação implica a exclusão dos contratos singulares das cláusulas que não tenham sido comunicadas de acordo com as regras legais exigidas e das cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (artigo 8.º, alíneas a), e b), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).
Consideram-se ainda excluídas dos contratos singulares as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real e as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes (artigo 8.º, alíneas c), e d), do citado Decreto-Lei n.º 446/85) (Ac. RC de 30/11/2004 in CJ, V, pg. 28).
A lógica do mútuo consenso como pressuposto da vigência das condições gerais está também subjacente à norma que proíbe as chamadas cláusulas-surpresa. Parte-se da ideia de que determinados factores externos ligados à conclusão do contrato, como a epígrafe das cláusulas, o contexto em que surgem ou a sua apresentação gráfica, evidenciam, só por si, a falta de uma verdadeira concordância do aderente relativamente ao conteúdo regulativo nelas consagrado. Deste modo, aparece como razoável impedir a sua inclusão no contrato singular, já que não chega a formar-se, quanto a tais cláusulas, nem sequer formalmente, o necessário acordo das partes (Ac. RL de 08/05/2003 in CJ, III, pg. 73; Ac. RL de 13/05/2003 in CJ, III, pg. 75; Ac. STJ de 13/01/2005 in CJ-STJ, I, pg. 35; Ac. STJ de 15/03/2005 in CJ-STJ, I, pg. 144).
A consequência jurídica resultante da não observância das regras atinentes à inclusão das condições gerais no contrato singular traduz-se na pura e simples exclusão do contrato celebrado. Mas isto não significa a destruição prática de todo o projecto negocial, já que o contrato se mantém válido e eficaz na parte restante, vigorando, quanto aos aspectos regulativos afectados pela exclusão, as normas supletivas aplicáveis, recorrendo-se ainda, em caso de necessidade, às regras do Código Civil atinentes à integração do negócio jurídico.
A regra geral da subsistência do contrato singular comporta, todavia, excepções, pois a consequência será a nulidade quando, não obstante o recurso ao direito supletivo, ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé (artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85).
Assim, as cláusulas contratuais gerais só ganham relevância negocial directa com a respectiva inclusão em contratos singulares, através da aceitação da contraparte do utilizador.

IV - CLÁUSULAS ABSOLUTAMENTE E RELATIVAMENTE PROIBIDAS

O Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, prevê três núcleos de cláusulas proibidas: -

a) - as cláusulas contratuais gerais que violam a boa fé (artigos 15.º e 16.º);
b) - as cláusulas contratuais gerais que, nas relações entre empresários e outros profissionais liberais, são proibidas (artigos 18.º e 19.º);
c) - as cláusulas contratuais gerais que, nas relações com consumidores finais, são proibidas (artigos 21.º e 22.º).

É estabelecida uma protecção diferenciada entre empresários e consumidores finais.
No ordenamento jurídico nacional e comunitário, o conceito de consumidor é definido da seguinte forma: -
a) - todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica, incluindo-se os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos por organismos da Administração Pública por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos (artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho);
b) - a pessoa singular que actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 35)/91, de 21 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 101/2000, de 2 de Junho; Directiva n.º 97/7/CE; Directiva n.º 85/577/CEE; Directiva n.º 87/02/CEE; Directiva n.º 93/13/CEE; Directiva n.º 97/7/CEE; Directiva n.º 98/6/CE; Directiva n.º 2000/31).
Assim, na óptica legislativa, as proibições estabelecidas a propósito das relações entre empresários ou os que se dediquem a profissões liberais, ou entre uns e outros, surgem como um mínimo requerido para a utilização justa das cláusulas contratuais gerais, o que explica que também se apliquem às relações com característicos consumidores finais ou possíveis equiparados. Mas estes suscitam particulares cuidados de tutela, o que levou, ainda, à consagração de outras proibições, especialmente adaptadas à sua defesa no quadro negocial em causa.
É por isso que, nas relações entre empresários e profissionais liberais, pareceu suficiente assegurar, sobretudo, o não afastamento da responsabilidade, mantendo-se, no resto, a autonomia privada mas, em face dos consumidores finais, porém, houve que ir mais longe, de forma a acautelar uma protecção particularmente eficaz, hoje reconhecida como necessária e que reclama, não apenas providências indemnizatórias, mas a própria efectivação dos bens ou serviços pretendidos.

Nesta perspectiva, as proibições repartem-se por quatro diferentes catálogos, que se relacionam entre si de forma diversa.
Numa primeira classificação, assente no estatuto do sujeito que funciona, em cada caso, como parceiro contratual do utilizador, autonomizando-se dois grupos de proibições, cada um deles subdividido em duas diferentes listas de cláusulas.
O primeiro grupo está directamente pensado para as relações negociais que possam vir a estabelecer com consumidores (artigos 21.º e 22 do Decreto-Lei n.º 446/85) ao passo que o segundo grupo, não obstante o “nomen” da secção onde se integra, acaba por assumir carácter geral.
As suas proibições intervêm, de facto, não apenas quando se trata de relações entre empresários ou entidades equiparadas, mas também quando estão em causa contratos relacionados com consumidores.
Numa outra divisão, que tem a ver com a hipótese de um autónomo juízo valorativo do julgador, aparece-nos a contraposição entre cláusulas absolutamente proibidas e cláusulas relativamente proibidas.
Nestas últimas, abre-se caminho a uma valoração judicial que vai concretizar, na situação considerada, os conceitos indeterminados de que a previsão legal faz uso, ao passo que no outro tipo de proibições se recorre a elementos previsionais fechados, que não justificam, de acordo com as representações do legislador, uma ulterior possibilidade de valoração.
Deste modo, torna-se necessária, no primeiro caso, uma apreciação da situação negocial, o que pode conduzir a que a mesma cláusula seja considerada lícita em determinados contratos e inválida noutros. É para este tipo de resultado que remete a designação de cláusulas “relativamente proibidas”, o que não torna menos justificado que se fale, a este propósito, em “proibições com possibilidade de valoração”, justamente porque na obtenção daquele resultado vai coenvolvida a outorga ao julgador de um juízo valorativo próprio sobre a cláusula, com base nos pontos de partida fornecidos pelos conceitos indeterminados da previsão.
No que concerne ao segundo tipo de proibições, não existe margem para um particular juízo valorativo por parte do julgador, pelo que estas proibições aparecem referenciadas como “proibições sem possibilidade de valoração” a que corresponde a designação de “cláusulas absolutamente proibidas”.
De qualquer modo, nenhuma destas perspectivas permite afirmar que as proibições do primeiro tipo sejam menos estritas do que as do segundo, pois também naquelas o preenchimento da previsão conduz directamente, sem reservas, à nulidade da cláusula controvertida.

As proibições relativas implicam, por natureza, uma certa valoração, da qual irá resultar a decisão final sobre a validade ou invalidade da cláusula considerada.
Assim, o ponto de partida do juízo valorativo é constituído pelos conceitos indeterminados que forma a previsão das proibições singulares em causa e, quanto ao concreto horizonte de referência, remete a lei para o “quadro negocial padronizado”, a significar que a valoração deverá fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior do todo do regulamento contratual genericamente predisposto.
Deste modo, na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Torna-se, por isso, essencial a consideração da situação de interesses contratual-típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio individual realizado.

Nestes termos, estabelece o artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 446/85 que, nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que: -

a) - Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas;

b) - Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros;

c) - Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave;

d) - Excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave;

Estas proibições atingem, na generalidade, as chamadas cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade.
Não competia ao legislador, de forma alguma, a propósito da disciplina do tráfico negocial de massas, intervir numa controvérsia que pertence à ciência do direito, na medida em que a doutrina discute sobre a admissibilidade e a extensão dessas cláusulas.
Por isso, independentemente de saber se duplica, reforça, especifica ou contraria o regime geral, confinou-se a fixar as regras mais adequadas, em seu critério, para prevenir abusos através da utilização de cláusulas contratuais gerais.
O conteúdo destas restrições não veda a estipulação de cláusulas penais. Estas devem, todavia, ser concebidas em ternos de não excluírem a responsabilidade, nem tão pouco a limitarem e, no caso da responsabilidade contratual por incumprimento, mora ou cumprimento defeituoso ou de actos de representantes ou auxiliares, dizem respeito apenas às hipóteses de dolo ou culpa grave.
O conteúdo da proibição relativa aos actos de representantes legais ou auxiliares visa evitar um processo de, na prática, contornar a proibição das cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade dos que deles se aproveitem, tendo em conta que, hoje em dia, as entidades que recorrem a cláusulas contratuais gerais são, em regra, pessoas colectivas que actuam através de representantes e auxiliares, cuja responsabilidade exclusiva esvaziaria, não raro, de conteúdo efectivo o ressarcimento dos danos.
Não são assim permitidas cláusulas de irresponsabilidade nos contratos de adesão na medida em que é entendido que a expressão «acordo prévio» contida no artigo 800.º, n.º 2 do Código Civil significa acordo expresso de ambas as partes e não apenas «uma adesão» a um contrato a que não possa eximir-se (Ac. RL de 11/05/1982 in CJ, III, pg. 90).

e) - Confiram, de modo directo ou indirecto, quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato;

Esta disposição proíbe cláusulas contratuais gerais que confiram, unicamente, a quem as predisponha, a faculdade de interpretar qualquer preceito contratual - e provenha ele, ou não, de simples adesão. A hermenêutica do contrato rege-se por regras próprias. Não havendo acordo entre as partes, resta o recurso a instâncias judiciais.

f) - Excluam a excepção de não cumprimento do contrato ou a resolução por incumprimento;

g) - Excluam ou limitem o direito de retenção;

h) - Excluam a faculdade de compensação, quando admitida na lei;

i) - Limitem, a qualquer título, a faculdade de consignação em depósito, nos casos e condições legalmente previstos;

Vedam exclusões e limitações respeitantes à excepção de não cumprimento do contrato ou à resolução por incumprimento, ao direito de retenção, à faculdade de compensação e à faculdade de consignação em depósito (artigos 428.º e seguintes, 432.º e seguintes, 754.º e seguintes, 847.º e seguintes e 841.º e seguintes, todos do Código Civil).
Com referência a cada uma destas figuras, ficou prevenida a hipótese de, através das cláusulas agora vedadas, se contornarem outras disposições justificadas de exclusão ou limitação da responsabilidade.

j) - Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa, apenas, da vontade de quem as predisponha;

As obrigações duradouras perpétuas contrariam a regra segundo a qual ninguém pode ficar indefinidamente vinculado, salvo nos casos previstos por lei.
Trata-se de um princípio que, embora aflore diversas vezes em preceitos específicos, não tem uma consagração legal expressa. A sua formulação inequívoca nesta disposição normativa evita dúvidas.
Também se proíbem cláusulas que tornem a vigência de obrigações duradouras dependente, apenas, da vontade de quem as predisponha, pois delas resultavam, até por maioria de razão, situações desfavoráveis aos aderentes.

l) - Consagrem, a favor de quem as predisponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial.

Esta norma proíbe que se possa ceder a posição contratual ou transmitir as dívidas, sem o acordo da contraparte, excepto se a identidade do terceiro constar do contrato inicial por forma a que não se use o instituto para limitação da responsabilidade, designadamente se o terceiro integrado no contrato não dispuser de adequada cobertura patrimonial.

Nos termos do artigo 19.º do citado Decreto-Lei n.º 446/85, são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: -

a) - Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para a aceitação ou rejeição de propostas;

b) - Estabeleçam, a favor de quem as predisponha, prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas;

A existência de prazos alargados, a favor de quem se prevaleça de cláusulas contratuais gerais, tanto para a aceitação ou a rejeição de propostas negociais, como para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas, pode ser razoável em certas circunstâncias. Quando, porém, os prazos se mostrem excessivos, as cláusulas em causa são proibidas.

c) - Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;

A cláusula penal pode ser judicialmente reduzida de acordo com a equidade (artigo 812.º do Código Civil). Esta solução, no seu modo de operar, revela-se um tanto incompatível com o tráfico negocial de massas, sendo assim proibidas as cláusulas penais desproporcionadas.
Com vista a facilitar a tarefa concretizadora, a lei fornece o critério para a determinação da natureza excessiva das cláusulas penais: - a desproporção entre as reparações que elas imponham e os danos a ressarcir.
Observe-se, porém, que o qualificativo “desproporcionado” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas estabelecidas em relação ao montante dos danos mas, pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível.

d) - Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes;

O tráfico negocial de massas tem exigências de celeridade pelo que se compreende que se dispensem, algumas vezes, declarações formais de vontade, substituindo-as por comportamentos que, claramente, lhes correspondam. Mas impõe-se afastar essa solução quando, perante o quadro negocial padronizado, os factos a que se associem resultados conexos, em princípio, com declarações de vontade, se mostrem insuficientes.

e) - Façam depender a garantia das qualidades da coisa cedida ou dos serviços prestados, injustificadamente, do não recurso a terceiros;

O não recurso a terceiros pode alicerçar-se em razões de ordem técnica ou similares mas importa, no entanto, que ponderar, em face do tipo contratual consagrado pelas partes, se tais razões são justificativas da referida providência.
Não o sendo, ocorreria uma exclusão inadmissível da responsabilidade.

f) - Coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de denúncia, imediata ou com pré-aviso insuficiente, sem compensação adequada, do contrato quando este tenha exigido à contraparte investimentos ou outros dispêndios consideráveis;

A pessoa que, em virtude da celebração de um contrato, realiza investimentos ou outros dispêndios de vulto confia, por certo, numa vigência negocial suficientemente prolongada que lhe permita obter as amortizações ou vantagens correspondentes aos valores adiantados.
Se a contraparte pudesse, sem compensação adequada, denunciar o contrato, de imediato ou com pré-aviso insuficiente, toda essa confiança seria atingida, expressando um regime que concretiza o princípio da boa fé.

g) - Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem;

Em face da possibilidade de, através de estipulações inconvenientes do foro competente ou da lei aplicável, se coarctar o exercício dos direitos das partes e tendo em conta os postulados da justiça comutativa, requer-se, para a validade das correspondentes cláusulas, uma ponderação mínima de interesses que não valem quando causem a uma das partes graves inconvenientes, sem que interesses sérios e objectivos da outra o justifiquem.
Na ponderação mínima dos interesses não valem as cláusulas que causem a uma das partes graves inconvenientes e não existam interesses sérios e objectivos do predisponente que o justifiquem, mantendo-se os demais requisitos comuns da válida estipulação do foro competente, as questões a que se refere a cláusulas de aforamento e a indicação dos critérios de determinação do tribunal que fica sendo competente (artigo 100.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).

h) - Consagrem, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações, sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas;

Os contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais, designadamente nas áreas de evolução científica e tecnológica sensíveis, prevêem, muitas vezes, a possibilidade de modificações unilaterais das prestações. Essa prática, em si justificada, deixa de sê-lo quando tais modificações impliquem alterações de valor não compensadas, circunstância também exigida pela boa fé.

i) - Limitem, sem justificação, a faculdade de interpelar.

A interpelação é uma declaração requerida para certos efeitos de direito, com relevo para o vencimento das obrigações (artigo 805.º do Código Civil). Limitações injustificadas ao seu exercício dificultam ou mesmo impedem a efectivação da responsabilidade que possa caber.

Por seu turno, estabelecem os artigos 20.º e 21.º do mesmo Decreto-Lei n.º 446/85 que, nas relações com consumidores finais, são em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: -

a) - Limitem ou, de qualquer modo, alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente, por quem as predisponha ou pelo seu representante;

b) - Confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos;

c) - Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas na contratação;

Procuram assegurar que os bens ou serviços pretendidos pelo consumidor final sejam, de facto, os que ele vai alcançar através do funcionamento do contrato. Por isso, são vedadas, sucessivamente, as cláusulas que alterem, ou permitam alterar, obrigações assumidas na contratação por quem as predisponha ou pelo seu representante; confiram, directa ou indirectamente, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou dos serviços prestados; permitam a não correspondência entre as prestações a realizar e as indicações, especificações ou amostras, feitas ou exibidas na contratação. O entendimento das expressões legais reproduzidas não levanta dificuldade.

d) - Excluam os deveres que recaem sobre o predisponente, em resultado de vícios da prestação ou indemnizações pecuniárias predeterminadas;

e) - Atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato, quer em aspectos jurídicos, quer em questões materiais;

f) - Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco;

g) - Modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos;

A obtenção efectiva do bem ou serviço que o consumidor prossiga, mediante o negócio, pode, ainda, ser entravada pela ficção de conhecimento das partes, tanto nos aspectos jurídicos relativos ao contrato, como em questões materiais com ele conexas. Também as alterações ao regime geral do ónus da prova ou da distribuição do risco são susceptíveis de introduzir, no percurso contratual, dificuldades acentuadas para a obtenção dos bens ou serviços nele compreendidos, tendo em conta que o regime do direito comum traduz, em cada momento, o esforço mais razoável a exigir às partes e, em especial, aos consumidores finais.
Constituem exemplo de aplicação desta última disposição normativa as questões relacionadas com o uso de cartões de débito ou de crédito cuja prova, no domínio dos procedimentos informáticos (por natureza, imateriais), tem por objectivo estabelecer os factos que determinam a posição jurídica dos intervenientes numa operação de crédito electrónico: - a identidade do autor na operação e a existência, natureza ou conteúdo desta.
Ora, a simples digitação do número pessoal de identificação (PIN) não é susceptível de ser assimilada à assinatura do titular visto que não cumpre “a dupla função de identificar o seu autor e demonstrar a vontade deste, mas apenas releva o facto de se tratar de alguém habilitado (ou, pelo menos, conhecedor do código) a beneficiar da prestação”
[1].
Assim sendo, a marcação do código pessoal de acesso é um mero procedimento de autenticação do acto que não pode deixar de ser meramente presuntivo da sua genuinidade, da sua imputação a certo indivíduo, a cujos termos de operação aplicam-se as regras gerais de repartição do ónus da prova.
Cabe à predisponente provar ou fazer a demonstração dos factos constitutivos do direito sobre o titular
[2] (art. 342.º do Código Civil) (a existência do contrato de utilização do cartão, a utilização concreta do mesmo pelo titular e os montantes em dívida daí decorrentes).
Para além do mais, a assinatura do titular pode ser exigida em conjunto com a digitação do número pessoal de identificação, conferindo, desta forma, maior certeza e segurança à operação efectuada e sem que se confira a este mero procedimento de autenticação do acto uma força probatória plena (artigo 358.º, n.º 2, in fine, do Código Civil) criando a favor do predisponente uma presunção da veracidade do seu teor.
Assim sendo, um simples acto de autenticação ou a materialização do seu registo informático (artigo 362.º do Código Civil), sem a letra nem a assinatura do titular do cartão, cuja autenticidade e correcção poderia, com êxito, ser posta em causa mediante simples contraprova (artigo 346.º do Código Civil) passa, por esta via, a só poder ser validamente impugnado mediante prova do contrário (artigo 347.º do Código Civil) pelo que tal valoração antecipada deste acto viola o princípio irrenunciável da livre apreciação do julgador alterando o equilíbrio do ónus probatório decorrente do art. 342.º do Código Civil e violando assim o disposto no artigo 21.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 446/85 (Ac. STJ de 20/06/1995 in CJ-STJ, II, pg. 136; Ac. RL de 16/06/1994 in CJ, III, pg. 121; Ac. RL de 09/10/1997 in CJ, IV, pg. 106).

h) - Excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.

Finalmente, dispõe o artigo 22.º do mesmo Decreto-Lei n.º 446/85 que, nas relações com consumidores finais, são relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: -

a) - Prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato ou para a sua denúncia;

b) - Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou em convenção;

Cada modelo contratual, quer esteja regulado na lei, quer advenha do exercício da autonomia privada das partes, tem uma duração natural ou, pelo menos, limites máximos e mínimos, fora dos quais não permite a obtenção dos seus objectivos próprios, o que exige regras que afastem a impossibilidade de aplicar este princípio.

c) - Atribuam, a quem as predisponham, o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato, salvo se existir razão atendível que as partes tenham convencionado;
- o disposto nesta disposição normativa não é aplicável a: -
i) - às transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro;
ii) - aos contratos de compra e venda de divisas, de cheques de viagem ou de vales postais internacionais expressos em divisas.
- não determina a proibição de cláusulas contratuais gerais que: -
i) - concedam ao fornecedor de serviços financeiros o direito de alterar a taxa de juro ou o montante de quaisquer outros encargos aplicáveis, desde que correspondam a variações do mercado e sejam comunicadas de imediato, por escrito, à contraparte, podendo esta resolver o contrato com fundamento na mencionada alteração;
ii) - atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente o conteúdo de um contrato de duração indeterminada, contanto que se preveja o dever de informar a contraparte com pré-aviso razoável e se lhe dê a faculdade de resolver o contrato;
- nem implica a proibição de cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas e o mecanismo de variação do preço esteja explicitamente descrito.

d) - Estipulem a fixação do preço de bens na data da entrega, sem que se dê à contraparte o direito de resolver o contrato, se o preço final for excessivamente elevado em relação ao valor subjacente às negociações;
- o disposto nesta disposição normativa não é aplicável a: -
i) - às transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro;
ii) - aos contratos de compra e venda de divisas, de cheques de viagem ou de vales postais internacionais expressos em divisas.
- não implica a proibição de cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas e o mecanismo de variação do preço esteja explicitamente descrito.

e) - Permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessivas, dentro de prazos manifestamente curtos, ou, para além desse limite, elevações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437.° do Código Civil;

f) - Impeçam a denúncia imediata do contrato quando as elevações dos preços a justifiquem;

g) - Afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso ou aos prazos para denúncia dos vícios da prestação;

h) - Imponham a renovação automática de contratos através do silêncio da contraparte, sempre que a data limite fixada para a manifestação de vontade contrária a essa renovação se encontre excessivamente distante do termo do contrato;

i) - Confiram a uma das partes o direito de pôr termo a um contrato de duração indeterminada, sem pré-aviso razoável, excepto nos casos em que estejam presentes razões sérias capazes de justificar semelhante atitude;

j) - Impeçam, injustificadamente, reparações ou fornecimentos por terceiros;

l) - Imponham antecipações de cumprimento exageradas;

m) - Estabeleçam garantias demasiado elevadas ou excessivamente onerosas em face do valor a assegurar;

n) - Fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes;

o) - Exijam, para a prática de actos na vigência do contrato, formalidades que a lei não prevê ou vinculem as partes a comportamentos supérfluos, para o exercício dos seus direitos contratuais.

IV - PROIBIÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRÁRIAS À BOA FÉ

Estabelece o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.
Com vista a concretizar este princípio geral, dispõe o artigo 16.º do citado diploma que, na aplicação daquela disposição normativa, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: -

a) - A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) - O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

O princípio geral da boa fé é um princípio orientador das relações contratuais, sejam elas derivadas do mútuo consenso entre dois sujeitos no uso da plena liberdade de contratar e estipular, quer o sejam no uso de cláusulas contratuais gerais.
A boa fé pode objectiva ou subjectiva mas, como critério de valoração de cláusulas contratuais, só a boa fé objectiva pode estar em causa, ou seja, a uma cláusula geral que exprime um princípio normativo.
A boa fé objectiva manifesta-se em regras de conduta, que fixem o correcto comportamento inter-relacional mas este esquema é aqui totalmente inaplicável. Não se fixam padrões de conduta, antes se julgam cláusulas objectivas para concluir se elas devem ou não ser rejeitadas perante a ordem jurídica.
O critério geral baseia-se agora na desproporção ou desequilíbrio criado nas situações ou, em palavras mais simples, a injustiça da situação criada.
Portanto, não se fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, exigindo a sua mediação concretizadora. Deixa-se aberta, este modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça.
No âmbito do Código Civil, o critério da boa fé surge como regra de negociação leal e colaborante que se deve impor, quer na fase preliminar ou de formação do contrato (artigo 227.º do Código Civil), quer no cumprimento da obrigação ou no exercício do direito correspondente (artigo 762.º, n.º 2 do mesmo Código).
Boa fé que a doutrina tem delimitado, por via negativa, com os conceitos de equidade, os bons costumes, a ordem pública, a culpa, a diligência e a função social e económica dos direitos e, por via positiva, com os conceitos de confiança e da lealdade contratual (neste sentido, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pgs. 1197, 1240 e 1251; Ac. STJ de 28/03/1995 in BMJ 445.º-519).
Com as disposições normativas em causa, o legislador apelou aos princípios da boa fé, na sua delimitação por via positiva, tanto ao devedor (no cumprimento da obrigação) como ao credor (ao exercício do direito correspondente) e quis adstringir, de modo expresso, o credor à boa fé, assacando-lhe toda uma espécie de deveres de lealdade, de esclarecimento, de colaboração e de protecção, decalcados dos do devedor e com um âmbito transcendente em relação ao mero aceitar da prestação.

A concretização da boa fé, também qualificada de preenchimento com valorações, realiza-se em cada caso. Ao operador jurídico fica uma margem lata de decisão, que não deve, contudo, ser entendida como arbítrio: - a decisão segundo a boa fé surge no termo de um processo de realização do direito, dotado de justificação e susceptível de controlo.
As soluções possibilitadas pela boa fé, numa tradição que, radicada no direito romano, se liga a alguns dos progressos muito expressivos da ciência jurídica - o abuso de direito, a culpa na formação dos contratos, a modificação ou a resolução dos contratos por alteração das circunstâncias e a natureza complexa dos vínculos obrigacionais - não podem ser explicitadas pelo legislador, visto que fazê-lo equivaleria a retirar ao instituto grande parte da sua utilidade. O intérprete-aplicador dispõe, portanto, de um instrumento capaz de conduzir, em cada momento histórico, às decisões mais adequadas.
Com o objectivo de auxiliar, sem tolher, as tarefas de concretização da boa fé, apontam-se directivas suficientemente elásticas. Não se ultrapassa, todavia, o mínimo de precisão indispensável à sua utilidade nas decisões jurídicas.
A indicação básica reside numa remissão para os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação concreta. Verifica-se que a decisão deve obedecer aos ditames da dogmática jurídica, subordinando-se a esses parâmetros: - exclui-se, pois, qualquer hipótese de arbítrio. Tão pouco deve ser encarada uma solução que atenda, apenas, às características do caso concreto, colocando-se próxima da equidade: - os valores fundamentais do direito, ainda que só detectadas em concreto, correspondem a vectores genéricos, referenciáveis em abstracto.
O quadro valorativo expresso por este conceito pode reconduzir-se à tutela da confiança legítima e à necessidade de atentar na materialidade da regulação jurídica.
A confiança legítima tem, através da boa fé, uma protecção alargada.
A boa fé subjectiva, enquanto proporcione às pessoas que confiam na bondade da própria posição jurídica, ou crêem não atingir os direitos de terceiros, regimes mais favoráveis do que os correspondentes a situações normais, assegura, em instintos disseminados na esfera civilística, uma tutela eficaz, há muito operante.
A boa fé objectiva, por seu turno, ao vedar comportamentos enganosos, in contrahendo, na execução dos contratos ou no simples exercício dos direitos, ou ao proibir práticas como a de venire contra factum proprium, prossegue os mesmos escopos.
Não é apresentada qualquer inovação no domínio das cláusulas contratuais gerais mas apenas expressa, neste domínio sensível do tráfico negocial de massas, a necessidade de concretizar, em moldes adaptados, um princípio reitor tradicional do direito privado.

Quando tutelada com base na boa fé objectiva, a confiança legítima coloca certas questões de complexidade relativa. Perante a problemática das cláusulas contratuais gerais, o legislador, sempre em termos elásticos, para que não resulte manietada a evolução futura, indicia os factores mais significativos, susceptíveis de criar nas partes situações de confiança: - o sentido global das cláusulas contratuais, o processo de formação do contrato singular celebrado e o teor deste. As cláusulas contratuais gerais que ofendam a confiança legítima - portanto, a confiança não contrária a outros valores jurídicos ou aos deveres de indagação que no caso caibam - provocada pelos referidos factores ou por outros elementos atendíveis são opostas à boa fé e, como tais, proibidas.
A necessidade de ponderar a materialidade da disciplina jurídica corresponde a outra vertente concretizadora da boa fé. Ela representa um combate antigo do direito contra o formalismo. No domínio contratual, importa que os deveres em jogo sejam efectivamente acatados, de molde a uma prossecução real dos interesses envolvidos. Há que evitar meros desempenhos formais que apenas exteriormente correspondam aos valores em presença. As cláusulas contratuais gerais, através dos tipos negociais que prefigurem, indiciam, no seu conjunto, os objectivos prosseguidos pelas partes. Esses objectivos devem obter realização prática. Em consequência, são opostas à boa fé e, assim, proibidas, as cláusulas que, sem justificação legítima, os contrariem, dificultem ou impeçam.

Assinale-se que as proibições especificadas nos diversos catálogos consagrados na lei não representam senão particulares projecções da intencionalidade normativa que atravessa a cláusula geral de fiscalização. Esta aparece construída sobre o princípio normativo da boa fé, que assim se constitui como a regra fundante de todas as proibições e cuja “desenvolução” é mediatizada pelo recurso a critérios instrumentais, como a confiança e objectivo negocial típico visado pelas partes.
O que não significa que não possam ocorrer, simultaneamente, fenómenos de retroacção valorativa, em que uma tipificada proibição acaba por “iluminar” no contexto da apreciação de certas cláusulas não directamente consideradas no catálogo de proibições, o exacto alcance do princípio geral de fiscalização.
Este opera como uma espécie de “filtro final” em relação a todo o tipo de cláusulas, mesmo quanto àquelas que não estão de todo abrangidas pelo elenco das proibições ou que, estando-o, são contudo utilizadas fora do âmbito de aplicação pessoal da lista a que dizem respeito, como sucede com as estipulações directamente pensadas para as relações com consumidores (artigos 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 446/85), quando inseridas em clausulados que visam regular relações contratuais entre empresas ou entidades equiparadas.
Pela mediação das regras da boa fé, está fundamentalmente em causa a identificação de uma equilibrada composição de interesses, que será, à partida, afectada se o utilizador procura cristalizar no regulamento contratual predisposto os seus exclusivos propósitos negociais, com aberta desconsideração dos razoáveis interesses do cliente.
A aplicação do princípio geral de controlo das condições gerais implica, assim, um incontornável processo de ponderação de interesses, tornando-se aí imprescindível o recurso à função-quadro que, na lógica de uma normativizada axiologia, se imputa às regras de direito dispositivo.

O princípio da boa fé funciona também como critério de avaliação do conteúdo proibido das cláusulas, a utilizar no domínio das cláusulas relativas, enquanto princípio reitor do controlo do conteúdo.
A prossecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece com o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procura garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária.
O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa fé, pelo que somos assim levados à necessidade de uma acabada ponderação de interesses.
Torna-se, deste modo, imprescindível, na valoração de uma cláusula relativamente proibida, contrapor o interesse da outra contraparte tipicamente afectado por tal cláusula àquele que por ela é assegurado ao seu utilizador.
Nesta valoração, haverá que concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder à medida do equilíbrio pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, detrimento da contraparte do utilizador.
Na ponderação de interesses aqui implicada, o “desenho” que nos fornece uma aprofundada consideração do direito dispositivo haverá que desempenhar, neste quadro, um papel de primeiro plano, pois, num contexto negocial marcado pela conformação unilateral do conteúdo do contrato, um desvio à ordem normativo-dispositiva terá que ser confortado por especiais fundamentos justificadores. A este propósito, a supressão de um interesse da contraparte só poderá, em princípio, justificar-se se lhe contrapuser um interesse do proponente de valor superior ou, pelo menos, de valor igual, ou se a eliminação daquele for compensada pela concessão de vantagens de valor similar.
Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos.
Directiva básica será aqui a preocupação de determinar se o utilizador, através da cláusula ou cláusulas consideradas, procura levar a cabo, exclusivamente, interesses próprios, sem tomar em consideração, de forma minimamente ajustada ou razoável, os interesses da contraparte ou sem, no mínimo, lhe facultar uma adequada compensação.

v - A DIRECTIVA 2005/29/CE E AS PRÁTICAS DESLEAIS DAS EMPRESAS FACE AOS CONSUMIDORES

A Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005 tem por objectivo contribuir para o funcionamento correcto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores (artigo 1.º).
São proibidas as práticas comerciais desleais que forem contrárias às exigências relativas à diligência profissional e distorcerem ou forem susceptíveis de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afecta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores, em especial as práticas enganosas ou agressivas (artigos 5.º, n.os 1, 2 e 4 e 6.º a 9.º).

(António José Fialho)
Juiz de Direito


[1] LUÍS PINTO MONTEIRO, A Operação de Levantamento Automático de Numerário, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52, pg. 156.
[2] Sobre esta questão, consultar o ponto 6.2. do Anexo da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias de 17 de Novembro de 1988 (88/590/CEE) relativa aos sistemas de pagamento e, em especial, às relações entre o titular e o emissor dos cartões publicado no JOCE n.º L 357 pg. 55 o qual estabelece a quem incumbe o ónus da prova no caso das operações efectuadas com cartão de crédito.