terça-feira, 23 de setembro de 2008

O ACORDO NUPCIAL (WILLIAM HOGARTH)


“A minha pintura é o meu palco e os meus actores são os homens e as mulheres que, através de certos actos e expressões, representam uma pantomina”
William Hogarth


A ética conjugal foi o tema de muitos debates realizados na Grã-Bretanha durante o século XVIII (o chamado período jorgiano[1]).
Com efeito, muitos dos casamentos eram realizados por conveniência e a infelicidade que provocavam eram objecto de críticas sociais, surgindo um conjunto significativo de artistas e letrados a afirmar que o amor entre os cônjuges deveria ser a base principal do casamento.

Este quadro é o primeiro de um conjunto de seis, executados por William Hogarth entre 1743 a 1745 e representando, de forma irónica e aparentemente moralizadora, essa prática muito comum na Grã-Bretanha do século XVIII dos “os casamentos por conveniência” e, em particular, junto das classes mais elevadas.

Representa uma história infeliz de uma união engendrada pelos pais por mera contrapartida social e material. Por um lado, o pai do noivo, um ambicioso aristocrático arruinado por um estilo de vida demasiado faustoso, “vende” o filho a troco de um dote conspícuo desembolsado pelo pai da noiva, por sua vez, um mercador enriquecido e desejoso de afirmar o seu prestígio social, unindo-se à aristocracia.

São visíveis a oferta do dinheiro, em cima da mesa onde o tabelião efectua a troca dos documentos, enquanto que o pai do noivo aponta para a sua árvore genealógica, com um cavaleiro na base, como sendo aquilo de que dispõe com maior valor para oferecer em troca da quantia que lhe é entregue.

O negócio conclui-se com satisfação para ambas as partes, mas não para os filhos, representados num outro plano e numa atitude de distanciamento, reduzidos aqui ao mero estatuto de figurantes.

Sabe-se pelo conjunto das restantes obras que esta união conjugal irá ter um desfecho trágico: - após toda uma série de traições e de vinganças, o marido será morto num duelo com o amante da mulher a qual, de regresso a casa dos pais, se suicida pouco depois.

Todo o conjunto de seis quadros (assim como outras obras do pintor e gravador inglês William Hogarth) encontra-se acessível ao público na National Gallery, em Londres (
http://www.nationalgallery.org.uk/) e, pelo conteúdo temporal de cada um dos trabalhos, é considerado por muitos como um dos percursores da banda desenhada.

Nesta obra, como noutras introduzindo o tema moral da época, o pintor ilustra fraquezas humanas mas nunca moraliza, deixando que o espectador faça o seu juízo pessoal.

Como curiosidade, importa ainda referir que o seu autor, William Hogarth, considerado o pai da pintura inglesa e, procurando evitar cópias indevidas do seu trabalho enquanto pintor e gravador, deu origem a um dos primeiros conjuntos de normas sobre direitos de autor.

[1] Esta época recebeu esta denominação por via dos reis de Inglaterra que governaram este país (e as respectivas possessões) durante todo o século XVIII (Jorge I a Jorge IV), ficando especialmente caracterizada por um estilo arquitectónico próprio que é visível em muitas cidades como Londres, Dublin, Filadélfia ou Washington ou em muitas outras construções realizadas nessa época.

sábado, 20 de setembro de 2008

8.º CONGRESSO DOS JUÍZES PORTUGUESES


A Associação Sindical dos Juízes Portugueses organiza nos próximos dias 20 a 22 de Novembro de 2008, na Póvoa do Varzim, o 8.º Congressso dos Juízes Portugueses.
Julgamos adequado dar notícia desta iniciativa neste espaço e transcrever o documento de apresentação do congresso, esperando que o mesmo seja bastante participado pelo maior número de juízes portugueses.

Num tempo em que o debate sobre um novo papel dos tribunais nas actuais sociedades democráticas, plurais e de direitos se traduz numa visibilidade mediática e política permanente, a discussão sobre o poder judicial na democracia não pode deixar de ser feito entre os juízes.
Estabilizado o quadro de legitimação política, as democracias actuais geram e alimentam insatisfações dos seus cidadãos no concreto exercício dos vários poderes constitucionalmente estabilizados.
Melhor democracia, melhor governação, maiores garantias.
Desde há alguns anos que existe a intuição que o poder judicial nas democracias descontentes do início do século XXI corre o risco de se vir a assumir-se como verdadeiro poder.
Se o século XIX foi o século do poder legislativo e o século XX o do poder executivo, poderá o século XXI vir a ser o século do poder judicial?
A emergência do poder judicial responsabiliza-o como um poder público de controlo de outros poderes do Estado.
Essa é uma realidade global, nomeadamente num espaço europeu de Justiça, onde inevitavelmente estamos inseridos.
Casos criminais, procedimentos para anular medidas do poder executivo, reposição de direitos comprimidos pelo legislativo, exigência efectiva de responsabilidades do Estado e dos seus servidores são exemplos claros dum novo modo de exercício do judiciário.
A crise do papel regulador do Estado, o fim do Estado Social e a hiper-contratualização das relações sociais, económicas, mercantis, a nova geração de políticas assentes na governação através de parcerias público-privadas, uma nova geração dos direitos do homem e da terra, convocam o poder judicial para um outro exercício da democracia.
Estaremos perante uma transferência de legitimidade dos poderes legislativo e executivo para o judicial? Será um problema de exigência de qualidade da própria democracia e da coesão social?
A pós-modernidade, afirmada como o eclipse de todas as narrativas históricas grandiosas, confronta-se com as lógicas do consumo, do individualismo, do hiper-pluralismo e da globalização. Lógicas que constituem, afinal, uma nova narrativa histórica.
Uma narrativa que tem de explicar o papel dos vários poderes do Estado Democrático de um outro modo.
Estarão os juízes e os tribunais preparados para ter lugar nessa narrativa?
A amplificação de poderes do judiciário e a sua visibilidade densifica a sua dimensão política.
Há um fenómeno de diversificação do mercado a novas questões suscitadas à judicatura que exigem uma resposta adequada.
À diversidade e complexidade da litigação acresce a problematização da legitimidade jurisdicional. Devem os juízes intervir nestes domínios? A que título e com que limites?
Esse novo protagonismo político, as novas expectativas sobre o seu desempenho, a frustração dessas expectativas pelas insuficientes respostas serão aptas a criar conflitos entre o judicial e o político? Como enfrentar essa realidade?
A Constituição trata de modo muito incipiente as questões do poder judicial. Os tribunais surgem nela mais como autoridade e menos como órgãos de soberania. O estatuto dos juízes deixa para a lei ordinária um largo campo de regulamentação. A administração judiciária é remetida para a lei ordinária. A organização dos tribunais é tratada de forma muito pouco atenta. O próprio direito processual e a regulação das formas de composição alternativa de litígios não merecem qualquer reparo constitucional.
Uma nova atenção da democracia para o poder judicial, justifica ajustamentos na Constituição? Será necessária uma maior densificação da Constituição judiciária?
A ideia de uma jurisdição independente, imparcial, livre e competente assume-se hoje como direito fundamental e indisponível. O direito ao juiz é um direito efectivo e tem um conteúdo. Para além dos quadros legais que consagram a liberdade, a independência e a imparcialidade é necessária a disponibilidade de um profissional dotado de uma formação de elevado nível que responda a um exercício de poder e a um desempenho de funções verdadeiramente diferenciados.
Esse exercício só faz sentido num quadro de organização e de administração judiciárias efectivo, mas simultaneamente responsabilizante.
Deve ambicionar-se para o poder judicial uma separação não apenas estatutária, mas também funcional, organizativa e financeira? Como concretizar essa ambição?
O modelo que estabelece a actual formação de magistrados em Portugal foi inovadoramente adequado ao estabelecimento de uma magistratura democrática, num tempo de um País em reconstrução democrática.
A estabilização democrática trouxe, no entanto, novas preocupações: gestão do tribunal e do processo, a argumentação, a valoração da prova no julgamento, a elaboração da decisão, a globalização e internacionalização do direito. A formação para uma cultura de cidadania, de responsabilidade, de isenção, de ética, de verdade, de garantia de direitos fundamentais, de cumprimento da legalidade é fundamental.
Estarão os juízes e comunidade jurídica preparados para entender a formação da magistratura numa perspectiva de solidificação do Estado de Direito?
Que juízes querem os cidadãos? Para que querem os cidadãos, hoje, os juízes?
Que poder judicial quer, hoje, a democracia?
Como modernizar a justiça para que seja factor de desenvolvimento individual, social e económico no País?
As questões enunciadas exigem respostas.
A palavra aos juízes será no OITAVO GONGRESSO DOS JUÍZES PORTUGUESES, sob o seguinte lema: "O Poder Judicial numa Democracia Descontente" - Impasses, Desafios e Modernização da justiça.
(EXTRAÍDO DA APRESENTAÇÃO DO CONGRESSO NA PÁGINA DA ASJP)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A LIBERDADE GUIANDO O POVO (EUGÈNE DELACROIX)


“Deve-se ser ousado até ao limite máximo; sem ousadia,
e até ousadia extrema, não há beleza”
Eugène Delacroix


Após a derrota de Napoleão Bonaparte, as potências europeias reunidas no Congresso de Viena impuseram à França o Segundo Tratado de Paris e o regresso da Casa Real dos Bourbons.
Com este acordo, a França viu as suas fronteiras reduzidas ao que existia em 1789, foi obrigada ao pagamento de uma indemnização de setecentos milhões de francos, a restituir os tesouros artísticos roubados aos povos conquistados e a aceitar a ocupação do norte do país durante cerca de cinco anos.

Nos últimos anos do reinado de Luís XVII (1815-1824) e durante o reinado de Carlos X (1824-1830), ocorreram perturbações internas graves pois, enquanto no governo de Luís XVIII, mantiveram-se muitas das conquistas sociais e económicas do período revolucionário, com vista a garantir o apoio da burguesia liberal, Carlos X recuperou o absolutismo de direito divino e o favorecimento da nobreza, em detrimento da burguesia.

Em 1827, a oposição, formada por constitucionalistas e independentes, venceu as eleições e a Câmara dos Deputados entrou em conflito com o rei.
Em 1830, o rei dissolveu a Câmara dos Deputados e convocou novas eleições que vieram a ser vencidas pela oposição liberal.
Com vista a evitar novos conflitos, em 25 de Julho de 1830, Carlos X publicou as Ordenações de Julho, suprimindo a liberdade de imprensa (impondo a censura), anulava as eleições realizadas e dissolvia a Câmara dos Deputados recém-eleita, modificou os critérios para fixação do censo eleitoral, favorecendo uma minoria e reduzindo o eleitorado entre a burguesia, permitindo ao rei governar através de decretos.
A publicação das Ordenações de Julho coincidiram ainda com uma grave crise económica que Carlos X e os seus governos não haviam conseguido resolver.

É então que, entre os dias 27 a 29 de Julho de 1830 (os três dias gloriosos), o povo de Paris e as sociedades secretas republicanas, sob a direcção da burguesia liberal, organizaram um conjunto de levantamentos contra Carlos X.
Levantaram-se barricadas em Paris e generalizou-se a luta civil, de tal forma que a própria Guarda Nacional acabou por dar o seu apoio, aderindo aos levantamentos.
Depois de três dias de combates nas ruas de Paris, Carlos X, o último rei da Casa Bourbon teve de partir para o exílio no início de Agosto de 1830.

Com receio de algum radicalismo por parte da pequena burguesia e proletariado urbano, a alta burguesia conseguiu fazer nomear Luís Filipe de Orleans (o “Rei Burguês”), monarca constitucional e liberal, iniciando-se um período de paz e de prosperidade social e económica.

A Revolução de 1830 teve um carácter liberal e anti-absolutista, opondo-se às directrizes do Congresso de Viena, expandindo-se por um conjunto de países da Europa (Polónia, Portugal, Holanda, Itália, Alemanha e Espanha), conduzindo ainda à independência da Bélgica mas deixando apenas o fermento liberal e constitucionalista nos outros países, graças à intervenção da Santa Aliança formada sob as directrizes da restauração do absolutismo pelo Czar Alexandre I (Rússia) e pelo Príncipe Metternich (Áustria).

É essa revolta da população de Paris, mobilizada pelas ideias liberais, que Delacroix mostra no quadro “A Liberdade Guiando o Povo”, exposto no Museu do Louvre, em Paris (
http://www.louvre.fr).

A figura central é uma mulher com uma boina frígia, representando a Liberdade e guiando o povo por cima dos corpos dos combatentes, transportando a bandeira tricolor da Revolução Francesa numa mão e uma espingarda com baioneta na outra.
Um cidadão mortalmente ferido esforça-se por contemplar, pela última vez, a Liberdade. A sua atitude em arco cria um elemento crucial na composição em pirâmide. O artista repete ainda as cores da bandeira no vestuário do moribundo.
O jovem patriota à direita da Liberdade representa um herói popular chamado Arcole, que foi morto no combate em redor do Hôtel de Ville.
À direita deste, são ainda visíveis sobre o fumo das armas as torres de Notre Dame, esvoaçando numa delas a bandeira tricolor.
A assinatura do pintor está traçada com ousadia a vermelho simbólico sobre as pedras das barricadas, à direita do jovem patriota.

Na primeira apresentação pública (1831), este quadro teve uma recepção negativa por parte da crítica a qual se mostrou escandalizada com a audácia com que o pintor tratou o tema e pela violência dos sentimentos que exprimia, o que, apesar da sua natureza apaixonada, não afectou Delacroix que, em vez disso, ficou orgulhoso e satisfeito com a obra realizada que enaltecia os valores da pátria.

Com efeito, trata-se de uma obra dotada de grande expressividade e força gráfica, relembrando ainda os momentos relatados no livro “Os Miseráveis”, de Vítor Hugo, e cujo sentido revela interesse na actualidade, como demonstra a escolha feita pelo grupo “Coldplay” para ilustrar a capa do seu último álbum “Viva La Vida” (2008).

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DO BARREIRO

I - INTRODUÇÃO

O artigo 211.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa prevê a possibilidade de, na primeira instância, existirem tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.
Assim, o artigo 78.º, alíneas b), e c), da Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, com as sucessivas alterações) estipula que podem ser criados, entre outros, tribunais de competência especializada de família e tribunais de competência especializada de menores.
Concretizando esta possibilidade, o legislador optou por criar tribunais de competência especializada mista de família e de menores.
Assim, no âmbito da competência material (e sem prejuízo das competências atribuídas ao Ministério Público e às conservatórias do registo civil), compete aos tribunais de família preparar e julgar (artigo 81.º da Lei n.º 3/99): -

- Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges;
- Acções de separação de pessoas e bens e de divórcio;
- Inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados;
- Acções de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil;
- Acções intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil;
- Acções e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges.

Compete igualmente aos tribunais de família (artigo 82.º da Lei n.º 3/99): -

- Instaurar a tutela e a administração de bens;
- Nomear pessoa que haja de celebrar negócios em nome do menor e, bem assim, nomear curador-geral que represente extrajudicialmente o menor sujeito ao poder paternal;
- Constituir o vínculo da adopção;
- Regular o exercício do poder paternal e conhecer das questões a este respeitantes;
- Fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos;
- Ordenar a entrega judicial de menores;
- Autorizar o representante legal dos menores a praticar certos actos, confirmar os que tenham sido praticados sem autorização e providenciar acerca da aceitação de liberalidades;
- Decidir acerca da caução que os pais devam prestar a favor dos filhos menores;
- Decretar a inibição, total ou parcial, e estabelecer limitações ao exercício do poder paternal, previstas no artigo 1920.º do Código Civil;
- Proceder à averiguação oficiosa de maternidade, de paternidade ou para impugnação da paternidade presumida;
- Decidir, em caso de desacordo dos pais, sobre o nome e apelidos do menor.

Compete ainda aos tribunais de família: -

- Havendo tutela ou administração de bens, determinar a remuneração do tutor ou do administrador, conhecer da escusa, da exoneração ou da remoção do tutor, do administrador ou do vogal do conselho de família, exigir e julgar as contas, autorizar a substituição da hipoteca legal e determinar o reforço e a substituição da caução prestada e nomear curador especial que represente o menor extrajudicialmente;
- Nomear curador especial que represente o menor em qualquer processo tutelar;
- Converter, revogar e rever a adopção, exigir e julgar as contas do adoptante e fixar o montante dos rendimentos destinados a alimentos do adoptado;
- Decidir acerca do reforço e da substituição da caução prestada a favor dos filhos menores;
- Exigir e julgar as contas que os pais devam prestar;
- Conhecer de quaisquer outros incidentes nos processos referidos no número anterior.

Por seu turno, compete aos tribunais de menores (Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo): -

- Preparar, apreciar e decidir os processos de promoção e protecção;
- Aplicar medidas de promoção e protecção e acompanhar a respectiva execução quando requeridas, sempre que uma criança ou jovem se encontre numa situação de perigo e não for caso de intervenção da comissão de protecção.

Compete também aos tribunais de menores (cessando a intervenção se for aplicada ao menor pena de prisão efectiva, em processo penal, por crime praticado por este com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos ou aquele completar 18 anos antes da data da decisão em 1.ª instância) (Lei Tutelar Educativa): -

- A prática dos actos jurisdicionais relativos ao inquérito tutelar educativo;
- A apreciação de factos qualificados pela lei como crime, praticados por menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, com vista à aplicação de medida tutelar;
- A execução e a revisão das medidas tutelares;
- Declarar a cessação ou a extinção das medidas tutelares;
- Conhecer do recurso das decisões que apliquem medidas disciplinares a menores a quem tenha sido aplicada medida de internamento.

O tribunal de família e menores funciona, em regra, com um só juiz.
Contudo, nos processos em que se presuma a aplicação de medida de internamento ou medida de promoção ou protecção sem que haja acordo, o julgamento pertence a um tribunal constituído pelo juiz, que preside, e por dois juízes sociais (artigo 84.º da Lei n.º 3/99).

II - RESENHA HISTÓRICA DOS TRIBUNAIS DE FAMÍLIA E MENORES

Por Decreto de 27 de Maio de 1911 (a 1.ª Lei de Protecção à Infância), foram criados os primeiros tribunais de menores, ainda com a designação de “tutorias de infância”, destinados a guardar, proteger e defender os menores em perigo moral, desamparadas e delinquentes, encarados como seres carecidos de protecção, estabelecendo ainda um direito substantivo e adjectivo próprio para menores de dezasseis anos, apesar de, numa primeira fase, ser aplicável apenas para uma parte do país.
Contudo, só alguns anos mais tarde, com a publicação do Decreto n.º 10.767 de 15 de Maio de 1925 (regulamentando o Decreto de 27 de Maio de 1911), ocorreu a compilação de alguma legislação dispersa sobre os menores, consubstanciando, assim, uma transição para um sistema tutelar e educativo e foi estendido o sistema iniciado em 1911 a todo o país, passando as tutorias de infância a funcionar em todas as comarcas do país e deixando de ser aplicado aos menores o Código Penal de 1886.
Mais tarde, com a publicação do Estatuto Judiciário de 1944 (Decreto n.º 33547 de 23 de Fevereiro de 1944) as tutorias passaram a ser designadas por Tribunais de Menores e os tribunais centrais deixaram de funcionar em regime de colegialidade.
Com o Estatuto Judiciário de 1962 (Decreto n.º 44.278, de 14 de Abril de 1962) os tribunais tutelares de menores destinam-se a assegurar a protecção judiciária dos menores; em cada uma das comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, é criado um tribunal central de menores, enquanto que, nas outras comarcas, é o tribunal de comarca que funciona como tribunal de menores; os tribunais centrais passam a funcionar com juízes singulares, tantos quantos os juízos e a organização, competência, forma de processo e funcionamento dos tribunais de menores são regulados em legislação especial.
Com a publicação dos Decretos n.º 44.287 e n.º 44.288, ambos de 20 de Abril de 1962, é realizada a Reforma dos Serviços Tutelares de Menores.
Os primeiros tribunais de família são criados com a Lei n.º 4/70, de 29 de Abril (regulamentada pelo Decreto n.º 8/72, de 7 de Janeiro).
Apenas alguns anos depois de Abril de 1974, entra em vigor a Organização Tutelar de Menores (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro), estabelecendo regras substantivas, processuais e de organização relativas aos menores. Muitas das suas disposições (em particular na parte relativa às providências tutelares cíveis) estão ainda em vigor.
Desde 1974 até aos nossos dias, foram aprovadas diversas leis da organização judiciária (respectivamente em 1977, 1987 e 1999), estando actualmente em vigor a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 290/99, de 30 de Julho).
Mais recentemente, a Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, aprovou a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e, no mesmo ano, a Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, aprovou a Lei Tutelar Educativa, estabelecendo o regime substantivo em vigor em matéria tutelar educativa e de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo.

III - TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DO BARREIRO

O Tribunal de Família e Menores do Barreiro foi declarado criado e instalado em 15 de Setembro de 1999 pela Portaria n.º 412-B/99, de 7 de Junho, na sequência da organização judiciária ocorrida pela Lei n.º 3/99 (artigos 2.º, n.º 3, 44.º e 72.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, e Mapas II e VI anexos a este diploma).
A sua competência material abrange as áreas de competência atribuídas aos tribunais de competência especializada mista de família e de menores e a competência territorial corresponde à área geográfica do Círculo Judicial do Barreiro (comarcas do Barreiro, Moita e Montijo).
Actualmente, dispõe do seguinte quadro de magistrados judiciais e do Ministério Público e de funcionários judiciais: -

- Dois Juízes de Direito (sendo um deles destacado como auxiliar);
- Dois Procuradores da República;
- Sete Funcionário Judiciais na secção de processos (um Escrivão de Direito, três Escrivãs-Adjuntas e três Escrivãos-Auxiliares) e dois Funcionários Judiciais na secção do Ministério Público (uma Técnica de Justiça-Adjunta e um Técnico de Justiça Auxiliar).

Em termos de organização administrativa, a área territorial abrangida corresponde aos concelhos do Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete onde se encontra uma população residente de cerca de 204.650 habitantes distribuídos por vinte e cinco freguesias que ocupam uma área total de 563 quilómetros quadrados
[1].
Em 1 de Julho de 2008, o Tribunal de Família e Menores do Barreiro registava uma pendência real global de 3231 processos, distribuída por processos de justiça cível (901 processos, dos quais 463 são acções de divórcio) e por processos de justiça tutelar (2330 processos, onde assumem maior expressão as regulações do exercício do poder paternal - 1104 - os processos de promoção e protecção - 244 - e os processos tutelares educativos - 102).
Encontra-se instalado no 5.º piso do edifício do Palácio da Justiça do Barreiro (onde funcionam igualmente o Tribunal do Trabalho do Barreiro, os Juízos de Competência Especializada Cível e Criminal da Comarca do Barreiro e os Serviços do Ministério Público do Barreiro), situado na Avenida de Santa Maria, nesta cidade.
O edifício do Palácio da Justiça do Barreiro foi inaugurado em 17 de Janeiro de 2000.

No exercício das suas competências em matéria tutelar cível e educativa e de promoção e protecção, o Tribunal de Família e Menores do Barreiro é apoiado pelos seguintes serviços (os quais prestam igualmente apoio a outros tribunais relativamente a pedidos formulados para a área geográfica do Círculo Judicial do Barreiro): -

- Equipa de Setúbal 2 da Direcção-Geral de Reinserção Social (em matéria tutelar educativa);
- Equipa Multidisciplinar de Apoio ao Tribunal (EMAT) do Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social (em matéria de promoção e protecção);
- Equipas Tutelar Cível e de Adopções do Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social (em matéria tutelar cível e adopção).

Através do Despacho n.º 25463/2007 do Ministro da Justiça de 18 de Outubro de 2007, foram ainda nomeados oito juízes sociais, de entre cidadãos domiciliados no concelho do Barreiro, para integrar o tribunal no julgamento que tenha lugar nos processos em que se presuma a aplicação de medida de internamento ou medida de promoção ou protecção sem que haja acordo (Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de Junho).

No próximo ano, mais concretamente no dia 15 de Setembro de 2009, o Tribunal de Família e Menores do Barreiro completará dez anos sobre a data da sua criação e instalação.
Com a utilização deste espaço privilegiado de divulgação e utilizando os recursos da web, pretende-se divulgar o conjunto de actividades que estão a ser planeadas para assinalar essa comemoração.


[1] Dados fornecidos pela página informática da Associação Nacional de Municípios Portugueses (www.anmp.pt) relativos ao ano de 2006.